Eu nunca fui muito de poesia. Nem de a ler nem de a escrever. Claro que tentei escrever alguns poemas na adolescência e claro que lia poemas nas aulas de Português. No entanto, nos últimos anos tenho encontrado um certo refúgio em poesia — na leitura de poesia, vá. Inicialmente, acho que atribuí aos livros de poesia uma função simples e reduzida: eram livros para limpar palato, aqueles livros que lemos entre leituras quando não sabemos muito bem o que ler a seguir. No entanto, apercebi-me recentemente de que a poesia tem uma nova função na minha vida. A poesia passou a ser o meu género literário de lidar com doses baixas de ansiedade.
Não sei como não percebi isto antes, mas no final de fevereiro, enquanto pegava no Time is a Mother, do Ocean Vuong, esta brilhante conclusão abateu-se sobre mim. Novamente numa fase introspetiva, reflexiva e de muita ansiedade, além do refúgio natural nos livros, naquela noite precisava mesmo de poesia. Aquilo que fazia a poesia ser a minha leitura entre leituras era o facto de, normalmente, os livros deste género serem curtos e não exigirem o mesmo tipo de investimento de um livro de ficção literária ou de uma biografia. Não tendo de acompanhar uma história do início ao fim, torna-se uma leitura mais rápida para mim. Pronto, também deve ajudar o facto de eu não perder demasiado tempo a tentar tirar significados daquilo que leio. A interpretação do momento é aquela que prevalece e pronto.
Apercebendo-me da forma como lido com a poesia, apercebi-me também de que estes fatores são os que me fazem pegar — de forma quase inconsciente — na poesia quando me sinto ansiosa. Pronto, estamos a falar num ponto de ansiedade em que ainda consigo ler, não é? Muitas vezes tenho a mente a mil, não consigo ler prosa, no entanto consigo ler poesia e sinto que a cada verso vou acalmando os pensamentos. Se calhar não era bem isto que os poetas tinham em mente, mas a verdade é que ajuda e, se ajuda, não se mexe em equipa vencedora. Claro que há, depois, fases em que simplesmente não dá para ler e pronto. É aceitar.
Apesar de ter encontrado o lugar da poesia na minha vida, continuo a não ter lugar para grandes textos de apreciação poética. Sinto que não sei escrever sobre poesia da mesma forma que não sei escrever poesia — ou talvez ainda saiba menos escrever sobre poesia, por isso é mesmo raro eu me dedicar a escrever sobre os poemas que leio. No entanto, vou abrir uma exceção e partilhar um bocadinho dos últimos cinco livros de poesia que li — quatro deles em 2022.
Ideias rápidas sobre os últimos 5 livros de poesia que li
Paixão, Maria Teresa Horta
Lembro-me perfeitamente da situação em que comprei este livro. Era final de maio. Tínhamos discutido no dia anterior. Eu estava na Bertrand e ia comprar o A Little Life, mas decidi dar uma volta pela secção de autores nacionais. Nota-se que estava num mood muito peculiar porque vi este livro, peguei nele, abri numa página aleatória e decidi que ia trazer unicamente baseada num poema — e talvez no facto de ele ter mandado uma mensagem enquanto eu o lia? Não sei bem. Sei que o li numa viagem de autocarro até Celorico, umas semanas depois, quando já tínhamos recuperado daquela discussão, mas estávamos a iniciar aquela fase estranha em que eu não sabia o que estava a acontecer só sabia que ia dar asneira. Nunca tinha lido Maria Teresa Horta a solo e fui arrebatada por estes poemas. Sente-se realmente paixão quando se lê Paixão.
letters to the person i was, Sana Abuleil
Seguimos a onda de livros que eu escolho quando estou destroçada. No final do verão, não me lembro bem como, dei por mim em listas infinitas de livros excelentes para ler quando se está de coração partido. Um desses livros chamava-se letters to the person i was e eu nunca tinha ouvido falar dele, mas uma pesquisa rápida fez-me achar que era uma leitura interessante e acabei por o comprar a 2 euros na Kindle Store nos últimos dias de agosto (não compro na Kindle Store desde aí, por acaso). Só o li um mês depois, convicta de que já estava ótima do coração. É um livro um bocadinho difícil de ler porque fala muito de luto, de perda, de dor, no entanto torna-se muito mais fácil quando encontramos poemas que nos atingem em cheio… como me aconteceu. Se o recomendaria facilmente? Nem por isso. Mas acho que quem gosta de Rupi Kaur talvez goste deste livro, porque alguns poemas pareciam vindos dela.
And I Still Rise, Maya Angelou
Tinha comprado o ebook há mais de um ano quando decidi pegar nele. Era final de novembro, a vida estava uma confusão, e a poesia ajuda a não pensar tanto. Foi o meu primeiro contacto com a escrita da Maya Angelou e, sinceramente, arrependi-me um pouco. Acho que preferia lê-la primeiro em prosa. A poesia dela é a mais complexa das que incluo aqui, embora muito bonita também. É um livro um bocadinho interventivo e que se calhar, dada a minha fraca capacidade poética, não aproveitei tanto. No entanto, sei que me irei aventurar noutras obras da Maya Angelou.
Night Sky with Exit Wounds, Ocean Vuong
Não sei se sou só eu, mas os livros de poesia do Ocean Vuong parecem continuações do On Earth We’re Briefly Gorgeous. Parece que todos se ligam, que a prosa e a poesia dele só sabem viver em conjunto, numa dança eterna entre ambos. O Night Sky é de uma beleza inacreditável e foi uma leitura de que gostei muito e que trouxe uma certa paz quando tudo o resto estava em guerra e eu estava a stressar por ser a semana do Natal e eu simplesmente estar exausta.
Time is a Mother, Ocean Vuong
A escrita de Ocean Vuong é sempre irrepreensivelmente bonita, no entanto sinto que não me liguei tanto com este livro como com o Night Sky… acontece. Senti uma certa continuidade entre este e o anterior, mas simplesmente não consegui que a beleza me absorvesse da mesma forma que me tinha absorvido com o anterior. Li-o este ano, há poucas semanas, e mesmo não sendo uma leitura que me fascinou, continuo a dizer que ler Ocean Vuong é uma boa ideia.
Sei que sou suspeita, mas acho que a beleza do poesia é mesmo essa: abrir-nos os braços para desligarmos do mundo, mas sem a exigência de acompanharmos uma história. Embora os versos tenham um verso condutor, a tua interpretação estará menos condicionada.
Durante muito tempo, senti que escrever poesia não era para mim. E acho que isso também se deve à imagem que criamos em relação a este género, porque parece complexo, quase inacessível. Hoje, não sei se sei escrever poesia, mas sinto que fazê-lo me preenche.
Que publicação tão pertinente, Sofia 💙
Confesso que não é o meu género de leitura preferido.😃