Estive quase um mês a escrever e re-escrever este texto. Claro que não vale a pena esperarem a maior obra de arte da vossa vida, mas achei que devia avisar-vos de que pensei realmente muito bem neste texto. Quanto mais tempo passava, mais conteúdo sentia que podia escrever aqui. Isto começou, na realidade, durante o fim-de-semana da Páscoa, quando finalmente (dir-vos-á o meu tio) vi o Ace in the Hole e, depois, devorei a primeira temporada de #Girlboss. Entretanto, a awesome Catarina emprestou-me o livro que originou a série e devorei-o também em poucos dias. E, se isto não era já material suficiente, eis que vi outro filme… e percebi como é que tudo isto se ligava.
Para quem não está familiarizado, deixem-me dizer-vos que #Girlboss é um livro escrito por Sophia Amoruso, criadora da empresa Nasty Gal, de venda de roupa vintage. O livro deu origem a uma série da Netflix, que já tem uma temporada disponível na plataforma. A Sophia criou o negócio dela do nada, quando tinha 22 anos, e de uma loja de eBay passou a uma empresa global. A história parece inspiradora, mas confesso que só houve dois episódios da série em que senti realmente que a Sophia era uma #GIRLBOSS à séria. A adaptação foi realmente um bocadinho livre e, a certo ponto, achei que foi um bocadinho exagerada e forçada.
A certo ponto, na série, parece que a Sophia está disposta a passar por cima de tudo e todos para conseguir o que quer; parece que acha que consegue ter êxito com a Nasty Gal sozinha, sem ninguém; e, sinceramente, há ali uma altura em que é questionável se aquilo é suposto ser inspirador. Durante uns episódios, tracei algumas semelhanças mentais com o Ace in the Hole, um filme de 1951, estrelado por Kirk Douglas. No filme, Kirk Douglas é Chuck, um jornalista que é despedido e, sem dinheiro, se vê obrigado a pedir trabalho num jornal pequenino de Albuquerque. Ele pensa que é algo para uns dias, nada mais, mas passa um ano e ele ainda lá está, cada vez mais aborrecido com as histórias que tem de contar, num sítio onde pouco acontece. É então que é destacado para cobrir um evento (igualmente aborrecido).
No caminho para lá, Chuck e Herbie, o fotógrafo, param para abastecer o carro e descobrem que um homem está preso dentro de uma mina. Chuck vê ali a oportunidade para uma história jornalística incrível. O que acontece é que Chuck mete os seus interesses à frente daquele que devia ser o interesse maior: salvar o homem preso dentro da mina. De repente, toda a situação é um autêntico circo mediático (onde é que já vi isto?) e, pior (spoiler alert!), o homem acaba por morrer porque Chuck meteu o interesse jornalístico à frente do interesse humano. O filme dá muito que pensar a quem estuda, estudou ou exerce jornalismo. Tive uma professora que dizia que antes de fazer uma reportagem perguntava a ela mesma duas coisas: posso e devo. Não foi a minha professora preferida, mas lembrei-me dela ao longo do filme.
Eu vi #Girlboss assim, a questionar-me sobre até que ponto podemos meter os nossos interesses à frente dos outros, incluindo das pessoas que sempre estiveram lá para nós. Confesso que só nos dois ou três últimos episódios comecei a fazer as pazes com a Sophia e a vê-la como um bocadinho inspiradora: e foi quando ela estava de coração despedaçado mas reuniu toda a coragem de que precisava para lançar o negócio dela e se aguentar em pé. O que mudou realmente a minha opinião foi ler o livro. Esse sim: inspirador! Se na série parece que a Sophia se orgulha das atitudes irresponsáveis, no livro conseguimos perceber que ela tem uma atitude crítica em relação a muitas coisas que fez mal e percebemos também que ela é uma verdadeira #GIRLBOSS. O livro é interessante, especialmente o capítulo On hiring, staying employed, and firing, onde a Sophia fala sobre várias coisas importantes para quem vai começar ou já está à procura de trabalho. Mas, acima de tudo, conta-nos melhor a sua história e dá mote ao movimento que me fez escrever este texto enorme.
Então hoje, que na realidade foi ontem, enquanto via a versão original do Beauty and the Beast, percebi aquilo que me faltava para concluir este texto, para dar a este texto a mensagem que queria. Há uma cena no filme (não sei se está na versão renovada, porque ainda não vi), logo no início, em que o Gaston diz à Belle que não parece bem uma mulher ler porque começa a ter ideias e a pensar. Parece estranho o quanto isto ainda faz sentido, mesmo tantos anos depois. Às vezes parece que nós, mulheres, ainda não temos direito a pensar por nós, a ser independentes, a decidir o que queremos da nossa vida. Se estamos solteiras é porque há algum problema connosco: nunca é porque escolhemos e queremos estar assim. Se fazemos coisas sozinhas é porque somos umas cabras (pardon my french) e não temos amigos; nunca é por sermos independentes e termos capacidade de decidir com quem queremos estar. E se queremos criar algo para a nossa carreira, fazer algo pela nossa carreira, seja a próxima versão da Nasty Gal seja investir numa formação, num curso, o que for, então não importa bem o que fazemos porque nunca vamos conseguir ser algo sem que alguém faça tudo por nós.
Não me entendam mal: acho que todos precisamos de alguém para nos ajudar em muitas situações. Mas também acho que já devíamos ter ultrapassado estes preconceitos e mais alguns. A minha mãe é e sempre foi o meu role model. Pode parecer muitas vezes que a acho superior aos outros, mas não acho. Só que foi por ter uma mãe como ela que sou a pessoa que sou. Ela criou-me sozinha, sem ajudas de terceiros (embora algumas pessoas ultimamente achem que me criaram… LOL), abdicou de muito para me poder dar o que tinha e não tinha, para que eu conseguisse sempre seguir os meus sonhos. Foi com ela que aprendi a lutar por mim e pelo que quero. Foi com ela que aprendi que ser mulher não nos torna mais vulneráveis: torna-nos mais fortes! Sim, nós somos fortes! E temos de acreditar mais nisso! Não temos de seguir todos os padrões que nos são impostos; não temos de ficar numa relação de merda só porque parece melhor do que enfrentar o mundo sozinhas; não temos de nos diminuir só porque parece que as nossas opiniões não vão importar: guess what! As nossas opiniões importam, as nossas opiniões podem mudar o mundo!
A Ana Teresa, que foi da minha turma na ESCS, escreveu esta semana um artigo no Shifter onde diz que: Actualmente a beleza não basta para conquistar o público: é necessário ter uma voz e falar sobre aquilo que se pensa, sem medos. E ela tem razão. Principalmente quando diz, mais ao fundo, que as mulheres podem ser como lhes apetece e que até no mercado mais fútil e (em tempos?) misógino do mundo, as mulheres podem lutar pelos seus direitos e igualdade. A verdade é essa. Claro que, tal como ela regista, não é só dizer: é preciso fazer. E às vezes falta isso. Não é só ir comprar a t-shirt gira que diz Feminist, só porque toda a gente usa. Se não sentem isso, para quê comprar? Para fazer parecer? No freaking way! Nós somos as nossas próprias #GIRLBOSSes. Nós temos de ser exemplos para nós próprias e temos de agir e pensar dessa forma. Não vale a pena tentar ser o que não somos.
Para mim, tudo isto fez-me concluir aquilo que sou e aquilo que quero ser. E eu não vou ser aquela pessoa que vai aceitar uma relação de merda para parecer melhor. Talvez um dia venha a ser e alguém me lembre do dia em que escrevi isto. Mas agora não sou. Nem era há um ano. Quase fui, no dia em que quase aceitei o interesse alcoolizado de alguém que, na realidade, tinha uma vida onde eu não estava incluída. Mas foi a minha acção, as minhas palavras, que me fez não aceitar isso. No ano passado tive um debate mental comigo, num dia em que tive uma crise de ansiedade e precisei do rapaz para me acalmar, para ver as coisas com clareza. Sentia que isso era uma atitude tão anti-feminista: precisar de um homem para me sentir bem, para me sentir melhor. Na verdade, não é. Não se trata disso. Trata-se de reconhecermos quando precisamos de alguém para nos ajudar, não se trata de acharmos que é esse alguém que nos torna o que somos.
Há três anos e tal, fiz uma promessa a mim mesma. Tinha acabado de publicar o meu segundo livro e disseram-me algo que me magoou. Então prometi a mim mesma que nunca mais na vida iria dizer a alguém aquilo que sentia sem ter realmente a certeza disso e quando o fizesse ia ser na cara, olhos nos olhos. Quebrei a promessa e confundi coisas uns meses após a ter feito. Depois garanti a mim mesma que não ia voltar a acontecer. E não voltou. Há um ano meti os medos e as inseguranças atrás das costas. Demorei anos a reconstruir um coração partido, mas peguei nele e decidi que estava na altura. Estava na altura porque, um ano antes, eu tinha percebido tudo o que aquilo significava e tinha passado um ano a fingir que não o sabia. Então disse quatro palavras que nunca tinha dito, olhos nos olhos. Nunca me senti tão corajosa e tão exposta, tão forte e tão vulnerável, tão certa e tão receosa. Não tive a resposta que esperava. Mas saí dali a aguentar um sorriso e a segurar lágrimas. Segurei-as durante horas. E só as deixei sair quando soube que as conseguia limpar sozinha.
Estou a contar-vos isto porque, depois de um ano, sei que aquilo que decidi ali não foi diminuir-me perante um homem: foi mostrar que, enquanto mulher, sei o que quero e sei dizer o que penso e o que sinto. E quando o faço, faço-o porque uma mulher (e um homem também) tem de saber mostrar o que é e o que sente, tem de saber amar e tem de o saber mostrar pelo amor em si e não para se sentir bem consigo, nem para tentar sentir-se menos sozinha ou o que for. Se estou a escrever isto de casa, sozinha, em vez de andar a saltitar de relação em relação é porque sei o que quero e o que não quero. E é assim que tem de ser.
Só quando sabemos o que queremos ou não queremos da nossa vida conseguimos ser as nossas próprias #GIRLBOSSes. E se conseguimos ser as nossas #GIRLBOSSes, sinceramente, conseguimos ser tudo. E eu sei que esta salada de temas num só texto pode não parecer fazer sentido. Mas faz. As mais pequenas coisas tornam-nos mais nós, tornam-nos mais bosses de nós próprias, dão-nos mais poder. E nós precisamos de mais mulheres inspiradoras e poderosas, no bom sentido. E hoje eu sei que ser feminista também é isto. E que o homem que aceita isto e que vêem a mulher espectacular que têm ao lado e sabem que ela está ali porque o ama e não porque prefere uma relação de merda a estar sozinha… esse homem nunca poderá diminuir a mulher que tem. E não é ele que lhe dá poder. É ele que a apoia. Como ela o apoia. Ser uma #GIRLBOSS não é ir buscar poder aos outros: é ter poder próprio e saber usá-lo. E, porra, eu quero ser esta #GIRLBOSS.
[espero que este texto tenha feito tanto sentido para vocês como fez para mim]
Nunca li o livro, nem vi a série. Mas identifiquei-me IMENSO com os parágrafos finais! Não há nada como descobrirmos a força que temos e tornarmo-nos as Girl Bosses da nossa própria vida 🙂
Ora, nem mais! 🙂
Ora bem, sou uma sortuda e já tinha tido oportunidade de ler o teu maravilhoso post antes, mas a verdade é que não me canso de dizer que escreves de modo fantástico, que explicas SEMPRE coerentemente os teus pensamentos e que este texto é dos melhores que já escreveste!
Mil beijinhos, minha girl boss preferida 😉
Estranha Forma de Ser Jornalista
http://estranhaformadeserjornalista.blogspot.pt/
Obrigada, fã! :p
Li o livro há um ano, podes ver aqui a minha opinião: http://www.viveraviajar.com/2016/04/opiniao-do-livro-girlboss.html
Quando devorei a primeira temporada fiquei mesmo desiludida porque foram inventadas personagens e histórias para dar mais entusiasmo à serie mas penso.que foi abusivo pois quase senti que o livro não tinha nada a ver com a serie.
Ou seja, adorei o livro e fiquei inspirada mas a série mais parece que foi inventada para que a venda do livro fosse ao de cima outra vez =/
O livro é muito melhor! Na série, tal como disse, chateei-me um bocado com algumas coisas que pareciam demasiado forçadas.
Fiquei-me pelo "awesome Catarina", ahahah quero muito ver a série mas quero ainda mais ler o livro! 🙂
Ahahahahahah O livro é melhor por isso lê-o primeiro :p
Fez sentido sim, claro que fez. Na nossa vida tudo está ligado, levamos tudo para todo o lado: trabalho, ambições, sentimentos, relações. E em tudo é preciso saber o que queremos e lutar por isso. E foi muito bom ler-te – e fiquei ainda com mais vontade de ler o livro!
Jiji
Obrigada, querida Joana! 🙂 Se o leres depois fico à espera da tua opinião!
Continuei a ler este post até ao fim pq vi a referência ao Ace in the Hole, filme que vi era bem miúda mas me deixou uma sensação de desconforto mesmo muito grande. N li o girlboss nem vi a série, n tenciono ler nem ver pq n faz a minha onda. Mas uma coisa é certa, há de facto uma constante descridibilização dos beneficios da leitura, não só para mulheres mas para homens tb, e vejo essa descridibilização feita de formas tão subtis q por xs penso q sou eu q estou a ficar maluca. Mas a verdade é que há interesses sociais, politicos e económicos em ter uma sociedade plena de seres q n sabem pensar p si mesmos, seres que são como que manadas ou rebanhos a seguir um iluminado qq, sem terem sentido critico, sem pararem p pensar se isto é mm aquilo q querem ou não. As pessoas já n sabem decidir p si o q é melhor para si mm, parece que necessitam de ser guiados pela maioria, pelo mainstream, e isso é assustador, parece q vivem sempre na busca de quem os vai beneficiar mais e o que é q os vai fazer serem mais notados, por vezes caindo em comportamentos q na verdade nada têm a ver com a pessoa que são. Eu sou muito vulnerável, não sou forte, e adoro a minha vulnerabilidade. Aceito-a porque faz parte de mim, como ser humano, como mulher, como mãe. Criei-me sózinha, nunca ninguém me incentivou os sonhos e as ilusões, os objectivos de vida, o estilo de vida, até. Só eu, e por isso sou vulnerável – anos e anos de criticas e conselhos que n pediste, anos e anos de deita abaixo p seres quem és e como és trazem-te de bom essa mesma vulnerabilidade. – e por isso sou sincera e honesta naquilo que faço e digo. Há quem me chame de biatch, quem diga q sou uma negativista, quem me ache insuportável. Mas para mim, esse é mesmo o meu poder, e tem sido ano após ano, sempre tentei viver de acordo com o que EU queria naquele momento preciso, desde o estar sózinha anos a fio, fazendo tudo como se não tivesse ninguém no mundo a andar a saltitar de relação desimportante em relação desimportante – sou das poucas pessoas que acha q isto n tem mal nenhum, e q até pode ser muito benéfico num contexto meramente de descoberta do eu em termos sexuais e sentimentais, nunca vi mal nenhum em ter tido inúmeras relações durante uma altura da minha vida sem nunca me querer prender a ninguém, até ao momento em que decidi q isso já n me interessava e que queria outra coisa. A liberdade tem de ser pervasiva, tem de abranger tudo, todas as áreas da vida de uma mulher, caso contrário é uma ilusão, é falso. Gostei de ler as tuas opiniões, psso discordar de algumas – separam-nos certamente uns quantos anos, experiências de vida diferentes, e acima de tudo personalidades diferentes – mas é isto é q é enriquecedor, tenho a certeza de q vou pensar várias vezes mais naquilo que aqui li, tenho a certeza de q as tuas palavras me acrescentaram qq coisa enquanto ser humano, enquanto pessoa e não só como mulher.
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