É uma bela coincidência quando um livro que nos interessa é escolhido como livro num clube leitura em que participamos. É como se o universo nos incentivasse a comprar logo o livro, certo? Foi o que me aconteceu com A Malnascida, de Beatrice Salvioni. O livro já me interessava e depois a Rita tornou-o a sua escolha do mês do Clube do Livra-te. De que mais precisava eu para o comprar na Feira do Livro do Porto?
Passado na Itália dos anos 30, A Malnascida é narrado por Francesca, uma menina de 13 anos, de uma família tradicional e de aspirações burguesas. Quando o livro começa, Francesca está nas margens do rio Lambro, vergada sob o peso de um homem morto que tentou violá-la. Com a ajuda de Maddalena, o corpo é escondido e este torna-se um momento marcante para a amizade de ambas. É então que Francesca começa a contar como surge o seu fascínio com a amiga, a quem chamam a Malnascida, contando a história do ano que as levou ali.
Como se passa em pleno fascismo, com a Itália em guerra, há uma grande carga histórica e social em toda a narrativa, acrescendo ainda o facto de Francesca ser de uma família burguesa e Maddalena de uma família pobre. Esta diferença classista marca a amizade e cria alguns momentos de tensão entre personagens, como é de esperar. Gosto do facto de o fascismo existir como pano de fundo sem ser uma preocupação direta da narradora. Ela está apenas a descobrir o mundo e a firmar crenças.
— É uma coisa perigosa.
— O quê?
— As palavras — respondeu.
—As palavras são perigosas, se as disseres sem pensar.
— São só palavras. — Tentei rir-me porque a sua cara começava a meter-me medo e não queria discutir.
Mas ela fitava-me.
— Nunca são só palavras.
A amizade com Maddalena também me parece bem construída, como a amizade normal de duas meninas de mundos diferentes que encontram na procura pela liberdade um ponto comum, que as une e as motiva a partilhar alguma vulnerabilidade. Gostei também da disparidade de comportamento dos pais da Francesca, algo que me pareceu muito bem representativo daquilo que poderiam ser os conflitos internos familiares daquela época da história italiana.
Acho, no entanto, que as comparações com A Amiga Genial são um tanto exageradas. Os panos de fundo podem coincidir, assim como a temática da amizade feminina, mas nem a escrita é semelhante nem a amizade entre as personagens é comparável. Começa com um fascínio da menina bem comportada pela menina rebelde, mas não vi a Lila e a Lenu nesta narrativa — e ainda bem.
E já que falamos em conflitos internos, tenho alguns sobre o final do livro. Por um lado gostei, por outro parece-me muito mais ficcionado do que toda a história, que por vezes parece querer dar ali uns toques de realismo mágico (ou será que é uma coincidência?).
Título original: La Malnata
Título em português: A Malnascida
Autora: Beatrice Salvioni
Ano: 2023
Lido entre 9 e 19 de setembro de 2024
Gatilhos: guerra, violação.