Lembro-me perfeitamente de algo que me passava pela cabeça quando utilizava o Tinder: não há histórias sobre isto, não há qualquer beleza em conhecer uma pessoa com ajuda de um algoritmo, é por isso que ninguém escreve sobre isto. Os grande romances tinham histórias bonitas, poderosas. Mas será que é mesmo assim? Um grande romance tem de ter um início arrebatador e marcante? Não pode ser só um acaso do algoritmo? A verdade é que, se formos pela literatura, é certo que um algoritmo não dará uma bonita história de amor — ou do que quer que seja. Mas será mesmo assim?
Até tinha comprado outro ebook da Joana Bértholo antes, mas vi que Augusta B., a mais recente história da autora, estava no Kobo Plus e acabei por o escolher para voltar à escrita belíssima dela. Com título completo Augusta B. Ou as Jovens Instruídas 80 Anos Depois, esta novela surgiu na residência literária de um dia do Festival Correntes d’Escritas 2023. A ligação à Póvoa de Varzim faz-se sentir no livro por ser local de ação, mas Joana Bértholo vai mais longe e torna Agustina Bessa-Luís o fio condutor desta história passada em 2024. Intrigante? Sim, mas acho que ainda se torna mais quando digo que se trata de uma história sobre aplicações de encontros.
Além disso, não se deixava perturbar pelo aranzel de anglicismos que mapeavam a crescente possibilidade de situações desagradáveis, e muito disseminadas, do ghosting ao zombieing, passando por todas as formas de bread-crumbing, benching, orbiting, stashing, a agressiva ambiguidade do love bombing aos ardis criminalizáveis do catfishing. Estes anglicismos faziam parte do seu vocabulário, sem nunca ter sentido necessidade de achar os termos correspondentes em português. Nativa digital, tinha exercitado ao longo da adolescência um certo desprendimento em relação às consequências drásticas destes fenómenos. Considerava-os normais. Incómodo, para ela, seria ter de abordar um desconhecido ou uma desconhecida na rua, na escola, na esplanada, de forma limpa e simples, com um «Olá» ou um «Que tal?»
Augusta tem 22 anos e desconhece por completo a biografia de Agustina Bessa-Luís, por isso não sabe que ambas têm em comum o facto de terem chegado à Póvoa de Varzim quando tinham 6 anos. Mas Augusta tem uma amiga leitora, Raquel, que um dia embarca consigo nesta aventura de tentar encontrar o amor após um desgosto. É assim que o caminho se volta a cruzar com Agustina. Em 1944, aos 22 anos, Agustina colocou um anúncio no jornal O Primeiro de Janeiro em que dizia: «Jovem Instruída desej. corresp. c/ pessoa intelig. e culta. Resp. Admin. N.º 61». Este pequeno anúncio foi lido por um rapaz em Coimbra, que respondeu com um desenho. Ela respondeu. Trocaram cartas. Casaram e ficaram juntos para o resto da vida. História bonita, não é? É esta a história que vai marcar Augusta e ligá-la à autora portuguesa.
Gosto muito da premissa — sair da era do conhecer pessoas no digital para tentar voltar ao analógico é, no mínimo, peculiar para personagens com 22 anos. É curioso porque na história diz, a certo ponto, que as aplicações são efémeras e os escritores sabem disso, daí não escreverem sobre elas. Mas o amor e a busca pelo mesmo não é efémera, é transversal — em 2024, em 1994 ou em 1944, a busca pelo amor aconteceu sempre.
Título original: Augusta B. Ou as Jovens Instruídas 80 Anos Depois
Autora: Joana Bértholo
Ano: 2024
Lido em: 31 de agosto de 2024