Havia uma grande possibilidade de eu me desiludir de forma épica. Há anos que queria ler Just Kids. Há anos que lia recomendações sobre o Just Kids. Há praticamente dois anos que a edição da Quetzal habitava na minha estante. Acho que fui adiando a leitura precisamente por saber que as expectativas estavam demasiado elevadas. Então, depois de uma pesquisa intensa para um trabalho dedicado à Patti, decidi que não importava se me desiludisse à grande: e foi assim que tive uma experiência espectacular, digna de cinco estrelas e de um livro que figurará certamente nos favoritos de 2022… e da vida.
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Trigger warning:
abuso de substâncias, luto, aborto.
Patti e Robert
Just Kids é um livro de memórias escrito na primeira pessoa, mas que não se foca unicamente na Patti Smith. Em vez disso, é a Patti a narrar a sua vida com Robert Mapplethorpe, nos anos 60 e 70, desde o momento em que se conheceram até à morte de Robert, já nos anos 80.
Apesar de ter o nome da Patti presente da memória desde sempre — ou, pelo menos, parece desde sempre — acho que tenho Mapplethorpe muito mais vivo na mente, provavelmente por causa daquele episódio de Gossip Girl em que a Lily van der Woodsen diz que foi fotografada por ele. Ainda assim, só tinha consciência de que ele fotografava nus e retratos. Sabia pouco da vida deles.
Depois de terminar o livro tive a pontaria de estar disponível na RTP Play o documentário Mapplethorpe: Look at the Pictures, de 2016, que quase serve como complemento a uma versão do Robert que vai além do Robert-da-Patti. As várias imagens mais ousadas e hardcore que Patti menciona no livro podem ser vistas no documentário (que não é para todos).
Mas voltando ao Just Kids.
Quando se conheceram, Patti e Robert tinham pouco mais de 20 anos e estavam a tentar ter uma vida em Nova Iorque. Aquela Nova Iorque da década de 1960 aonde os artistas chegavam sem dinheiro e iam lutando e trabalhando para ver as suas obras chegar a algum lugar. Adoro relatos dessa época. Acho-os tão corajosos. Hoje em dia, ninguém se mudaria para Nova Iorque assim. Bem, nem para Nova Iorque nem para lado algum.
Mas juntos, a descobrirem-se e a descobrirem os seus caminhos, lá se vão aguentando, nem sempre com dinheiro, nem sempre com facilidade, mas sempre com algo importante presente: a arte. Sempre a arte.
Just Kids: uma história de amor
Se tivesse de definir Just Kids numa palavra escolhia uma muito simples: amor. A Patti de Just Kids está a tentar encontrar a sua voz e o seu lugar no mundo ao mesmo tempo que Robert tenta compreender-se e entender a sua sexualidade. Os trabalhos artísticos nem sempre são reconhecidos, mas, no final do dia, Patti e Robert têm-se um ao outro. Mesmo quando a relação amorosa termina, aquilo que os liga é amor, um tipo de amor diferente, e é tão bonito.
O livro está escrito de uma forma muito apelativa e quem lê cria logo uma relação de proximidade com Patti e com Robert, como se fossem nossos conhecidos. Talvez por isso, perto do final do livro, quando Robert está doente, internado com complicações de SIDA, fica aquele friozinho na barriga. Eu sabia que ele ia morrer, mas ao longo do livro fica sempre aquela vontade de, quem sabe, pode ser que ele não morra.
— Fizeste-me ganhar o dia, Patti — disse-me ele antes de desligar o telefone. Ainda o ouço a dizer isso. Ainda agora o ouço.
Para mim, o momento mais emocionante, em que realmente caíram lágrimas, foi o da citação acima. Sabemos que Robert vai morrer, sabemos que não foi uma relação fácil, sabemos que se afastaram, mas aquele amor que guardam um ao outro é tão bonito, tão único. Aquele momento mostrou tudo: o amor, o luto, a amizade.
Já se sabe que eu gosto muito de textos com dimensões biográficas, por isso vou lendo algumas biografias, livros de memórias e ensaios e acho que, até agora, li poucos tão honestos e bonitos quanto Just Kids. A melhor parte é que senti que posso recomendar este livro a qualquer pessoa porque não é obrigatório ser fã da Patti ou de Mapplethorpe para conseguir criar uma relação com a história. Ainda não sei qual será o próximo livro escrito pela Patti que lerei, embora esteja inclinada para o M Train, no entanto acho que as expectativas agora não estão tão elevadas: será muito difícil ultrapassar isto, Patti.
Outros livros da autora
Além deste, há mais três livros da autora traduzidos para português: M Train, Devotion e The Year of The Monkey.
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Título original: Just Kids
Título em português: Apenas Miúdos
Autora: Patti Smith
Ano: 2010 (PT: 2011)
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Estou a lê-lo e a gostar imenso da experiência. Ainda não avancei muito, mas essa ligação com eles é, de facto, imediata. De repente, é como se estivesse numa mesa de café, a escutá-la e a percorrer com ela todas estas memórias