‘tis the damn thesis: 10 perguntas sobre a minha tese

Estive aqui a adiar esta publicação, mais ou menos como quem adia algo que sabe que vai ser longo apenas por ser longo. O tema da minha tese sempre despertou curiosidade e, por isso, assim que a defendi achei que era a altura certa para responder a algumas questões — e os meus seguidores do Instagram (@asofiaworld) não me deixaram ficar mal.

Antes de responder às questões, as informações básicas: fiz o Mestrado em Estudos Literários, Culturais e Interartes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e a minha tese é sobre Promoção e Divulgação da Literatura no Meio Digital, com o Livra-te como Estudo de Caso.

Como surgiu a ideia para o tema?

Contei por aqui, há alguns meses, que tive um início de tese atribulado. Tinha um tema mais teórico pensado e uma orientadora em vista e, de repente, a orientadora disse que já não tinha vagas para orientar. E eu fiquei no lodo, sem ideias, sem backups, sem perspetivas e seriamente a ponderar anular matrícula porque não estava a conseguir perceber que tema iria abordar.

Só que eu não sou de desistir facilmente então a seguir fui ler todos os trabalhos que tinha feito para tentar perceber se havia algum que me salvasse das ideias. Continuava perdida. Só havia duas professoras com quem queria trabalhar e uma era a que não tinha vaga e a outra era a diretora do mestrado. Marquei reunião com ela, em modo por favor ajude-me.

Até que há um dia em que durmo mal, acordo cedo e estou a arranjar-me quando percebo aquilo que estou a fazer mal: estava a tentar encaixar em temas teóricos que não me apaixonam em vez de perceber como ligar aquilo que me apaixona — a literatura, a comunicação, o marketing e as redes sociais.

Escrevi um resumo da minha ideia e uma estrutura provisória em quinze minutos e enviei à diretora do mestrado, com um pedido para ser ela a orientar-me, visto que sei que ela se interessa por estes temas das redes sociais. E foi assim que comecei a trabalhar num dos temas de tese mais fixes que podia ter escolhido.

Como foi a pesquisa?

Ao contrário do que pode parecer, tive muita pesquisa teórica envolvida. Mas vamos por partes:

Primeira fase:

  • Pesquisa preliminar para ver tudo o que já existe feito, a nível académico, sobre o mesmo tema ou sobre temas semelhantes (bookstagram, booktok, booktube, etc.);
  • Levantamento de artigos jornalísticos e reportagens sobre o mesmo tema.

Aqui encontrei algumas coisas americanas, britânicas, mas não tantas portuguesas.

Segunda fase:

  • Levantamento de todos os artigos possíveis sobre o mesmo tema ou sobre detalhes que ia abordar ao longo da tese;
  • Levantamento de dados sobre redes sociais e internet;
  • Recolha de dados e informações sobre as várias redes e plataformas digitais que me interessavam.

Terceira fase — Preparação dos Estudos de Caso:

  • Pesquisa sobre os Estudos de Caso, desde notícias, reportagens ou até artigos de blogs sobre os Estudos de Caso;
  • Pesquisa sobre os percursos das pessoas envolvidas nos Estudos de Caso.

Eu tinha, inicialmente, dois estudos de caso, por isso fiz pesquisa extensiva para ambos e, a partir daí, preparei as perguntas. Já falamos dos Estudos de Caso mais abaixo.

Quarta fase — A Teoria:

Não deixa de ser um trabalho académico, por isso tinha de incluir teoria. Em muitos casos foi fácil perceber para onde tinha de seguir, porque sempre que lia um artigo e tirava notas também apontava a bibliografia que achava que me podia interessar.

  • Bibliografia sobre redes sociais, uma vez que já há algumas coisas feitas sobre o assunto e vários estudos sobre o Youtube, por exemplo, que me serviram de apoio;
  • Pesquisa em áreas de Sociologia e Psicologia sobre Comunidade, Sentimento de Pertença, Interação, etc. Perceber estes conceitos e incorporá-los na tese era fundamental;
  • Por fim, houve ainda alguma leitura sobre Teorias da Aprendizagem.

Além dos textos académicos e jornalísticos, também usei alguns criadores como suporte para o que estava a dizer: um vídeo da The Book Leo e uma publicação do The Characters Club ajudaram muito na parte teórica. Também passei muitas horas a estudar vários perfis de bookstagrammers para perceber quais usar nos exemplos que queria dar.

Que exemplos utilizaste?

Nos perfis nacionais analisei três perfis:

  • Leituras Descomplicadas
  • Quem Me Lera
  • Literacidades

E acrescentei dois exemplos internacionais:

  • Pam Gonçalves
  • Jack Edwards

Além destes, tenho um subcapítulo que fala de clubes de leitura, por isso mencionei levemente três estrangeiros:

  • Oprah’s Book Club
  • Reese’s Book Club
  • Our Shared Shelf

E quatro portugueses:

  • The Characters Club
  • Book Gang
  • Heróides
  • Livra-te

O que te levou a escolher o estudo de caso?

Inicialmente, eu ia ter dois estudos de caso. De início sempre soube que o Livra-te seria um deles porque quem duas componentes que me interessam: a criação de conteúdo (com o podcast) e a comunidade e clube de leitura. Tinha um segundo, com formato de conteúdo diferente, mas nunca consegui marcar entrevista e chegou a um ponto em que simplesmente não dava para ainda construir um estudo de caso inteiro ou para fazer pesquisa e construir outro estudo de caso, pelo que optámos por ficar apenas com o Livra-te, que, na verdade, é um ótimo exemplo e brilha sozinho.

Qual foi a fase mais difícil?

Depois de ultrapassado o drama inicial, a fase mais difícil para mim foi a que precipitou o declínio da minha saúde mental: a do desenvolvimento. Tive muito azar no meu contexto laboral, por isso não tive qualquer apoio para poder organizar reuniões mais regulares com a minha orientadora. Além disso, a situação estava a deteriorar-se tanto que eu chegava a casa e não conseguia trabalhar na tese. Burnouts e teses não combinam. Foi um momento muito difícil e que me obrigou a contemplar hipóteses porque recusava-me a desistir de uma tese que realmente me dava gozo em detrimento de algo que me deixava desmotivada e onde sentia que não era valorizada.

Como é que te preparaste para a defesa?

Como defendi no início de setembro, tinha agosto a separar obrigatoriamente o momento de entrega do momento da defesa. Acabei a fazer a preparação em dois momentos:

  • Depois de entregar a tese, a minha orientadora sugeriu eu preparar a apresentação enquanto a memória estava fresca, para ela também poder ver e dar feedback antes das férias. Foi isso que fiz: preparei o powerpoint logo a seguir, com o texto de apoio. A apresentação só pode ter 20 minutos, por isso foi um desafio resumir a 20 minutos tudo o que queria dizer. Enviei a apresentação, a orientadora deu algumas sugestões, corrigi o que havia a corrigir e decidi que voltava a ela depois.
  • Na semana anterior à apresentação li a tese toda novamente, treinei algumas vezes o powerpoint, assinalei algumas coisas que não estavam no powerpoint mas que tinha mesmo de dizer e dediquei-me a estudar a parte mais teórica, que era aquela em que não me sentia tão confiante.

Falei com as poucas pessoas que conheço que têm mestrado e que estavam dispostas a partilhar experiências comigo, estudei o que escrevi e tentei treinar mais a postura a falar do que aquilo que ia dizer.

A minha apresentação foi por Zoom (eu sei, que estranho!) por isso tinha a vantagem de não ter de ver as pessoas, mas a desvantagem de ser preciso ser mais apelativo a falar.

Gostavas de aprofundar mais questões sobre o mesmo tema?

Claro! Trabalhei a tese de forma a ser uma espécie de introdução ao estudo deste tema e, por isso, há várias questões que podem perfeitamente ser desenvolvidas — por mim ou não. Na própria defesa, a arguente destacou imensos caminhos pelos quais podia ter ido ou posso ainda ir. Como é uma área à qual estou ligada também sinto que será fácil para mim trabalhar este tema de mais formas e noutras vertentes.

Se seguisses para doutoramento continuavas a mesma linha temática?

Se isso fosse uma hipótese, sim, sem dúvida. Provavelmente, nesse caso, iria focar-me em clubes de leitura digitais.

A que tipo de conclusões chegaste, estejam ou não na tese?

Cheguei a várias conclusões e, para não fazer copy-paste das considerações finais, vou listar apenas estas, que acho que são as mais importantes:

  • Ninguém se vai preocupar tanto com a tua tese como tu, por isso certifica-te de que o tema te apaixona.
  • Há um ponto de equilíbrio entre os livros de que as gerações mais novas querem falar nas redes sociais e os clássicos ou o livros que se considera serem essenciais para o percurso escolar. Nem todos o tentam encontrar, mas ele existe.
  • Não se pode descredibilizar a importância dos livros que são populares nas redes sociais, mesmo que não sejam os livros com mais qualidade literária, mas também não se podem esquecer os outros livros para onde os leitores podem seguir.
  • É importante encontrar as pessoas onde elas estão: nas redes sociais.
  • Há tanta resistência em relação aos livros populares das redes sociais como há em relação aos clássicos. Tal como há ainda muita dificuldade em lidar com opiniões literárias desfavoráveis. É por isso que uma das piores coisas que noto nestas comunidades online é o facto de, no geral, terem demasiados preconceitos com certos tipos de livros e não saberem ainda lidar muito bem com críticas negativas aos livros que leem.
  • Não dá para saber se estas gerações continuarão leitoras ou se vão passar o hábito às próximas gerações, mas o facto de se estar a ler mais é algo que deve ser tido como positivo, independentemente dos tipos de livros que estão a ser lidos.

O que aprendeste, não só sobre o tema, mas também sobre ti?

  • Aprendi sobre a existência da Teoria da Aprendizagem de Richard Mayer e foi uma teoria que achei interessante — no fundo, explica como se aprende melhor com recurso conjunto a texto e imagem do que apenas com recurso a um deles. É algo relacionado com cursos de Educação, mas que ligou com o meu texto por causa do Youtube e dos vídeos. No fundo, explica o motivo pelo qual muitas vezes aprendemos melhor algo num vídeo do Youtube do que numa aula.
  • Aprendi a ouvir realmente os pedidos de socorro da minha mente e do meu corpo.
  • Redescobri um gosto por algumas áreas da Sociologia e da Psicologia. A questão das comunidades, do sentimento de pertença e da cultura digital eram parcialmente conhecidos, mas estudá-los mais detalhadamente lembrou-me do quanto gosto de ler sobre estes temas e ainda me ensinou mais facilmente alguns conceitos.
  • Aprendi que funciono muito melhor a escrever textos teóricos de manhã.
  • Aprendi a valorizar o meu trabalho na escrita.
  • Aprendi a ver melhor a big picture: embora possa reduzir a minha tese a é uma tese sobre bookstagram, na realidade, ao perceber tudo aquilo que está em causa na minha tese e até no tema, é impossível tudo aquilo que se relaciona com isto. Por isso também é impossível reduzir o meu mestrado a um mestrado sobre literatura, que não se relaciona com mais nada. É um mestrado sobre literatura, sim, mas a literatura e a cultura relacionam-se com a sociedade, com a política, com a economia. E, portanto, com cada um de nós.
  • Aprendi a seguir a minha intuição e a minha paixão. Sem elas perdia-me por completo.

Acho que, com isto, dou por encerradas as publicações sobre o mestrado e sobre a tese. Foram dois anos com altos e baixos e estou muito feliz por ter conseguido terminar de forma positiva. Há, claro, algumas coisas sobre as quais gostava de falar um destes dias que se relacionam com o tema da tese, mas isso são outras histórias. Para já, fica o agradecimento pela companhia e apoio neste percurso. Se tiveres mais perguntas, estou sempre disponível para tentar responder.

partilha a tua teoria...