primeiro olhar, depois recolher

Quando começo a preparar a newsletter dou sempre uma vista de olhos pelas fotografias que tirei ao longo da semana, revejo as histórias que partilhei no Instagrame revejo os links ou ideias aleatórias que fui acrescentando à página do Notion onde escrevo o rascunho.

Desde que comecei a ter uma fotografia de abertura que decidi que escolheria sempre a minha favorita da semana ou aquela que, não sendo a favorita, consegue representar melhor a semana ou aquilo que quero da semana. Por vezes constato que fotografei pouco e pergunto-me quando deixei de tirar tantas fotografias; noutras vezes tenho dificuldade em decidir exatamente qual o conjunto de píxeis que aqui deve vir parar.

Acontece algo semelhante com as histórias do Instagram e com os links: além de me darem uma visão da semana, umas vezes parecem muitos, semana cheia, noutras vezes parece que a semana foi vazia de acontecimentos e que preciso de um esforço hercúleo para me lembrar do que fiz e de como passei os dias. Também acontece, como nesta semana, saber que fiz muito, mas que não ficou assim tanto para dizer — até porque esta foi uma daquelas semanas em que andei sempre ocupada a fazer coisas e mal tive tempo para pensar sobre muita coisa. O máximo que ocupou o meu pensamento no campo da escrita foi o manuscrito em que estou a trabalhar. De resto escrevi mais mensagens de Whatsapp do que ideias merecedoras de desenvolvimento.

Quando chego ao final da semana, seja sábado ou seja domingo (e eu esteja atrasada), e percebo que foi uma daquelas semanas em que sinto que não tenho nada a dizer lembro-me sempre de um dos meus sonhos mais antigos a nível de escrita: queria ser cronista.

Podia dizer que este sonho vinha de ler as crónicas do MEC, mas é anterior a isso. Acho que, de certa forma, vem de vários momentos acumulados: ler semanalmente as crónicas do Ricardo Araújo Pereira na Visão, na biblioteca da escola; adorar ler e analisar as crónicas dos manuais de português; ter passado uma parte da infância a ler jornais e revistas ao domingo de manhã e ver sempre aqueles cantinhos especiais dedicados às palavras da mesma pessoa; ter começado a escrever um blogue. No fundo, tudo isto foi alimentando o sonho de ser cronista. Acho, até, que houve um bocadinho deste sonho a motivar-me quando, há dois anos, fiz a Oficina de Crónica Literária do Público com a Tinta-da-China.

Algo que sempre me fascinou nos cronistas é a capacidade de, semana após semana, terem sempre algo a dizer. Muitos regem-se pela atualidade e, se fizerem crónica política, terão sempre algum tema mais ou menos relevante. Mas nem todos fazem crónica política e aí ainda me fascina mais. Vejo as crónicas do MEC, com apontamentos tão distintos e únicos, e não consigo não invejar um bocadinho esta capacidade para, semana após semana, crónica após crónica, ter sempre algo a contar. É aí que acho que não seria boa cronista: ia escrever demasiadas vezes sobre não ter nada para escrever.

Na verdade, tinha opções para esta semana, algumas ideias que me surgiram, mas a verdade é que às vezes temos de nos sentar longe do mundo para conseguir pensar melhor e não consegui fazê-lo para conseguir encontrar mais palavras além daquelas frases curtas. Havia coisas muito aleatórias — malmequeres ao vento, rosmaninhos floridos, o cheiro do éter e de desinfetante do hospital, saudades, sonhar com beijos, abençoada depilação a laser. Tudo coisas bonitas e poéticas, portanto. No entanto, o que ia escrever sobre elas? Não faço ideia.

Aquilo que mais aprendi sobre crónicas foi que funcionam como um treino, mas não é tanto um treino de escrita como é um treino de observação. Se todas as semanas tens de entregar uma crónica vais começar a prestar mais atenção ao que te rodeia para que possas ter sempre algo para contar a quem te lê. É um exercício interessante uma vez que a escrita nos costuma virar para dentro e a crónica nos obriga a olhar para fora.

Muitas vezes, olho para a newsletter como se fosse a minha crónica semanal, apenas sem limite de caracteres e sem regras editoriais às quais tenho de obedecer. Mesmo quando sinto que não tenho nada para contar penso sempre: está bem, mas então o que fazias se isto fosse o teu trabalho? Dizias que não sabias fazer o teu trabalho ou olhavas para o mundo à tua volta e tentavas perceber o que podias tirar dele? Escolho quase sempre olhar à minha volta. Primeiro olhar, depois recolher. Não vou ser cronista, mas posso aprender alguma coisa com as crónicas.

Este texto surgiu primeiro na newsletter de 21 de abril. Podes subscrever aqui para receber os e-mails ao domingo!

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