entrevista | átoa: ‘trazemos um bocadinho do alentejo’

Começaram sem grandes ambições. Eram só um grupo de amigos a fazer música para passar o tempo, quando lhes apetecia, sem sequer considerarem que, um dia, teriam um contracto com uma editora. Guilherme Alface, João Direitinho, Mário Monginho e Rodrigo Liaça estavam tão à toa que decidiram dar esse nome à sua banda e, assim, nasceram os ÁTOA. A Tradiio deu-os a conhecer e a Universal não desperdiçou a oportunidade de juntar a banda alentejana à sua lista de artistas. O primeiro álbum da banda, A Idade dos Inquietos, saiu no passado dia 20 de Novembro e eu encontrei-me com eles, na sede da Universal Music Portugal, dois dias antes. Para matar saudades de algo que costumava fazer nos primórdios do blog anterior, os ÁTOA iniciam uma série de entrevistas blogosféricas por estes lados. Fiquem a conhecer um bocadinho melhor os quatros rapazes mais inquietos da música portuguesa.
Como eram os primeiros tempos da banda?
Gui: Só fazíamos porcaria em termos de ensaio. Dizíamos vamos tocar “A Miúda do Terceiro Andar” e, quando dávamos por nós, estávamos a cantar Marco Paulo. O que eu quis dizer com porcaria foi não estarmos focados nas nossas músicas. Os nossos ensaios eram ensaios de quatro horas em que três horas e meia era brincadeira e meia hora era ensaio. Isto no projecto embrião. Ninguém tinha ambições de meter músicas no Youtube ou, por ventura, procurar um contracto com a Universal, como depois fizemos com o Tradiio. Era um hobbie entre quatro amigos.
 
Três de vocês têm formação musical, mas o Mário aprendeu a tocar sozinho e até apagava as luzes para conseguir conhecer melhor o braço da guitarra… isso não é complicado?
Mário: É. Daí eu ter feito isso. O braço é sempre da mesma maneira então eu pensei preciso de o decorar. Desligava as luzes, contava os traços ao início, até encontrar os primeiros acordes, e a partir daí pensava e contava mentalmente onde é que poderia tocar. Metia músicas a tocar para tocar por cima delas, para poder decorar o braço da guitarra mais facilmente e até treinar escalas. Mas era com as luzes apagadas.
 
O que é que o conservatório vos deu que vos é essencial agora?
Rodrigo: O conservatório ajudou-nos bastante, principalmente no coro e na formação musical. O que está presente nos ÁTOA, as harmonias de vozes e a composição… a formação musical ajudou bastante na composição, o coro ajudou nas harmonias de vozes e, claro, nos instrumentos individuais também. Essa formação está a ajudar bastante agora e ajudou a impulsionar isto tudo.
Gui: Por acaso é curioso, é quase uma bola de neve. Às vezes meto-me a pensar… se eu, o João e o Rodrigo não tivéssemos andado juntos no conservatório, será que tínhamos começado o projecto ÁTOA os três? Quando andávamos no conservatório nunca íamos pensar em fazer uma banda e tentar alcançar o mundo da música profissional. Ninguém pensava nisso e é engraçado que fomos buscar amizades do passado para fazer uma cena no presente. Sem conservatório, as coisas eram bastante mais difíceis e, em vez de compor uma música mais facilmente e procurar aquela harmonia e aquela melodia, se calhar, só aí, seria só por inspiração e era muito mais difícil. Acaba por facilitar muito.
 
Decidem começar a levar aquilo que estavam a fazer como banda um bocadinho mais a sério e conhecem o Tradiio, participam e conseguem ganhar um desafio. O que esperavam daquilo no início?
João: Inicialmente, queríamos ter uma oportunidade que não tínhamos nesta fase do projecto que era gravar um vídeo com mais qualidade, um vídeo profissional. Era uma coisa para a qual não tínhamos meios e também não tínhamos disponibilidade para investirmos.
Gui: Acho que nem fazia sentido numa fase daquelas estar logo a investir num videoclip, mas surgiu a oportunidade de ter um videoclip grátis.
João: Como não havia grandes ambições, não íamos estar a fazer grandes investimentos. A Tradiio era uma forma. Tínhamos de trabalhar a nossa música, chegar a algum lado, e as pessoas tinham que acreditar na nossa música, até porque o conceito da Tradiio é esse mesmo: as músicas sobem no jogo e ganham consoante a fé que o público, o apostador, tem nessa música. Aí, tínhamos uma oportunidade de gravar um vídeo. O que torna esta história engraçada é que nunca chegámos a ganhar esse vídeo. Ganhámos um outro, o Lusco Fusco. Entrámos a meio de um mês e ganhámos o vídeo de uma semana e aí ficámos em 1.º lugar, com uma diferença abismal. Estávamos nos 50 primeiros lugares e chegámos à Universal. Entretanto nunca mais fizemos nada [na Tradiio] porque não tivemos mais músicas para disponibilizar lá.
 
E agora tiveram oportunidade de gravar as vossas músicas. Qual é a sensação de gravar as vossas músicas?
João: Como diz no nosso Facebook, um dos nossos objectivos é fazer boa música em português e conseguir agradar a muitas pessoas. A “Distância” e “Falar a Dois”, que são as duas músicas que temos para avaliar o nosso sucesso, seja grande ou pequeno, só nos dão motivos para nos sentirmos orgulhosos. Cada uma à sua maneira, as duas conseguiram — e estão a conseguir — conquistar um lugar na música portuguesa. A “Falar a Dois” continua a tocar, as pessoas conseguem ouvir sem ir à procura; a “Distância” cada vez tem mais visualizações, está cada vez a crescer mais, portanto as pessoas procuram-na.
 
Já está com 900 mil visualizações no Youtube…
João: Sim, estamos com perspectiva de chegar ao milhão antes do Natal [acabaram por chegar a esse número no dia 30 de Novembro, a entrevista foi feita a 18]. A “Distância” é o 2.º single de uma banda que começa com zero gostos no Facebook, não vem de lado nenhum… vem do Alentejo, quem conhece é a família e os amigos. Acho que antes de lançarmos o “Falar a Dois”, se apontar que tínhamos 600 gostos na página do Facebook, é muito, estou a abusar. Os ÁTOA são os ÁTOA oficialmente quando lançamos o videoclip do “Falar a Dois”. Três meses depois sai a “Distância” e seis meses depois está a chegar ao milhão. Acho que podemos ficar orgulhosos com o percurso que os nossos dois singles estão a fazer agora.
Como é o processo criativo? Têm todos influência na composição?
Gui: Nós todos escrevemos. Efectivamente, neste momento, os compositores mais activos sou eu e o João mas todos nós compomos. Quando a música está composta do início ao fim chegamos ao estúdio e dizemos tenho esta música e vamos trabalhar nela e começamos na produção inicial, enquanto banda, e aí cada um mete o seu cunho, até porque temos backgrounds e gostos musicais diferentes.
 
Eu ia mesmo chegar aí! Como é que, gostando de coisas tão diferentes, chegam a algo tão harmonioso?
Gui: Acho que é retirar o bom de cada gosto individual e incluir nos ÁTOA e é isso que o nosso álbum acaba por transmitir às pessoas. Os ÁTOA não têm um estilo vincado, não é apenas um estilo. Por exemplo, a música clássica é só música clássica e não se toca mais nada. Os ÁTOA, com este disco, querem mostrar a diversidade às pessoas e provar que nós não gostamos apenas de um estilo de música, gostamos de fazer vários estilos de música juntos num só estilo de música que é o dos ÉTOA.
 
E por falar em gostar de estilos musicais diferentes… ouvi dizer que, por vezes, nos ensaios, vos sai algum cante alentejano.
Gui: Nos ensaios e nos concertos também! Como costumamos dizer: podem tirar-nos do Alentejo mas não tiram o Alentejo de nós. Normalmente, na estrada, o cante vem sempre ao barulho, é inevitável. Surge sempre um cante, nem que seja só uns quinze segundos.
 
É também uma forma de continuarem ligados à vossa terra?

Gui: Sim. E como o Rodrigo estava a falar há pouco na questão do conservatório e das harmonizações, o nosso estilo de música, pelo facto de ter muitas harmonizações, acaba por ir buscar um bocadinho do que é o cante alentejano. No nosso estilo de música trazemos um bocadinho das nossas raízes, do Alentejo.

Costumam chatear-se?
Gui: Sim, acho que como todos… além de colegas de trabalho, enquanto banda, também somos amigos e os amigos também se chateiam. Temos as nossas zangas como qualquer pessoa tem… mas são coisas que se resolvem em 5 minutos e quando damos por nós já estamos todos a gozar uns com os outros.
Mário: Nem são zangas, zanga é outra coisa. Até porque nem temos motivos para isso. Às vezes pode haver opiniões diferentes e é importante chegarmos a um consenso. Podem haver três opiniões completamente diferentes dentro dos ÁTOA e o que acontece é nós discutirmos construtivamente até chegarmos a uma conclusão. Pensa nisto como um casamento a quatro. Estamos sempre a brincar. Somos muito sinceros uns com os outros. Se eu achar que o Guilherme está com o cabelo horrível eu vou dizer-lhe. Somos muito sinceros e faz com que não haja zangas porque não há espaço para isso.
 
Como é que foi fazer este álbum?
Mário: Quando fomos para o Porto já tínhamos mais do que pensado, já estava mais do que definido o que havíamos de gravar. Aconteceu que uma das músicas, o “Segue o Teu Caminho“, foi feita até à última. Gravei o baixo e assim que acabasse de gravar íamos embora para Évora. Foi mesmo até à última! Tivemos muitas experiências, estávamos numa cidade diferente para nos inspirarmos… foram duas semanas diferentes e fizemos muitas loucuras. O Guilherme gravou algumas músicas de boxers, eu e o Rodrigo saltámos da ponte D. Luís… foi diferente.
 
Quando chegaram ao final, pensaram na reacção que as pessoas poderiam ter?

Gui: O receio aumenta mais, efectivamente, até ao dia 20 de Novembro [dia em que foi o lançamento do álbum]. Esse será o dia em que esse receio pode abalar ou pode piorar. O nosso álbum pode ser considerado um álbum lançado de forma segura ou um álbum bastante arriscado: seguro porque tem bastantes estilos, mas também pode ser bastante arriscado porque tem demasiados estilos diferentes e as pessoas podem ficar um bocadinho confusas. O objectivo deste álbum é mesmo mostrar o que é que os ÁTOA conseguem fazer, o que é que são. Acho que pode agradar a todos os gostos possíveis. O receio vai aumentando. Acho que a cada dia que passa estou mais receoso… tu estás contente com o trabalho feito no álbum mas depois sabes que o teu trabalho, enquanto artista, depende do gosto do público e não sabes se as pessoas vão gostar ou não. Um ano de trabalho está dependente de um disco e esse disco está dependente do gosto das pessoas.

Mas, até agora, têm tido boas reacções [o álbum saiu em exclusivo no MEO Music, uma semana antes do lançamento oficial]…
Gui: Desde que saiu no MEO Music temos tido reacções bastante positivas e isso tem sido um alívio.

E isso ajuda a terem uma noção do que pode vir aí…
Gui: Dá-nos um feedback… pode ou não despertar um interesse no público, pelo restante trabalho. É totalmente compreensível que, tendo apenas duas músicas no Youtube, lançando o álbum, as pessoas pensem não conheço o trabalho deles, não sei o que é que eles têm mais… vou comprar o álbum para ouvir duas músicas? Acho que o MEO Music facilita bastante. 

As redes sociais também vos ajudam nisso…
Gui: Felizmente as nossas redes sociais têm aumentado a nível de pessoas a seguir-nos e a comentar. Isso para nós também é bom; sabemos sempre o lado do público e fazemos o nosso trabalho em função disso. Um trabalho de artista depende muito da opinião do público e as redes sociais facilitam isso. De vez em quando há sempre alguém que dá uma opinião sobre qualquer coisa…

Eu sei que vocês tentam responder praticamente a tudo…
Gui: Sim, sim, tentamos ao máximo manter os nossos seguidores por perto. São eles que fazem com que tudo isto aconteça.

É também uma forma de agradecimento da vossa parte?
Gui: Claro que sim!

Com todo este sucesso, não têm receio de deixar de ter os pés no chão?
Gui: O mundo da música é um mundo que muda bastante, pode ser do oito ao oitenta. Nós sendo miúdos de 18, 19 anos… é a idade da maluqueira, o pessoal quer é divertir-se e aproveitar a vida ao máximo. Nós sempre conversámos que subir demasiado alto às vezes não é assim tão bom. Às vezes é preferível subir degrau a degrau e manteres os pés assentes na terra a estares a subir muito alto para depois a queda ser trágica e correr bastante mal. Acho que temos tido os pés assentes na terra. O início dos ÁTOA e termos oportunidades fantásticas impingiu em nós uma certa responsabilidade, quase uma injecção de medo para ver qual seria a nossa reacção e acho que o álbum vai ser o desfecho de tudo isso.

O que diferencia os ÁTOA?
Mário: Nós temos um baby John! (risos)
Rodrigo: Somos genuínos e o álbum reflecte isso.
João: Há uma coisa que é um pouco bruta mas não podia dizer melhor o que os ÁTOA têm de que os torna únicos: as onze músicas que temos no álbum. Mesmo que seja parecido a isto ou aquilo é nosso, foi feito por nós.

Quem é o menino d’ouro da banda?
Mário: É o João!

E o mais inquieto?
João: Inquieto no sentido de inquieto é o Mário, no nosso sentido de inquieto é o Guilherme.

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Entrevista também disponível aqui

 
Fotografias gentilmente cedidas pela Universal Music Portugal

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