os livros que nos salvam [e o burn before reading]

À semelhança do Hopeless Romantic, encontrei este pequeno livro da Daisy Buchanan no The Pound Project e achei que o título era sugestivo o suficiente para espreitar a sinopse e mal dei pelo momento em que o encomendei. Em 2020, a escritora Daisy Buchanan teve um burnout, mas este livro não é sobre o burnout em si — é sobre os livros que a ajudaram nos seus piores momentos. É um livro pequenino, em jeito de ensaio, com várias reflexões sobre o período de burnout da Daisy e onde a autora lista vários livros em cada capítulo, dos mais variados géneros. Achei logo que era o tipo de livro perfeito para quem gosta de ler porque tem várias recomendações, mas também porque acho que quem gosta de ler se vai identificar sempre com a premissa: os livros salvaram-me.

Os livros que li salvaram-me

Os livros são a minha mais longa e honesta relação de amizade amor. Devo-o à minha mãe, que sempre me leu histórias e que, mesmo quando o dinheiro escasseava, arranjava sempre forma de ter livros para mim. Houve alturas em que queria ter crescido com Game Boys, Tamagochis ou Playstations Portáteis, mas aquilo que de mais importante aprendi (muito depois, mas aprendi) foi que cresci melhor com os livros. Não sei jogar consola e os tempos em que joguei coisas no computador foram poucos. Em vez disso, cresci a ler os mesmos livros vezes sem conta.

Todas as vezes em que não soube quem era, todas as vezes em que me senti sozinha, incompreendida, estranha, todas as vezes em que precisava de alguém, os livros estiveram lá para mim. Não importa em que ponto estamos no mundo, o que está a acontecer na minha vida, não importam as dores, os livros estão sempre lá para mim.

Os livros que escrevi salvaram-me

Mais do que ser salva pelos livros que li, fui salva pelos livros que escrevi. Aprender a meter em palavras aquilo que sentia e aquilo que me ia na cabeça salvou-me. Ainda acho que não é muito bom sinal imaginar histórias na nossa cabeça, mas são estas histórias que me salvam. Mais do que lê-las, criar histórias salvou-me. Descobrir na escrita de um livro o momento mais tranquilo do dia salvou-me. Podia ter feito muitas coisas no final do meu 7.º ano, mas decidir escrever um livro (de merda) foi a melhor coisa que podia ter feito. Debato-me muito com a escrita porque a respeito mais do que tudo o resto na vida e porque sei o quanto lhe devo. Quero ser sempre a melhor versão de mim quando escrevo porque se a escrita me salvou não é isso, no mínimo, que lhe devo?

Todas as vezes em que não sabia explicar o que me ia na mente, todas as vezes em que queria contar algo, todas as vezes em que sinto que fiz algo bom foram as vezes em que estive a escrever. Não importa onde, não importa sobre quem, não importa quantas vezes fujo, de que fujo ou por que motivo fujo, a escrita está sempre lá para mim.

Os livros de merda

Li muitos livros de merda. Ainda leio. Devorei a saga Crepúsculo, Margarida Rebelo Pinto e até li dois exemplares das 50 Sombras de Grey. Adorei Os Maias, ainda não consegui ler Saramago, apaixonei-me por Sophia já adulta, mas lembro-me vagamente de ela me ter encantado na escola. Continuo a construir o meu gosto literário à medida que vou ficando mais velha. Hoje, sei que devo tanto aos livros de merda como devo ao García Márquez, à Sally Rooney ou mesmo ao Eça, ao Cardoso Pires e ao MEC, porque sem eles não estaria aqui hoje. Está bem, talvez não deva tanto aos livros de merda.

Escrevi muitos livros de merda. Felizmente não os podem ler. Pelo menos legalmente. Se calhar ainda escrevo, mas acho que não. Passei a escrever com um propósito e não me voltarão a ler numa Vanity. Se é que me voltarão a ler. Eu sei lá (talvez nem sequer queira saber). Escrevi um romance imaginado entre mim e a minha primeira paixão — era uma merda; escrevi um romance meio dramático em que uma personagem sofre de stress pós-traumático depois de um acidente de carro com a namorada porque não sabe se vai voltar a andar — era uma merda; tentei escrever com uma amiga um livro de aventuras — não me lembro de como era; escrevi mais coisas pelo meio que já não me recordo — deviam ser uma merda. Deixei que o mundo conhecesse o Miguel e a Carolina e eles mereciam melhor. Deixei que o mundo conhecesse os meus devaneios de adolescente apaixonada e eu merecia melhor.

Devo muito aos livros de merda que escrevi porque sem eles não estaria aqui hoje. Sem eles não tinha criado o Pedro e a Mariana, que tanto me orgulham; não tinha uma Rua Nova e um Wildest Dreams formados… não estaria aqui. Estes livros, que ainda escrevo, salvaram-me. Escapo para eles sempre e sempre irei escapar.

O poder dos livros

Talvez mais os que escrevi do que aqueles que li, mas salvaram-me. Mas nem sempre são refúgio. Podem salvar-nos do mundo, mas não nos salvam de nós mesmos. A poesia ajuda-me a lidar com doses baixas de ansiedade, mas se isto estiver crítico nem um verso consigo ler. Há livros tão maus que nos fazem questionar como é que esta gente é publicada e nós não. O que leva a que nos questionemos se somos ainda piores. Há histórias tão fortes que nos deixam de coração partido no final.

Acredito no poder dos livros, no poder da biblioterapia. Acredito que, por vezes, escapar para dentro de um livro é encontrar o refúgio mais seguro de todos. Enquanto lia o Burn Before Reading achei curioso encontrar-me naquelas páginas em várias versões: na escrita, na leitura, na ansiedade. Esse também é o poder dos livros: encontrarmo-nos.

One Reply to “os livros que nos salvam [e o burn before reading]”

  1. A premissa desse livro é extraordinária!
    Acredito mesmo que os livros têm o poder de nos transformar e que só conseguimos construir o nosso gosto literário se passarmos por várias vozes narrativas. Há algumas que nos acompanharão sempre, há outros que apenas cumprirão um propósito momentâneo e está tudo bem.
    Que os livros continuem a ser esse refúgio.

    Feliz Dia Mundial dos Livros e dos Direitos de Autor 💙

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