- Quando: 30 e 31 de março de 2024
- Gatilhos: saúde mental; racismo e discriminação
Li Open Water no final de março de 2023 e soube que estava ali um dos favoritos do ano. Também soube de imediato que ia querer comprar o livro em formato físico, visto que o li em ebook, e, por isso, decidi que escreveria sobre ele quando o comprasse. Queria muito falar sobre ele, mas sentia que não tinha as palavras certas para o fazer e qualquer desculpa era boa para o adiar. Acabei por comprar a edição portuguesa, Mar Alto, com esperança de que a beleza da escrita do Caleb Azumah Nelson não se perdesse na tradução. Reli o livro há pouco tempo, novamente no final de março, e desta vez acho que, com palavras mais ou menos certas, não consigo adiar. Mar Alto veio como favorito de 2023, mas ficou como favorito da vida. Mal posso esperar pela nossa próxima viagem.
Mar Alto conta a história de um rapaz e de uma rapariga que se conhecem num bar, em Londres, e sentem imediatamente uma ligação diferente. Têm muito em comum: são afrodescendentes, tiveram bolsas de estudo para escolas privadas, são artistas e querem deixar algo no mundo. A relação deles vai crescendo aos poucos e parece mesmo uma daquela histórias em que duas pessoas que se compreendem a um nível superior vão ficar juntas com uma facilidade tremenda. Mas não é. É uma história de amor onde cabem muitas outras coisas porque não podemos esquecer que estamos a falar de afrodescendentes que muitas vezes sentem que não são de lado algum, num mundo pronto a julgá-los apenas pela cor da sua pele.
Tens de explicar. Tens de ser ouvido. Pensas que estás sozinho nisto, até tomares consciência de que ela está ali, contigo. Gostarias de acreditar que o conforto que ela te traz talvez possa aliviar o que sentes, mas só se deixares que ela te ampare. Não precisas de pedir desculpa. Quando ela te pergunta se estás bem, não tenhas medo da verdade. Além disso, ela já sabe a resposta antes de responderes.
Tenho de começar por falar da escrita do Caleb Azumah Nelson. O livro é escrito na segunda pessoa, algo que dá ainda mais proximidade às suas palavras. O narrador está a falar diretamente connosco e tem uma história importante para nos contar. Gostei logo deste tipo de narração, embora não seja muito comum (ou precisamente por não ser muito comum?). Gosto da interpelação, gosto de que o narrador esteja a contar-me a história como se fosse a minha história.
E depois, claro, há a história propriamente dita. Tanta música, tanta arte. A escrita é sublime. Tem um ritmo e uma cadência tão próprias que por vezes parecia poesia. Não, não parece, por vezes é poesia. Gosto de como os vemos aproximar-se cada vez mais, mas sem medo de levar o seu tempo. Vemos como finalmente cedem ao desejo e se permitem finalmente sentir, como se permitem finalmente ser. Acho tão bonito.
Mas também há a ansiedade. A ansiedade que, por si só, já é uma questão complicada de gerir, mas aqui é tão vívida. Como podes não viver num estado permanente de fight or flight se a tua vida é constantemente ameaçada pelo ódio? E como explicas essa tua ansiedade? Como explicas o medo? Como explicas coisas que, por vezes, te parecem inexplicáveis? Pergunto-me isto muitas vezes. É assim que deixamos tanto por dizer, não é?
Mar Alto tornou-se, de facto, um dos meus livros favoritos da vida. Enchi o exemplar de post-its e a cada capítulo apaixonava-me mais pela escrita, pela história. Sei que voltarei a ele mais vezes, muitas vezes.
Título original: Open Water
Título em português: Mar Alto
Autor: Caleb Azumah Nelson
Ano: 2021 (PT: 2023)
Que livro perfeitinho *-*