- Quando: 19 de fevereiro de 2024
- Gatilhos: menção a 16-12-95, do Sam the Kid. Não precisava dessa. Luto; violência.
Há algum tempo que queria ler algo da Maria Francisca Gama, mas como não tinha o melhor feedback d’A Profeta decidi que ia aguardar até decidir ler esse livro ou até ela publicar outro. Assim que ela anunciou o novo livro, A Cicatriz, soube que lhe ia dar uma oportunidade e até fiz a coisa gira de ir comprá-lo a uma livraria no dia do lançamento e devorei-o no mesmo dia.
A Cicatriz traz-nos um casal — Ele e Ela — que são um casal com uma relação boa e sólida. No entanto a relação deles muda por completo numa viagem ao Rio de Janeiro e separam-se. Algum tempo depois Ela decide contar à família e amigos aquilo que realmente aconteceu no Rio. É assim que a encontramos neste livro, a contar a história de como aquela viagem os marcou para sempre.
Um escritor não deve verdade a quem o lê. Deve-lhe trabalho, esforço, escrita e reescrita, talvez honestidade intelectual e humildade para não partilhar as páginas que escreveu quando elas não interessam a ninguém, mais ainda se já tiver um público fiel e conquistado, que comprará independentemente do tema, da capa ou do interregno entre publicações. Um bom escritor, para mim, deve-nos sonhos, viagens, vidas que não a nossa e que nos tragam qualquer coisa a ela, a vontade de não adormecermos e o alheamento de tudo o que nos rodeia quando estamos com ele, a lê-lo. Eu não sou escritora. Nunca quis ser, apesar dos livros terem feito parte da minha vida e de lhes ter um enorme respeito e carinho por toda a companhia que me fizeram. Não vos devo, por isso, a maioria das coisas que referi acima, mas garanto-vos que, nestas páginas, tudo o que mais houve foi verdade. E mágoa e uma dor terrível, cruel e corrosiva que, terminado este processo, temo não ter surtido o efeito que esperava.
A história não me surpreendeu — aquilo que eu achei que aconteceria foi exatamente o que aconteceu. Tinha duas teorias para o que lhes tinha acontecido lá e uma meio que já tinha confirmação de que não acontecia. Também passei muito tempo do livro sem sentir empatia pelas personagens Ele e Ela. Acho que só no ponto em que tudo muda comecei a vê-los de outra forma. No entanto gostei muito do livro. Quando a história não surpreende só há algo que pode tornar a experiência de leitura tão boa: a escrita. E a escrita da Maria Francisca está soberba.
Crua nos momentos certos, frágil quando nada mais resta do que fragilidade. A forma como ela descreve aquilo que acontece ao casal devia dar-lhe um prémio qualquer porque é uma das cenas do género mais bem escrita que já li. Quase sentia aquilo a acontecer-me, o cheiro pareceu-me muito real naquele momento e fiquei tão enjoada que precisei de fechar o livro por um bocadinho e respirar fundo antes de continuar.
Nesta questão só me fez alguma confusão como é que nenhum deles nunca contou a ninguém o que tinha acontecido ou procurou ajuda psicológica. Percebo que o trauma foi muito duro, mas sinto que até os que os rodeavam meio que desistiram, principalmente os amigos e a família da Ela, e achei isso mesmo triste. No momento em que claramente Ela precisava de alguém nunca pensaram que talvez houvesse mais na história do que o fim da relação?
De qualquer forma, gostei do livro, acho que é uma leitura dura e impactante, mas que vai fazer sentido a muitas mulheres.
Já está na caixa da tbr, para ser lido logo no dia 1 de março!
Por acaso não conhecia mesmo de todo