A única recordação que tenho do professor Oscar Mascarenhas é estarmos na primeira aula de MIAC (Metodologias de Investigação Aplicadas à Comunicação, uma cadeira do 2.º ano da licenciatura cujo propósito ainda está por descobrir) e ele dizer que toda a gente devia estar sempre a ler três livros ao mesmo tempo: um livro para andar connosco, um livro para ler na casa-de-banho e um livro para estar na mesa de cabeceira. Pelo menos eu espero que fossem estes três e não outros quaisquer. 2015 já foi há uns anos. Acho que só tive essa aula (ou essa e outra) com ele, por isso já é qualquer coisa eu me lembrar disto. Mas voltando aos livros.
Na altura acho que me senti validada porque estava mesmo a ler vários livros ao mesmo tempo. Se não me engano foi na altura em que estava a ler a biografia do Steve Jobs e O Grande Gatsbsy. Durante muitos anos era comum ler vários livros ao mesmo tempo, principalmente quando comprei o Kindle e acabava por estar sempre a ler qualquer coisa digital sem deixar de ir aos livros físicos. Agora só se estiver a tentar implementar o caos é que me apanham a ler mais do que um livro ao mesmo tempo.
Ler vários livros ao mesmo tempo nunca foi um problema
Acompanhar várias histórias? Fácil. Ter vários livros como leitura do momento? Comum. Pelo menos era nessa altura. Tenho, até, uma publicação aqui no blog, de 2018, onde falo precisamente sobre ler vários livros ao mesmo tempo.
Era algo natural para mim naquela altura, mas sinto que deixou de o ser. Vejo pessoas fazer o percurso inverso e passar de não conseguir ler mais do que um livro ao mesmo tempo para ler dois ou três, mas eu estou mesmo a deixar de ser a pessoa dada às relações literárias poligâmicas.
Estarei a perder capacidades?
Não sei se isto é uma reação ao tempo de mestrado, em que tinha sempre muita coisa para ler e ainda tentava manter leituras por lazer, mas noto que, nos últimos anos, a ideia de ler vários livros ao mesmo tempo já não funciona da mesma forma comigo. Continuo a não ter problemas em seguir várias histórias ao mesmo tempo, continuo a achar que a forma de ler vários livros ao mesmo tempo é ter sempre um livro connosco e alternar, por vezes dando primazia ao que está mais atrasado ou ao que parece estar mais de acordo com o estado de espírito do momento. Então o que mudou para mim?
Sinto que se estiver a ler algo e tiver vontade de começar outra coisa normalmente é porque não estou a gostar muito do livro e quero arrastá-lo. Mas não é só isso. No ano passado tive uma fase complicada em que comecei vários livros e não continuei nenhum, até que parei de começar livros e, sinceramente, parei de ler de todo durante duas semanas. Comecei a perceber que em certos momentos mais ansiosos ou mais desafiantes mentalmente isto é uma espécie de característica tóxica de mim para mim: começo muitos livros — talvez por sentir que devia estar a ler qualquer coisa? — e simplesmente não termino nenhum até ter uns três ou quatro iniciados e começar a sentir ansiedade por ter vários iniciados. Portanto, com tudo isto, tenho levado a vida um livro de cada vez e resulta muito bem comigo — e acho que até leio mais assim.
Será apenas a consciência de que acabo a ler mais se focar a leitura num livro de cada vez? Será a sensação de dedicação total?
Uma nova tentativa
Há uns dias comecei a ler a Obra Poética, da Sophia de Mello Breyner Andresen. É um livro grande, pesado, de capa dura. 992 páginas. Por ser tão grande e poesia, decidi que ia ler outras coisas ao mesmo tempo e encarar isto como uma maratona. E até estava a correr bem, até ter pegado no Mulheres Invisíveis, da Caroline Criado Perez, que é um livro com muitos factos, dados e um tema que, embora bem explorado, não deixa de ter algum peso. Portanto, com dois livros de leitura lenta, decidi tentar ser aquilo que já fui e escolher algo de ficção para acompanhar. Má ideia. Juntei o Cleopatra & Frankenstein, da Coco Mellors, e de repente senti aquela vontadezinha de, já que não estou a avançar quase nada, começar outra coisa qualquer. E tive de me parar e focar num livro de cada vez.
Isto não é, claro, um problema nem sequer é uma questão. No entanto perceber a forma como vamos mudando e moldando os nossos hábitos ao longo da vida não deixa de me fascinar. Não é só algo da leitura, mas da vida. As coisas mudam: as perspetivas, as ideias, as prioridades. E coisas que assumíamos que seriam garantidas para sempre deixam de o ser. É curioso dar por mim a pensar que não só há uns cinco ou seis anos achava que leria sempre vários livros ao mesmo tempo como esta questão nunca se colocaria com livros de poesia — eu não lia poesia.
No fundo não trago problemas nem soluções, só constatações e reflexões sobre a leitora que já fui e a leitora que sou. Às vezes é só mesmo isso que é preciso.