entrevista | tiago david: ‘o jornalismo trata bem os jovens, os jornalistas é que não’

O Tiago é chato. A sério: não gosta de bolo rei, não gosta de pizza e tenho quase a certeza de que não vai gostar de que eu o tenha chamado chato… mas gosta de rádio, de comunicação e de jornalismo. Conheço-o virtualmente há uns cinco anos, cheguei a ter as tardes de sábado reservadas para o programa dele e sempre disse que este rapaz iria ser um grande comunicador. Pessoalmente, conheci-o no passado dia 9 de Novembro, no Starbucks do El Corte Inglés. Aceitou ser a minha cobaia para um trabalho que, agora, partilho convosco.
 
O bom de uma entrevista é estar ali a ouvir a pessoa, é ver a forma como ela fala de determinado assunto, é, a certo ponto, esquecer as cábulas e fazer as perguntas por interesse e não por estarem anotadas. A certa altura, a entrevista tem de passar a ser mais uma conversa do que uma entrevista. Foi para conversar que me encontrei com Tiago David. É final de tarde e o Tiago chega atrasado porque, à hora de saída da redacção, lhe chegou uma informação que tinha de noticiar. Aos 22 anos, é repórter no SAPO e conta já com sete anos de trabalho em várias áreas do jornalismo. E foi sobre jornalismo que falámos.
A que ponto da tua vida percebeste que querias trabalhar em comunicação?
Foi no 3.º ano da primária. Nós tínhamos de fazer um trabalho sobre a escola, era dois a dois, e eu tinha uma amiga que tinha uma câmara de filmar, daquelas ainda a cassete, e fomos fazer reportagem. Peguei naquilo e comecei a filmar a escola e a falar por cima — fiz logo voz-off e tudo. (risos) Gravámos aquilo, mostrámos e eu disse “pronto, quero ser jornalista”.
 
Logo no 3.º ano?
Sim, e ficou. A professora disse que eu tinha jeito e eu pensei “se tenho jeito, óptimo”… por acaso, no infantário, eles davam, no final, um livrinho em que faziam a descrição de quem tu és. Lá dizia que eu era um bom contador de histórias, não sei se tem alguma coisa a ver ou não.
 
Pode dizer-se que começaste a carreira aos 15 anos com o programa “Um Marco Na Escola” [da Marcoense FM]. Como é que isso acontece?
A professora de Português conhecia alguém na rádio e surgiu a hipótese de criar um programa para a escola. Na primeira aula perguntou quem queria ir e ninguém levantou o braço; só eu é que levantei. Fui eu, mas havia outras turmas e foi mais uma rapariga.
 
E como foi a experiência?
Lembro-me de que a primeira pessoa que fui entrevistar era uma professora de Biologia, também da escola, e era a única presidente de Junta da CDU, em Marco de Canaveses. Apesar de ela gostar de falar para as pessoas, não conseguia falar com um microfone à frente. Para gravar quinze minutos demorou duas tardes. Eu cheio de medo de errar e ela a repetir pergunta a pergunta, resposta a resposta. Não foram muitas entrevistas naquele programa mas depois houve o convite para ficar lá e ter um programa meu.
 
Acabaste a ficar mais três anos na Marcoense… fizeste Discos Pedidos, um programa da manhã e o mítico “Presley Show”. O que é que aprendeste de importante nesse período?
A primeira coisa que aprendi quando entrei na rádio… tu ouves a tua voz e ficas chocado. E a primeira coisa que o director da rádio me diz é: “daqui a 50 anos, se estiveres a fazer rádio, não vais gostar da tua voz”. Habituas-te; não gostas. Outra coisa que ele me disse, muito importante, quando fui fazer o primeiro programa sozinho: “pode estar um dia terrível mas, a partir do momento em que pisas este tapete, os problemas têm de ficar no tapete. Depois à saída levas contigo ou deixas aqui”. Isso é muito importante porque não devemos misturar as coisas e em rádio ainda mais, porque a voz diz tudo. As pessoas querem ouvir alguém feliz. E ensinou-me a lidar com as pessoas.
 
Em que sentido?
Os Discos Pedidos… pronto, não é um programa em que diga “quero fazer isto para sempre” porque as músicas não eram aquilo de que eu gostava, as senhoras não eram o meu público-alvo mas era muito bom falar com aquelas pessoas.
 
Estavas a falar da interacção entre ouvintes mas tu, pelo menos num dos programas, tinhas sempre muita interacção a nível de redes sociais [o Presley Show teve muita adesão no Twitter]. Sentias que isso era importante?
Sim, era o contacto mais directo, mais imediato. Agora vemos muitos programas fazer isso mas na altura [2011] havia poucos e nas rádios locais não havia nenhum. Usava aquilo porque já estava a usar e queria continuar a usar no programa. Além de ser bom saber o que as pessoas estão a achar, é também uma ajuda para ti. Estar a fazer o programa sozinho, duas horas por semana, só a passar música… era chato, isso já temos todos os dias. Como me deram total liberdade, aproveitei para meter lá tudo o que conseguia.
Muita coisa não resultou; uma rubrica só durava uma semana ou duas. A fazeres dez, vinte programas consegues sempre arranjar músicas novas mas não sabes se as pessoas estão a gostar e [pelas redes sociais] também ajuda, vão sugerindo [músicas]. Sentes que se calhar estás a fazer mais ou menos bem porque as pessoas vão participando. Nem que seja a dizer mal, vão ficando a ouvir.
 
E ainda hoje isso é importante…
Se pensares, nas televisões e nas rádios, a programação não muda muito. Se não for para ganhar, a priori, as pessoas não participam. As pessoas que gostam de participar gostam de sentir que fazem parte da família que às vezes há nas rádios. Na rádio há muito mais participação do que na televisão. Na [Rádio] Comercial, eles têm o Facebook e vão lendo as coisas que lhes dizem lá e às vezes pedem um vídeo ou outro. Na RFM, exactamente a mesma coisa. Nas [rádios] locais continua a ser muito o telefone. Noto que não usam muito o Twitter, apesar de ser a ferramenta mais útil.
E ao contrário, as rádios e as televisões a interagir com as pessoas, o que dão é… nada. Basicamente, fazem copy paste das coisas para o online. Não há propriamente uma adaptação às redes sociais. Estão no Facebook, têm um site… mas vais lá ver e têm exactamente o mesmo conteúdo. A inovação está mesmo na facilidade de as pessoas falarem com quem está do lado de lado, apesar de não ser totalmente aproveitado sempre.
 
Saíste da Marcoense em Agosto de 2011 e estiveste quase um ano fora da rádio, até entrares para o Rádio Clube de Penafiel. Sentiste falta da rádio?
Sim, por isso é que voltei. Quando vais para a Universidade… é um mundo novo. Eu vivia em Marco de Canaveses, que é perto do Porto, mas escolhi ir para Braga. Achei que não ia ter tempo e que ia ser apertado, então decidi ir com calma. Pensei “é o primeiro ano, vou dedicar-me só à universidade.” Tens sempre medo, é outro mundo. Decidi parar um bocadinho mas senti muita falta e decidi voltar.
Podia voltar para a Marcoense mas queria algo novo. Se me perguntares se quero fazer rádio ou televisão para toda a vida, por mim faço rádio. As pessoas falam naquele bichinho da rádio e se calhar há mesmo esse bichinho. E está aqui. Está parado mas está aqui. Admito que às vezes dou por mim a fazer aquela coisa de já a seguir aquela música e a falar sozinho.
 
Já tens alguma ideia para futuros programas de rádio…?
Não tenho…
 
No meio de tanta coisa, fizeste parte de um programa online [O Melhor do 5], escreveste para o Espalha-Factos… é complicado estares parado?

E também não consigo parar de falar sobre coisas. Às vezes canso-me um bocadinho e fico quieto, sem fazer nada. Gosto de não estar quieto, de estar a fazer coisas… quando entrei para a universidade ia com aquele pensamento de “vou-me dedicar à universidade” mas depois pensei “aqui três anos… é agora ou nunca que posso fazer alguma coisa”. Posso experimentar tudo porque, se falhar, não tenho nada a perder. Vou aprender, ver aquilo de que gosto mais e menos e estou na universidade.

E estás sempre a pensar em coisas novas…
Tive um ideia ridícula mas posso contá-la aqui, em primeira mão. Hoje acordei, fiz as coisas normalmente, vinha a sair de casa e pensei “o que é que vai acontecer esta semana?” O Justin Bieber vai lançar um álbum, a Rihanna também vai lançar um álbum este mês, a Adele também vai lançar um álbum este mês… vais fazer uma notícia a dizer que as pessoas vão lançar álbuns? Que seca! As pessoas já sabem. Vais falar com clubes de fãs? É o que toda a gente faz… Pôr pessoas velhotas a ouvir os álbuns e opinar sobre eles. São ideias estúpidas, não sei se alguém se vai lembrar de fazer isto e é diferente.


Também tens essa necessidade de inovar naquilo que fazes?
Sim, porque se não é uma seca. Em cada notícia tento fazer alguma coisa de diferente. A notícia chega, tu procuras, escreves e tens aquilo. Não há pesquisa. Mr. Robot estreou esta semana em Portugal. Posso dizer que a série vai estrear mas lembrei-me de que tive um professor na universidade, que me deu Audiovisual e Multimédia, que escrevia para a revista Variety. Falei com ele e pedi-lhe um comentário, de três páginas. Não és tu a fazer tudo mas foste falar com alguém que escreveu e tens um conteúdo na íntegra, que não é só “vai estrear esta semana em Portugal”
Digo lá isso mas digo muito mais para que as pessoas digam que vale a pena ver a série por isto e não só porque é mais uma série que vai estrear. É arranjar formas para fugir à rotina. Eu tinha um professor que me dizia: podemos ir pela maré ou podemos ir pela margem. Eu vou pela margem. Ao irmos pela margem estamos a dar qualquer coisa de diferente.

Que desafios é que o online te traz?
Muitos. É todos os dias chegar e procurar as novidades. Tens de ser muito mais rápido. Noto que há essa procura, estar sempre a ver outros sites, sempre a ver o que há de novo e tentar ser o mais rápido. Claro que isso tem consequências… dás muitos mais erros. Dás por ti a dar erros que nunca darias porque tens de ser muito rápido. Queres ser o primeiro para teres mais cliques e o online é muito imediato. Quanto mais rápido és e mais coisas para fazer, mais erros dás.

 

O online faz com que tenhas de ser um bocadinho polivalente…
Sim, tens de fazer tudo. Custa um bocadinho entender que o mundo mudou, que agora tens de ser tu a fazer tudo e tens de saber fazer tudo, bem ou mal. Não sou expert a filmar, vou aprendendo. Às vezes calha bem. Tens de ser muito ágil, saber mexer com tudo e aceitar desafios, porque há desafios todos os dias.
Fui aos MTV European Music Awards, em Milão. Chamaram-me para uma reunião e disseram-me que ia ter de trabalhar nesse fim-de-semana. Qual é a primeira reacção? Felicidade total. Qual é a segunda reacção? Oh mãe, tira-me daqui, eu não quero ir. Vais tu sozinho, com câmara, com tripé. Estás lá três dias, é um investimento enorme e se falhas a culpa é só tua. É muita responsabilidade. Eu cheguei a Milão, fui ao hotel pousar as coisas e fui logo gravar para a rua, com as pessoas em Milão, para a reportagem sair à tarde.

Portanto, o SAPO tem sido uma boa escola para a tua formação?

Bastante! Se comparar com o primeiro dia em que cheguei ao SAPO, em Abril, com hoje… não se compara. Sabia algumas coisas mas aprendes imenso. Trabalhar numa redacção é totalmente diferente. Tens muita liberdade, especialmente no SAPO, e isso também é bom, porque te ajuda a aprender. Se tens alguém ao lado estás sempre protegido porque sabes que depois de ti alguém vai ver aquilo e se errares não és só tu. Quando és só tu erras muito mais e aprendes muito mais. Aprendes a trabalhar em equipa e a trabalhar sozinho também.
No jornalismo nós estudamos todos os dias porque temos de ir à procura para escrever uma notícia, para explicar, para tentar perceber. Estamos a informar as pessoas e para informar as pessoas às vezes temos de ir procurar mais coisas. Temos de explicar da forma mais simples para que a pessoa mais burra perceba e a pessoa mais inteligente perceba e não se sinta burra.

Para um jovem que acaba de sair do curso chegar quase de repente ao mundo do jornalismo é complicado?

O jornalismo trata bem os jovens, os jornalistas é que não. Eu tenho 22 anos, comecei com 21 no SAPO e já fazia coisas antes dos 20, chegas a algum lado… por exemplo, chegas ao Alive e vês gente muito mais velha, que já lá está há anos, e olham para ti com desconfiança, a perguntarem-se “o que é que este puto está aqui a fazer, o que é que este puto vai fazer de jeito?”. Não te dizem, ou dizem-te nas entrelinhas, e olham-te de lado. Esquecem-se de que já tiveram a mesma idade e na altura deles também gostaram de ter aquelas oportunidades.
Como dizia um professor meu, os jornalistas às vezes são mais ou menos como as pessoas. Às vezes.

Há uns quatro anos, na primeira vez que te entrevistei, disseste a televisão fascina-me mas a rádio encanta-me. Isso ainda acontece?
Às vezes perguntam-me se ainda quero ir para a televisão e eu digo que não. Se reparares as coisas mudaram e há três ou quatro anos o online não tinha a força que tem hoje. A televisão, apesar de ter muita força, está a perder muita força. Não só em termos de audiência mas também de conteúdos. Se virmos televisão é sempre a mesma coisa, os formatos são muito fechados e eu não me identifico com isso. No online consegues fazer muito mais coisas, de testar muito mais coisas.
No entanto, se for rádio, gosto mais do modelo tradicional. Apesar de o online ser importante gosto do modelo tradicional porque consegue oferecer coisas que o online não consegue: a transmissão é melhor, não há falhas e há pessoas que ainda não estão no online que ouvem rádio. A televisão agora não é o grande sonho. Gostava de fazer, claro. Não me importo se não fizer televisão.

 
 
O Tiago também anda pelas redes sociais:
 
Imagens gentilmente roubadas do Facebook do Tiago

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