- Quando: 25 a 29 de março de 2024
- Gatilhos: saúde mental; luto; guerra; violação; aborto.
O Dicionário das Palavras Perdidas, de Pip Williams, foi escolha do Clube do Livra-te em novembro de 2022 e, por isso, ofereci-o a mim própria nesse natal. Acabei por não o deixar à espera, nem sei ao certo porquê. Agora, com esta tentativa de ir lendo os livros que andam por cá à espera há tanto tempo, parti para ele com a esperança de que nos déssemos bem. Não sei se o ritmo do livro me teria permitido gostar tanto dele nessa altura, mas agora gostei muito.
O Dicionário das Palavras Perdidas traz-nos Esme, uma menina, órfã de mãe, que cresce no Scriptorium, um barracão em que o pai e um grupo de lexicógrafos trabalham para escolher palavras para o Dicionário de Oxford. O lugar preferido da pequena Esme é debaixo da secretária do pai. É lá que, um dia, um papel com a palavra escrava (no original: bondmaid) cai ao chão. Esme apanha-o e esconde-o numa velha mala de Lizzie, sua amiga e criada (ou será também meio escrava?) na casa da família Murray. É assim que Esme começa a reunir as palavras que são descartadas ou ignoradas pelo Dicionário.
O livro acompanha Esme desde pequena até à idade adulta e mostra a forma como as palavras a vão ajudando a compreender o mundo, mas também a compreender que algumas palavras são consideradas mais importantes do que outras apenas porque são de uso corrente, de calão ou usadas por e para mulheres. Numa vida dedicada às palavras, a vida de Esme cruza-se com o Movimento Sufragista e com a Primeira Guerra Mundial.
[…] Aquela palavra não devia existir, pensei. O seu significado devia ser obscuro e inimaginável. Devia ser uma antiguidade, mas era tão inteligível para mim como tinha sido em qualquer outro momento da história. O prazer de contar o sucedido desapareceu.
— Ainda bem que não está no Dicionário, Lizzie. É uma palavra horrível.
— Pode ser, mas é uma palavra verdadeira. Quer estejam no Dicionário ou não, vão sempre existir escravas.
O Dicionário das Palavras Perdidas começa muito lento e demora até que nos sintamos embrenhados na sua história, mas assim que acontece percebemos que já estávamos investidos em Esme e nas suas palavras há muito. A lentidão inicial pode quase demover-nos (e quase me desmotivou), mas vale a pena continuar. É uma história muito bonita (talvez a tenha terminado lavada em lágrimas) e acho que a autora conseguiu mostrar muito bem como «a forma como definimos a língua pode definir-nos», como ela refere na nota de autora.
Sendo uma ficção histórica gostei de ler também sobre a forma como Pip Williams decidiu contar a história do Dicionário de Oxford e incluir na sua história pessoas reais, como Edith Thompson, que é tão fundamental na sua história quanto na História mundial.
É uma época particularmente importante para o mundo atual — o Movimento Sufragista deu o poder de voto às mulheres, a Primeira Guerra Mundial mostrou a crueldade da Humanidade pela primeira vez no século XX, o Dicionário de Oxford é um marco importante. Há, claro, uma grande reflexão sobre o papel das mulheres: na sociedade da época, claro, e nas particularidades das vidas que tinham ou podiam ter; mas também em como algo tão importante como um dicionário escolhia as palavras e deixava de lado tantas palavras — que significados lhes davam, como podiam deixar de lado tantas palavras importantes?
Claro que ainda há palavras mais importantes do que outras no mundo atual. Se calhar não daríamos falta delas num dicionário, porque talvez já ninguém dê grande importância aos dicionários, mas as palavras associadas às mulheres ainda parecem ser muitas vezes menos importantes.
Título original: The Dictionary of Lost Words
Título em português: O Dicionário das Palavras Perdidas
Autora: Pip Williams
Ano: 2020 (PT: 2022)
Continuo fascinada com este livro *-*