- Gatilhos: luto
- Quando: 23 e 24 de julho de 2024
Aquilo que mais retirei da leitura de Apneia, há três anos, foi o quanto gostei da escrita da Tânia Ganho. Não conhecia o trabalho dela até esse livro e o desenvolvimento de Apneia não me cativou por completo, mas gostei da escrita. Esperei que a Tânia voltasse a publicar para poder tirar as teimas e confirmar a qualidade da escrita desta autora. Podia ter ido aos livros anteriores, mas deixei-me esperar por algo novo. Normalmente, um livro novo de um autor devia vir de um lugar de felicidade — que mais não fosse por haver uma novidade, uma história nova para contar. No entanto, O Meu Pai Voavavem de um lugar de tristeza: vem do luto.
No início do ano, o pai da Tânia faleceu. Sem planear, a Tânia deu por si a escrever. Não sabia o que resultaria dos seus textos, mas deixou que a escrita tomasse os seus dias e a ajudasse neste início de processo de luto. O Meu Pai Voava é, no fundo, um livro com as memórias da Tânia em relação ao pai, desde pequena até aos pequenos traços que a doença foi criando. Podia chamar-lhe uma carta de despedida, mas acho que é mais uma carta de amor — sem dizer adeus.
O meu pai fazia-me sentir segura, não havia mal que não curasse. Talvez seja essa a definição mais lata de amor paterno, materno. Uma criança amada é uma criança que se sente protegida e invulnerável. Pergunto-me se, um dia, o meu filho olhará para trás e pensará que o meu amor o fez sentir-se seguro. Se, apesar de tudo, fui o seu porto de abrigo.
O Meu Pai Voava lê-se num sopro, mas não é de leitura fácil. Sorrimos por vezes, sentimos um peso no peito em tantas outras. Não acho justo avaliar ou fazer análises a este tipo de livros. Podemos ou não ligar-nos à escrita, mas acho muito injusto fazer qualquer tipo de apreciação a um livro destes, vindo de um processo de luto.
Claro que posso dizer que gostei da sensibilidade que li, gostei dos momentos em que ri e gostei da beleza existente na tristeza, mas acho que este livro será certamente interpretado de formas muito diferentes de acordo com as vivências de cada um — poderá ser um abraço extra para quem vive o mesmo luto, poderá ser um nó na garganta para quem sabe que um dia viverá este luto ou poderá ser um objeto de afastamento sentimental para quem assim o conseguir interpretar.
Para mim, sabendo que nunca viverei o luto da perda do pai, acho que fiquei ali perto do nó na garganta porque as relações com cada um dos nossos pais serão sempre diferentes, mas o sentimento de perda, seja de pai ou mãe, talvez seja semelhante.
Sei que cada um viverá o seu luto à sua maneira, mas ao ver a Tânia transformar o luto em arte a minha esperança é a de que se tenha sentido aconchegada e menos sozinha. Certamente será assim que muitos se sentirão ao ler este livro.