- Quando: 1 a 7 de abril de 2024
- Gatilhos: violência; violação; tortura; saúde mental; abuso de substâncias
Nasci vinte anos depois do 25 de abril. Honestamente, acho que tomei o dia da Liberdade como garantido durante a maior parte da minha vida. Fixe, os militares tiraram-nos da ditadura. Está resolvido, passamos à frente. Huuuummmmm, pois. Com os anos, especialmente depois de entrar na universidade, comecei a perceber que havia tanto que não sabia sobre aquela época — e, pior, não era só eu que não sabia. Não devíamos falar mais sobre a ditadura? Sobre como se fez aquela revolução? Sobre o que veio a seguir? Não devíamos saber o que foi o PREC? Conhecer as FP25? Acredito que ainda haja algum pudor em falar de uma época assim, mas acho que não falar e fingir que foi só estávamos numa ditadura — vieram os militares — passámos a estar em democracia não ajuda ninguém e, possivelmente, ajuda a que haja, hoje, quem tenha nascido em liberdade e se diga saudosista de uma época ditatorial que não viveu.
Apesar de haver muitas séries, filmes e até livros sobre estes tempos, nunca tinha lido ficção histórica sobre este período português e Revolução, do Hugo Gonçalves, interessou-me à partida pelo tema. Calhou que foi escolhido como leitura conjunta do mês de abril no Clube do Livra-te e, por isso, comecei o mês pronta a seguir o processo revolucionário.
Revolução traz-nos os três filhos da família Storm. Maria Luísa, a mais velha, que vive em clandestinidade, perseguida pela PIDE; Pureza, a filha do meio, desejosa de manter a família tradicional, num casamento com um defensor de direita; e Frederico, o mais novo, que vive entre discos de jazz e o sonho de perder a virgindade antes de ter de partir para a guerra colonial. Neste cenário familiar vivemos também o cenário do país daqueles últimos anos da ditadura até muito depois do dia que ditaria o seu fim. E enquanto o país mudava também os filhos Storm ia fazendo o seu caminho, mais extremista, mais tolerante, mais perdido de tudo o resto.
A grande maioria dos portugueses parecia-lhe contente com a democracia e, apesar dos apertos, havia um vislumbre de modernidade e de bonança. Mas, para uma parte menor, as ofensas da revolução tinham multiplicado os rancores, a bílis passava de pais para filhos e, décadas mais tarde, haveria ainda de carburar nos netos, que, tendo nascido livres, diziam-se saudosos da ditadura.
Revolução foi uma leitura lenta, mas que deixa sempre a pedir mais. É um livro grande, também porque acompanha um período histórico particularmente cheio de acontecimentos e porque os três irmãos têm experiências tão distintas a partilhar que só assim poderíamos ter uma visão tão completa da época que mudou Portugal. Gostei desta perspetiva tripartida, com cada um dos ramos a mostrar algo diferente e, por conseguinte, a mostrar como, na altura, o país também se dividia assim.
Há um grande contexto histórico no livro e as personagens soam-me, sobretudo, reais. Não vamos concordar com tudo o que dizem, fazem ou defendem, mas ao mesmo tempo vamos compreender as suas motivações, aquilo que pretendem, o que as faz agir como agem. Por vezes vamos ficar tristes pelo caminho que seguem, outras vezes temos um orgulho tremendo. Gostei do humor e da música associados ao Frederico, mas no fim foi a Pureza aquela de quem tive mais orgulho.
Gostei também dos capítulos da perspetiva de António, a matriarca da família Storm, e tive pena de não termos mais dela ao longo do livro, mas percebo que o foco tinha de estar naqueles três irmãos, vindos da mesma família e, ainda assim, com ideias tão díspares sobre o mundo.
Como já disse, foi um livro que li devagar, mas sem nunca sentir que não estava a conseguir avançar. Pelo tamanho, sei que pode demover algumas pessoas, mas é tão importante lembrar tudo o que estava em jogo que espero que contrariem as quase 500 páginas e avancem, sem medo. Gostei da escrita do Hugo, que nunca tinha lido, e sinto que ele nos conduziu à velocidade certa nesta história. Afinal, também as revoluções levam o seu tempo.
Que Revolução incrível esta! E a vontade que tenho de reler este livro? Também não me importava nada que se transformasse numa série, porque sinto que tem uma identidade muito visual e vários caminhos por onde seguir