- Quando: 26 a 28 de setembro de 2023
Não sei ao certo quando tomei consciência disto, mas é algo sobre o qual acabei a pensar muitas vezes nos últimos anos: não sei onde estavam as minhas referências literárias femininas enquanto crescia. Claro que, agora, isto me parece que não foi bem assim. Afinal, os livros que me tornaram leitora foram a coleção Uma Aventura, escrita precisamente por duas mulheres. Mas na literatura infantil e infanto-juvenil parece mais normal encontrar mulheres enquanto autoras. Será uma dica machista? Tipo as mulheres são feitas para ser mães então elas é que vão ser boas a escrever para crianças? Se calhar não é isso e estou só a criar uma teoria da conspiração.
Se pensar nos livros que li na adolescência (do que me lembro) também noto uma tendência para autoras menosprezadas: ler Margarida Rebelo Pinto não contava porque era chick-lit, ler Stephenie Meyer não contava porque eram livros para miúdas parvas, ler Suzanne Collins não contava porque eram livros para adolescentes. Ficava difícil assim. Mas também que grandes opções femininas surgiam?
Mesmo na escola de quantas escritoras falámos? Tínhamos a Sophia, claro, mas também era mais na vertente infanto-juvenil. E na poesia? Não seria tão importante quanto Cesário Verde? Pessoa? Camões? E na ficção? Não estaria ao nível de Eça? De Saramago? De Cardoso Pires? De Vergílio Ferreira? Onde caraças estavam as mulheres nos planos curriculares de Língua Portuguesa?
Felizmente, nos últimos anos tem sido muito fácil colmatar essa falha e ler mulheres, muitas mulheres. Acho que nos faz bem ler mulheres. Mas tenho pensado: onde andavam elas antes? Claro que, em parte, sei onde andavam. Estavam a ser subjugadas por serem mulheres. Porque obviamente uma mulher não sabe escrever da mesma forma que um homem. E se escrever é óbvio que as obras vão ter uma qualidade inferior. É um facto biológico, provavelmente, ainda não percebi muito bem.
How To Suppress Women's Writing
Falámos levemente sobre o ensaio da Joanna Russ na cadeira de Estudos Feministas e guardei logo a referência para poder ler tudo mais tarde. Li-o há umas semanas e, desde aí, tenho pensado ainda mais em tudo isto. Sim, agora temos muitas mulheres nas livrarias, nos tops de vendas, mas há prémios literários que parecem nunca encontrar uma mulher com uma obra de qualidade. Há ainda quem expresse surpresa quando um livro escrito por uma mulher é bom, como se isso fosse uma incompatibilidade: ou és mulher ou escreves bem.
Without models, it’s hard to work; without a context, difficult to evaluate; without peers, nearly impossible to speak.
O ensaio é de 1983, mas How To Suppress Women’s Writing continua a soar-me atual e isso deixa-me triste. Tantas mulheres e ainda tem de haver um esforço extra para mostrar que sim, merecemos estar ali; sim, escrevemos bem; sim, é possível ser mulher e escrever bem; não, não é por sermos mulheres que vamos escrever sobre temas superficiais; não, não é normal haver tantas escritoras portuguesas e tão poucas estarem nos planos curriculares; não, não sei como resolver esta questão.
Pensava, então, nas mulheres escritoras que sinto como inspiração (e aspiração), as mulheres escritoras que sinto que também me criaram enquanto leitora e, acima de tudo, enquanto escritora. Confesso que fiquei contente por a lista ir além da Ana Maria Magalhães, da Isabel Alçada e da Sophia de Mello Breyner. Há a Sally Rooney, a Rita da Nova, a Elizabeth Gilbert, a Chimamanda, a Margaret Atwood, a Dolly Alderton, a Djaimilia Pereira de Almeida, a Patti Smith, a Tânia Ganho, a Dulce Maria Cardoso, a Alexandra Lucas Coelho… e a lista podia continuar. Tantas mulheres, tantas escritoras.
Acredito que temos, sim, muita sorte por existirmos, enquanto mulheres e escritoras, em 2023 e não em 1823. Mas também acredito que ainda temos de trabalhar para podermos fazer com que as mulheres escritoras de 2123 digam que têm mais sorte de nós.
Título original: How To Suppress Women’s Writing
Título em português: [não existe em português]
Autora: Joana Russ
Ano: 1983 (edição de 2018)