Feliz Dia de Apesar do Sangue para todos os que celebram! Para mim foi Dia de Apesar do Sangue um bocadinho mais cedo e, por isso, estou a olhar para o kindle neste momento e a pensar que não sei ao certo como explicar que já sabia que ia adorar este livro antes de ele existir. Ser amiga da Rita dá-me direito a estes pequenos privilégios e, por isso, fui ouvindo detalhes do processo de escrita. Percebia, pela maneira como ela falava, que este livro ia ser especial. Claro que ainda a Rita me perguntou se queria ler Apesar do Sangue antes da chegada às livrarias não me fiz difícil e disse logo que sim. Meses antes, num restaurante de Matosinhos, ela tinha partilhado que aquele era o título provisório e que gostava tanto dele que não sabia como ia arranjar outro. Depois de o ler tenho a certeza de que não podia ter outro título.
Apesar do Sangue assenta em quatro pontos de vista: Glória, Helena, Pedro e Eduardo. Glória é a avó, a que aguenta toda a vida que vai acontecendo à família; Helena é a mãe que, perdida nos seus conflitos internos, abandona o filho; Eduardo é o padrasto que deixa de o ser, mas sem nunca deixar de se sentir como tal; e, por fim, Pedro é o neto, o filho, o ponto comum de todas estas personagens. O ponto de partida para percebermos o que une — e separa — estas personagens é Glória. Consciente de que não lhe resta muito tempo, Glória preocupa-se com o neto. Quem vai cuidar de Pedro, o rapaz que parece estar destinado a ser sempre abandonado?
É inegável que, quando crescemos, aprendemos a ver os nossos pais com outros olhos, nem sempre os mais lisonjeiros; mas isso não quer dizer que ponhamos em causa o amor que têm por nós, apenas as formas como o demonstram. Que significava, então, que Pedro começasse a duvidar de uma afirmação que antes lhe trazia tanto conforto? Eu já gostava de ti antes de nasceres. Quando era pequenino, ouvia esta frase e sentia, embora ainda não tivesse palavras para o expressar, que, acontecesse o que acontecesse, havia alguém no mundo capaz de ver além do que ele mostrava — alguém capaz de gostar de si pelo seu potencial, pelas coisas que poderia vir a ser, pela pessoa em que se transformaria.
Apesar do Sangue é uma daquelas histórias carregadas de tristeza e melancolia de que tanto gosto, com uma construção de personagens envolvente e marcante, onde a escrita da Rita se supera e atinge uma maturidade e uma beleza que surpreende. Desculpem, mas a Rita atingiu um patamar diferente. A beleza da escrita, as personagens tão complexas e tão realistas, os pormenores das metáforas tão habituais na Rita…
Como disse, já sabia que ia adorar este livro antes de ele existir. Não sabia é que se iria tornar um favorito — o meu favorito da Rita, sim, mas também um dos meus favoritos de sempre. Apesar do Sangue envolve-nos na vida destas personagens e faz-nos compreender aquilo que lhes vai no âmago, o melhor e o pior. Torcemos por elas, mas sabemos que isso pode significar não torcer por um final feliz coletivo.
Acredito que qualquer pessoa irá adorar Glória e o seu instinto cuidador, mas não sei se será assim tão fácil chegar ao final com uma personagem preferida. Glória e a sua devoção à colónia de gatos e ao neto são um abraço bonito, mas Eduardo tem uma persistência e uma paciência maravilhosas, dignas de quem sabe amar. Helena é complicada, é certo, mas compreendi bem o que ela sentia e lamentei que ela tivesse sido tão destroçada que nunca iria conseguir colar os caquinhos.E Pedro… Pedro é aquela personagem que queremos abraçar, a quem queremos garantir que tudo vai ficar bem. Vemo-lo crescer e, no fim, percebemos que a vida o tornou tão forte, tão corajoso.
Uma das coisas mais reconfortantes que descobri ao crescer foi que não há famílias perfeitas, sem problemas, sem discussões. Talvez por isso os dramas familiares me tragam tanto conforto. São estas famílias, principalmente as que não são tradicionais, que mais me deixam envolver com as suas histórias. E se é certo que a Rita sabe escrever famílias como ninguém também é inegável que, com este livro, a Rita atinge um patamar superior na sua escrita. Apesar do Sangue é o livro do ano. E duvido muito de que alguém me faça mudar de ideias.
Título original: Apesar do Sangue
Autora: Rita da Nova
Ano: 2025
Lido entre 10 e 11 de abril de 2025
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