Em mais de dez anos fora, sempre soube reconhecer exatamente os momentos em que começava a ser imperativo para mim ir a casa. Pode demorar mais ou menos tempo, mas o meu corpo começa a dar sinais e a pedir-me que vá até lá. De certa forma, lá tornou-se o meu lugar de repor energias, limpar a mente e desligar do resto do mundo. Achava que mais ninguém reconhecia estes momentos em que preciso de ir lá até que ele disse: «Acho que estás a precisar de ir à terrinha desanuviar a cabeça». A vida trouxe-me uma mudança de planos repentina e só consegui 48 horas, sem conseguir desligar.
Este ano está a ser um daqueles anos. Difícil, desafiante, desmoralizante e mais outras palavras começadas por d. Se calhar, noutras alturas da vida, isto seria algo de que eu falaria abertamente, mas já não sou essa pessoa e sinto que, cada vez mais, estas coisas são mais fáceis de abordar quando já estão ultrapassadas. O comandante não escreve o relatório durante o naufrágio, por isso tenho estado à espera de que a tempestade passe para poder limpar e arrumar tudo e, depois, quem sabe, meter em palavras.
Ainda assim, escrever é aquilo que faço na internet, portanto não há como lhe fugir por completo. No último ano (e qualquer coisa) tenho notado cada vez mais pessoas a lerem-me, principalmente no blog, e esse aumento do número de leitores tem-me feito ser mais exigente na única coisa que sinto que devo à escrita — a honestidade. Tenho tentado escrever com variedade, mas, acima de tudo, com honestidade. E acho que, a nível da quantidade de artigos disponíveis até tenho correspondido às exigências da sociedade que quer algo novo todos os dias.
No entanto, durante umas semanas, decidi abrandar no conteúdo. Quando entro na fase final de escrita de um livro preciso sempre de mais foco e normalmente preciso de deixar praticamente todas as palavras para isso. Mas acabei o livro e senti simplesmente que não me estava a apetecer voltar. Achava que depois de terminar o livro ia conseguir pensar melhor na análise do conteúdo que tenho feito, mas a verdade é que só me apeteceu desligar e deixar tudo a meio-gás enquanto decidia se voltava a pôr em lume forte ou se desligava de vez (não sei o que me deu para as metáforas com fogões, mas vamos só aceitar).
Hoje, dia 13 de julho, o blog completa nove anos de existência online e, neste percurso de quinze anos de escrita na internet, já passei por muitas fases, já tive muitos momentos, muitos focos diferentes.
Quando decidi criar este blog quis dar-lhe algo que sentia que me faltava no anterior: espaço para crescer e mudar conforme fosse necessário. Apetece-me passar umas semanas a incluir artigos sobre beleza? Encaixa-se na boa. Quero passar meses só a fazer conteúdo literário? É facilmente feito. Quero intercalar qualquer coisa com crónicas sobre a vida? É isso que se quer. No fundo, é um espaço que se molda à medida que a vida acontece. Mas às vezes é preciso decidir o que fazer com as peças que estamos a moldar. E é assim que chegamos a julho de 2024: nove anos de blog e um momento de crise, não com o blog, mas comigo.
Inspira, aspira, respira
Acho que, no geral, quem começou blogs na sua época áurea, ali entre 2007-2012, o fez porque queria só mesmo usar a sua voz para falar daquilo que queria. Só depois disso é que começaram a surgir preocupações com escrever blogs que tivessem muitas visitas e, por conseguinte, conseguissem atrair marcas para, quem sabe, receber coisas grátis. Receber dinheiro veio depois, mas aí já estavam as redes sociais a expandir-se, portanto a conversa era outra.
Apesar de terem começado assim, acredito que muitas vezes tentámos, nos nossos blogs, seguir as linhas daqueles que líamos: partilhar o que líamos, o que comprávamos, o que víamos, o que usávamos, o que visitávamos. Foi assim que passámos de escrever para nós a escrever para os outros. Foi assim que tornámos os blogs algo sobre inspiração, talvez até aspiração, porque muitas vezes quem nos lia não tinha as mesmas hipóteses de alcançar aquilo de que falávamos.
Estou a falar no plural porque sei que também terei posições privilegiadas em relação a outras pessoas, mas muitas vezes sentia-me incapaz de corresponder a este grupo inspiracional/aspiracional. Ainda assim, fui sempre tentando manter-me fiel a quem sou e tentei ser honesta em tudo o que partilhava, mesmo que por vezes fosse pouco inspirador ou que fosse algo que considerava que ninguém queria atingir (ou então já tinham atingido e era irrelevante).
Só que agora…
Não sei de onde veio esta mentalidade, mas sempre senti necessidade de tornar épocas da vida mais estagnadas ou negativas em oportunidades para fazer imenso e poder dizer coisas como: está tudo uma merda, mas pelo menos X ou Y está a acontecer. Coisas tipo: Está tudo uma merda, não entrei no curso que queria, mas pelo menos tirei a carta e publiquei um livro. Está tudo uma merda, a minha cadela está gravemente doente, a minha mãe está gravemente doente, não consigo estágios pagos, não quero pagar para trabalhar, mas pelo menos Portugal foi campeão da Europa, fomos ao Rock in Rio e o blog está a ir bem. Está tudo uma merda, não arranjo trabalho, não sei o que fazer à vida, não sei como sair daqui, mas pelo menos o Porto foi campeão depois de quatro anos e acabei de escrever um livro depois de quatro anos e meio. Está tudo uma merda, odeio estar em Lisboa, odeio estar desiludida com este trabalho, mas pelo menos estou a ganhar currículo. Está tudo uma merda, o país está fechado, não há trabalhos, não há esperança, mas pelo menos vou atender telefones, limpar xixis de cães e torcer para que alguma lambidela me anime a vida. E agora é… complicado. Está tudo uma merda, vou fazer 30 anos, a vida não pára de me dar porrada, não aguento mais o sufoco em que tenho de viver, não sei como sair da rodinha do rato da minha geração, mas pelo menos ia investir imenso no TikTok e crescer online, ia escrever imenso conteúdo para o blog, ia escrever um livro bom, ia… sei lá o que ia fazer. E porquê? Porque achava que era suposto ser assim, mas honestamente, não consigo mais tentar ser a minha própria inspiração.
Honestamente, nunca me senti muito inspiradora e não sentia que tinha de o ser porque também não sabia como o fazer. Com o tempo fui ganhando muitos filtros e, se calhar, não partilhar o mau tornou-me mais próxima desta idealização de que é tudo perfeito na internet, mas não se deixem enganar: querer conteúdo real não é a mesma coisa de querer conteúdo triste. Nós queremos conteúdo real, em que há coisas a correr mal, em que as pessoas não estão bem todos os dias porque queremos sentir-nos iguais aos outros, queremos sentir que não é só a nós que a vida corre mal, mas não queremos que seja só isso, queremos que venha disfarçado de humor, de alguma ideia de esperança, de qualquer coisa que também nos dê alento. E eu preciso de me sentir com alento antes de conseguir dar alento a outros.
Cada vez mais, sinto que quero voltar às crónicas ou aos textos mais reflexivos, que não me deixa feliz ter só livros no blog (e sei que nem é aquilo que mais gostam de ler), mas neste momento não consigo. Não quero passar o caos da minha vida para as palavras que mostro ao mundo, não quero gastar palavras a mostrar ao mundo o que está mal, não quero vir com moralismos ou positivismos falsos, não quero que o blog perca a honestidade. E, para não a perder, preciso de abrandar, juntar todas as forças para um único objetivo e seguir por aí.
Tenho pensado muito nisto. Planeava, à semelhança do que fiz no ano passado, dar duas semanas de férias no início de agosto, mas decidi que vou mesmo tirar mais algumas e vou declarar serviços mínimos. As reviews de livros continuarão a sair, porque é algo que escrevo sempre que acabo de ler, portanto é fácil, e certamente virei escrever sobre a viagem que tenho no fim do mês, mas o resto vai ficar neste ritmo lento. Newsletters mais curtas ao domingo, uma ou duas publicações no blog durante a semana, pouco ou nada nas redes sociais, como já tem sido habitual.
A minha vida está a mudar muito neste momento e sei que vou ter uns meses muito duros até ao final do ano, que vão exigir mesmo muito de mim e sinto-me sob pressão — a pressão que coloco a mim própria, mas também de outros. Queria ter feito uma transição mais tranquila para esta nova fase que me aguarda, mas desta vez fui atirada para mar alto e não sei nadar. Este momento pessoal e profissional tem muito peso naquilo que decidi escrever hoje.
Nos últimos quinze anos, em particular nos últimos nove, nunca tive dúvidas de que no ano seguinte ainda escreveria um blog. Às vezes tinha dúvidas sobre se seria naquele blog ou se teria começado do zero, mas sabia que teria blogs. Este é o primeiro ano em que não sei se daqui a um ano ainda vou escrever na internet. Sinto-me absurdamente sortuda por o poder fazer e por saber que tenho leitores que se importam e que leem tudo, mesmo as maiores das loucuras, e estarei sempre agradecida por isso, porque foram muitos os momentos em que o blog e estas entidades virtuais eram a única coisa que me fazia feliz e me faziam sentir que a vida tinha algum sentido. Houve mesmo muitos momentos em que ter um blog e uma comunidade digital foi aquilo que me manteve à deriva, sem afundar.
Mas hoje, enquanto penso nestes anos, não sei mesmo se aqui estarei a escrever daqui a um ano, não sei o que fará sentido no futuro e sei que, se tudo der para o torto, esta será mais uma das despedidas que farei. Para já, ficamos assim. Meio à deriva, meio sem saber para que lado virar o barco. Ainda não largues a mão, que eu também não. Deixa-me só tentar salvar outras coisas mais importantes primeiro.
Obrigada por estares desse lado.
Eu adoro ler os teus posts, mas percebo perfeitamente essas crises de tempos a tempos. Será que estamos a ser honestos o suficiente no que escrevemos? O que devemos partilhar do que se passa na nossa vida? Enfim, também me encontro numa crise dessas mas faz parte de ter um blog…
Oi, Sofia!
Parabéns pelos 9 anos do blog e 15 de escrita na internet! 15 anos é mais ou menos a época que eu, com os meus 15, 16 anos, comecei a ter contato com o mundo da internet. Mas o meu primeiro blog eu só vim criar há 7 anos, em junho de 2017, e tenho e mantenho muito respeito e admiração por quem chegou ao mundo dos blogs antes de mim. Acho que vocês que chegaram antes têm muita história para contar sobre a época em que chegaram aqui!
Me identiquei tanto com o seu texto…! Em muitas partes, mas se eu destacasse todas tornaria esse comentário longo, mais longo do que já está, mas principalmente na parte em que “está tudo uma merda, mas…”. Um texto brilhante! 💎
Feliz blogversário e se precisar de receitas culinárias para preparar o bolo, os doces e os salgados da sua festa de comemoração não hesite em ir ao meu blog de receitas, o Mesa e Sobremesas, ver se encontra algo do seu agrado e gosto. Tem um post novo lá sobre os e-books gratuitos de receitas culinárias que a Nestlé está disponibilizando gratuitamente para o público em geral.
https://mesaesobremesas.blogspot.com/
Um beijo 💋 e boa festa! 🎉💐🎈
Oi, Sofia!
Parabéns pelos 9 anos do blog e 15 de escrita na internet! 15 anos é mais ou menos a época que eu, com os meus 15, 16 anos, comecei a ter contato com o mundo da internet. Mas o meu primeiro blog eu só vim criar há 7 anos, em junho de 2017, e tenho e mantenho muito respeito e admiração por quem chegou ao mundo dos blogs antes de mim. Acho que vocês que chegaram antes têm muita história para contar sobre a época em que chegaram aqui!
Me identiquei tanto com o seu texto…! Em muitas partes, mas se eu destacasse todas tornaria esse comentário longo, mais longo do que já está, mas principalmente na parte em que “está tudo uma merda, mas…”. Um texto brilhante! 💎
Feliz blogversário e se precisar de receitas culinárias para preparar o bolo, os doces e os salgados da sua festa de comemoração não hesite em ir ao meu blog de receitas, o Mesa e Sobremesas, ver se encontra algo do seu agrado e gosto. Tem um post novo lá sobre os e-books de receitas culinárias que a Nestlé está disponibilizando gratuitamente para o público em geral.
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Um beijo 💋 e boa festa! 🎉💐🎈
💙💙💙
Escreves com o coração. Ao ler este texto, senti que estava a ouvir os pensamentos de alguém em voz alta. Faz sentido? Compreendo o que sentes e espero que tomes a melhor decisão para ti! Um abraço!