Além de ser um álbum do caraças, não é fácil explicar como é que Madrepérola, de 2020, foi um dos meus álbuns mais ouvidos de 2024. Não sei se existe uma causa-efeito entre a minha vinda para o Porto e uma certa necessidade de reencontro, mas houve muito que mudou em mim e na arte que escolho ter como companhia nestes anos e isso tornou-se particularmente notório nos últimos dois anos. Acho que foi assim que me reencontrei com a Capicua no início de 2024. Em Madrepérola encontrei um colo que não esperava encontrar e o álbum foi-me acompanhando ao longo de todo o ano, dando-me alento na escrita e na vida.
Com o anúncio do lançamento de Um Gelado Antes do Fim do Mundo e respetivos concertos de apresentação em Lisboa e no Porto, senti que Capicua vinha para salvar a poesia do meu ano, desta vez com a possibilidade de a ver ao vivo. Não tenho qualquer dúvida de que este álbum será um dos álbuns do meu ano, mas tinha curiosidade em ver como resultaria ao vivo, uma vez que é um álbum com vários interlúdios poéticos, mas é, também, um álbum que parece pôr em verso mil receios e questões com que parece que todos nos debatemos.


A sala Suggia estava cheia e pouco depois das nove e meia da noite começámos a ouvir os primeiros acordes de Chiaroscuro. Percebemos de imediato que ia exigir muito autocontrolo não nos levantarmos e desatarmos a dançar. Com um cenário minimalista de letras iluminadas a assinalar um gelado para o fim do mundo, a banda atrás e uma grande tela, Capicua conseguiu facilmente encher o palco. A tela ia mostrando os visuais que combinam com cada música e foi ponto fundamental para os tais interlúdios poéticos que o álbum contém.
Além do novo álbum, o concerto inclui temas anteriores, como Madrepérola ou Que Força é Essa, Amiga?, esta com participação de Sopa da Pedra, que cantam com Capicua em Souvenir. Foi um concerto com uma energia diferente, com um público muito mais alargado do que esperava e com uma construção de alinhamento muito bem encadeada. No fim, a Casa da Música aplaudia de pé, porque o cansaço pode ser inimigo da poesia, mas a poesia da Capicua continua a fazer-nos sentir vivos, prontos a arregaçar as mangas e lutar.
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