É uma história tão velha quanto o tempo. Estás a conversar com alguém, tudo corre bem, há uma boa química e, de repente, puf, fez-se Chocapic! Que é como quem diz: a outra pessoa desaparece. A última mensagem fica infinitamente sem resposta, os planos não acontecem e tu ficas a questionar-te, com uma grande tentação em chamar ghostbusters. É isso mesmo: Hoje vamos falar sobre ghosting.
O que é o ghosting?
Comecemos por definir conceitos. O que raio é o ghosting? É uma técnica de terminar uma relação (seja de que carácter for) repentinamente, sem qualquer tipo de explicação ou de aviso. Implica que, posteriormente, esta pessoa ignore todas as tentativas de comunicação que lhe sejam dirigidas.
Fiz questão de frisar o pormenor de ser algo que termina qualquer tipo de relação porque eu já tive uma amizade de anos a terminar com ghosting, já ouvi relatos de namoros de meses ou anos terminarem assim e, claro, nas relações casuais ou até quando as pessoas se estão a conhecer isto acontece. Muito. No fundo, a outra pessoa desaparece do mapa. Evapora.
No TikTok às vezes aparecem-me vídeos meio na brincadeira que introduzem um novo termo que eu adoro: zombing, que é quando quem deu ghost volta do mundo dos mortos passado alguns meses. Adoro o termo. Mas, antes de voltarem, eles desaparecem. E é por aí que vamos começar. Vou contar-te três histórias de ghosting. Espero que não tenhas medo de fantasmas.
Quando uma amizade de oito anos terminou com ghosting
Apesar de o objetivo desta série ser falar da vida nas dating apps eu tinha de começar por aqui. Recentemente, depois de uma sessão de terapia, percebi que esta foi a minha primeira experiência com ghosting e também é o motivo para eu não comprar prendas de aniversário e de Natal com mais de um mês de antecedência.
Eu vivia em Lisboa e estava prestes a sair da cidade pela última vez. Nos dois anos anteriores tinha andado num vaivém e aquela ia ser a última vez. Estava cansada de viver em Lisboa, queria sair. Fiz as malas e comecei a preparar a mudança. Havia um detalhezinho: tinha muitos livros. Enviei alguns por correio para casa da minha mãe, mas, no final, sobraram uns que já não cabiam na mala.
Fui deixar algumas coisas — cenas de casa — a casa deste meu amigo e pedi-lhe para me levar os livros no Natal, que era uns dias depois. Depois combinávamos, até porque tínhamos prendas de Natal para trocar. Bem, pelo menos eu tinha. Dois meses e tal antes tinha comprado a edição de bolso de Breve História de Quase Tudo, do Bill Bryson, para lhe oferecer. Achei que era o livro ideal: tinha muita cultura geral, explicava um bocadinho de tudo, e este meu amigo gostava de saber um pouco de tudo.
Veio a semana do Natal. Obviamente o dia de Natal não dava. Precisava de fazer a troca. No dia 27 de dezembro enviei uma mensagem a perguntar quando podíamos combinar para lhe dar a prenda de Natal e reaver os meus livros. Passaram anos e eu ainda não sei quando é que podemos combinar para lhe dar a prenda de Natal e reaver os meus livros.
Não estou a brincar. Isto aconteceu mesmo. Meio ano depois eu interrompi o ghosting e perguntei se ele tinha os meus livros em casa da mãe dele. Ele disse que sim. Combinei com a mãe dele e fui buscá-los. Sorteei o exemplar do livro do Bill Bryson no aniversário do blog. Deixei de o seguir nas redes sociais e tirei-o dos meus seguidores também. Does a scorpion sting when fighting back? They strike to kill and you know I will…
Quando vim para o Porto recebi uma mensagem dele no Instagram a dar-me os parabéns por ter conseguido. Agradeci. E continuei a minha vidinha. Não sei o que motivou aquele corte e, honestamente, não sei se ainda quero saber. No entanto, sei o que motivou o facto de eu não ter lutado para contrariar o que estava a acontecer: you know when it’s time to go. Durante os anos anteriores eu tinha notado que esta amizade parecia só funcionar quando eu estava em Lisboa, o que é meio ridículo. Mas parecia só funcionar assim. E se eu não pretendia voltar para Lisboa então dificilmente ia haver esforço para manter a amizade. E uma pessoa não pode esforçar-se sozinha. Isto é uma lição para todo o tipo de relações. Não podem ser relações unilaterais.
Quando o mesmo gajo me deixou pendurada não uma mas duas vezes…
Eu ia chamar-lhe Jake, porque juro que me fez lembrar o Jake Gyllenhaal — o Jake Gyllenhaal faltou à festa de anos da Taylor. No entanto, depois do episódio anterior, decidi que ele não merecia um nome tão normal. Não, não. Ele merece um nome especial: boys, girls and non-binary pals, apresento-vos o Gasparzinho. Sim, sim, como o Casper, o fantasma.
Para explicar o contexto em que o Gasparzinho surge na minha vida tenho de falar primeiro do Carlitos. Por esta altura talvez já tenhas percebido que eu e o Carlitos tivemos uma situationship complicada. Na altura em que o Gasparzinho e eu damos match no Tinder eu e o Carlitos estamos no início daquilo que viria a ser o meu sad girl summer. O Carlitos anda numa de me tentar meio que manipular. Acha que eu não estou a cumprir bem a cena de sermos casuais e que devia sair mais. Primeiro, eu não tenho tempo para sair. Segundo, eu não tenho vontade de sair. Mas como lhe quero mostrar que faço o que quero quando quero converso com alguns rapazes, ele é que não sabe. Combino um encontro com um. O tal que não aparece, do qual falei no episódio 3. E começo a falar com o Gasparzinho, que é dois ou três anos mais novo do que eu — uma novidade.
A minha abordagem ao Gasparzinho é uma abordagem a pés juntos, mas da qual me rio logo a seguir. Começamos a conversar no Tinder. Passamos para o Instagram. Ele é giro, parece inteligente e tem sentido de humor. A conversa flui, acho-o interessante e, honestamente, parece demasiado bom para ser verdade. Parece? Era.
Combino algo com ele. Não é o tipo de abordagem que eu teria com alguém que acho interessante, mas eu estou apaixonada pelo Carlitos, por isso sei lá o que estou a fazer com a minha vida. Quero coisas que não posso ter, por isso espero que tentar conhecer pessoas me faça esquecer que estou prestes a queimar-me.
O Gasparzinho aceita. Combinamos horas. Tudo certo… só que ele não aparece. Nem uma mensagem. Nada. Não é o ghosting comum. Ele continua a seguir-me no Instagram. Não percebo, mas também não me apetece perguntar. Tenho de me preocupar com uns dos vários ensaios académicos que preciso de escrever. Na madrugada seguinte chega uma mensagem dele. Diz que se acobardou. Fico tão confusa que não sei como responder. Pergunto porquê. Explica-me que não tem muita experiência e que achou que eu ia querer algo mais do que ele conseguiria corresponder. Eu, com toda a minha sabedoria, dou uma de psicóloga (algo que farei muitas vezes depois, com muitos outros) e explico-lhe que ele tem de expressar as suas dúvidas e medos antes de combinar algo. E explico que existe uma coisa chamada consentimento. Não acontece nada com ninguém sem consentimento.
Tudo okay. Conversamos mais um bocadinho. Eu acho genuinamente que ele é um gajo porreiro, mas terrivelmente inseguro. A conversa vai morrendo e passamos semanas sem falar. Até que vem setembro. Eu e o Carlitos estamos num patamar estranho. Deixámos de falar, voltámos a falar, eu não confio nele. Desta vez isto não tem nada a ver com ele. Respondo a uma história do Gasparzinho e, a partir daí, voltamos a conversar. Novamente: não consigo conceber que tenhamos uma química tão fixe na internet e não saibamos se conversamos assim fora dela. Combinamos um café. Temos lugar pensado. Temos backup para o caso de chover. Temos temas que queremos abordar. Temos uma conversa imprópria para crianças no dia anterior, mas prometemos estar no nosso melhor e garanto que é mesmo apenas um date para conversar porque é um desperdício darmo-nos tão bem na internet e não sairmos cara a cara.
Vou ser muito sincera: eu achava realmente que podíamos conhecer-nos, conversar e mesmo que não desse em nada podíamos ficar amigos. Via vários pontos em comum entre nós, achava-o interessante e promissor. Só que chegou o dia em que nos íamos encontrar. Tinha de sair do trabalho e ir ter com ele. Começou a chover durante a tarde e eu mandei-lhe uma mensagem a dizer que precisávamos do backup. Nada. Aproximam-se as 17h30. Estou a arrumar as minhas coisas e nada. Estou a ir para o carro e nada. Estou a conduzir para casa e nada. São 18h e nada. São 18h30 e nada. São 19h e nada.
Desta vez é ghosting a sério. No dia seguinte estou bloqueada no Instagram. Peço a uma amiga para ver se consegue abrir o perfil dele e ela consegue. Ele bloqueou-me mesmo no Instagram. E porquê? Não faço ideia. Estabeleci as regras direitinho e ele concordou. Não estava a combinar algo com alguém para afastar inseguranças ou para tentar atingir outra pessoa. Queria realmente sair com ele e deixar aquela coisa de ser só na internet. E fui bloqueada.
Provavelmente foi melhor assim para ambos. Mas… não é devastador? Uma vez e estava tudo okay. Duas vezes e eu só conseguia pensar que devia haver algum problema comigo porque semanas antes o que tinha acontecido era…
Quando o Carlitos decidiu começar a mostrar as suas true colors, mas true colors é a música da Cyndi Lauper
Carlitos, welcome to your tape.
O Carlitos foi um dos meus primeiros matches do Tinder. Eu dei gosto porque a primeira foto dele me fez lembrar o Drake (embora nada a ver, vamos ser justos). Ele deu gosto porque, como já contei, ele é daqueles que às vezes distribui gostos na base do desespero. Eu soube isto muito mais tarde. Fomos tomar café. Dois dias depois começámos uma situationship. Quer dizer… ele começou. Eu não sabia bem o que estava a começar.
De início, ficaram decididas duas regras importantes para aquilo que estava a acontecer entre nós. Primeira regra – não era nada sério, portanto se nos apetecesse falar ou estar com outras pessoas podíamos desde que fôssemos honestos e contássemos um ao outro. Segunda regra – se quiséssemos acabar aquilo não havia cá ghosts nem tretas do género. Éramos adultos (ele até é mais velho do que eu) portanto íamos tratar as coisas como adultos.
Durante uns meses fomos adultos dentro do possível, mas não quebrámos estas regras. Ou eu não quebrei estas regras. Algo que, agora, vejo sobre o Carlitos é que ele é um bocadinho manipulador e é ótimo a esconder verdades. Lá chegaremos.
Isto começou a descambar no fim de maio por um desentendimento perante algo que ele queria fazer e eu não. Eu disse-lhe que ele podia fazer aquilo sem mim. Ele não adorou. Houve uma pequena discussão, recuperámos. Semanas depois começa a merda do ghosting. De um dia para o outro deixo de receber mensagens de bom dia. Estava a recebê-las diariamente há meses e de repente nada. Estranho. As respostas às mensagens começam a vir cada vez mais espaçadas. Eu escrevo parágrafos inteiros, procuro referências bibliográficas, acabo um ensaio e as respostas vêm horas mais tarde. Estranho. Até que deixam de vir. Simplesmente aparece vista e mais nada. What the actual fuck, Carlitos?
Foi assim que o Carlitos arruinou algo fixe. Naquela época eu contava horas. Eu desafiava-me a não lhe enviar mensagens. Aguenta um dia, aguenta outro, aguenta mais um. Tinha de aguentar porque a cada mensagem que lhe mandava o que acontecia a seguir era sempre igual: ele via a mensagem. Ele não respondia. Eu sentia-me profundamente estúpida. Perguntava-me diariamente se tinha feito algo errado. Não sabia o que fazer, o que dizer. Como é que num dia alguém nos diz bom dia, bebé e no dia a seguir decide que não vai falar mais connosco?
Ele nunca disse que queria acabar. Passaram semanas de silêncio. Ele nunca disse o que queria ou o que não queria. Eu estiquei a corda o máximo que pude. No início do outono voltámos. Mais ou menos. Depois ele quase voltou a fazer-me ghosting. Depois eu descobri o que tinha acontecido para ele ter parado de mandar mensagens no início do verão.
I’m not that innocent
Agora que contei estas três histórias dos maiores momentos de ghosting que sofri, se calhar importa fazer uma pausa e recuperar, até porque preciso de recuperar da última.
Não acho que deixar uma conversa morrer seja dar ghosting, embora possa ser interpretado dessa forma pela outra parte. Ambos implicam deixar de responder a mensagens. A diferença talvez seja que se uma conversa morre pode sempre voltar porque pode surgir outro tema de conversa. Aliás, a conversa aí não morre: hiberna. Não é cortar contacto por completo. É simplesmente aceitar que, naquele momento, não há mais a conversar. Muitas vezes nem é deliberado. Simplesmente não há grande coisa a dizer.
Agora, ghosting é deliberado. É decidir que não se responde mais e esperar que a outra parte compreenda a mensagem. Eu sou especialista em deixar conversas morrer. Ou, pelo menos, em deixar conversas hibernar. Às vezes não sei o que dizer, não há algo a dizer e fica assim. Maaaaas… eu também já dei ghosting.
No episódio 2 apresentei uma personagem chamada Warren, o amigo da não-monogamia. Foi o primeiro a quem dei ghost. Depois senti-me mal por o ter feito, mas, sinceramente, a conversa deixou-me tão desconfortável que em vez de explicar que não fazia sentido para mim continuar a conversar porque me sentia desconfortável eu fui pela solução fácil: não respondi à última mensagem.
Houve outro a quem já não sabia como mais explicar que não estava interessada e a quem também deixei de responder. É um caminho fácil. É tão fácil não responder a uma mensagem quando não estamos interessados em responder.
No entanto, só o consigo fazer em momentos iniciais, quando mal conheço as pessoas e mal falei com elas. Algo como o que já me fizeram não conseguia fazer. Combinar algo com alguém e baldar-me sem explicação? Já cancelei dates e até saídas com amigos muitas vezes, mas dei sempre uma justificação. Não conseguia não dar. Ter uma relação, de que tipo fosse, com um acordo mútuo, e deixar de falar com essa pessoa sem qualquer motivo, justificação ou aviso? Se algum dia fizer isso fica aqui autorização para me darem um murro.
Eu não sei lidar com ghosting
Aqui há dias li um artigo no P3, o suplemento do jornal Público, sobre um relatório que o Tinder apresentou. Este relatório conclui que a geração Z, que inclui nascidos entre 1997 e 2012, trata as relações de forma diferente das gerações anteriores. Eu sou millennial, por isso fui ver o artigo e o relatório. Aquilo que se conclui é que a gen Z é mais honesta em relação àquilo que procura e deixa isso claro desde o início até ao fim, em que há, supostamente, menos ghosting e mais honestidade a explicar o motivo para algo não funcionar.
A amostra do estudo é de 4000 inquiridos. Na prática não sei como funciona, porque também não me relaciono com esta geração nestes contextos, mas acho que a honestidade é muito importante nestes casos. Voltando aos exemplos que dei.
Se o meu amigo tivesse dito que não fazia sentido para ele continuar a ser meu amigo porque prefere amizades que vivam a poucos quilómetros dele e porque não tinha mais paciência para ser meu amigo estava tudo bem. Mas em vez disso houve silêncio.
Se o Gasparzinho tivesse dito: olha, Sofia, tu intimidas-me e queres mais do que eu quero, não estou mesmo interessado em te conhecer. Estava tudo bem. Não perdia o meu tempo.
Se o Carlitos tivesse dito: Sofia, não te estou a responder porque sou burro e fui comer outra gaja e não sei como te dizer ou Sofia, não te estou a responder porque ando aqui a brincar com a vida e quase voltei com a minha ex, mas acabei no dia a seguir, e no fundo não sei o que quero da vida… bem, já era pedir demasiado que ele fosse tão honesto. Mas estava tudo… melhor. Não estava bem, porque ele já sabia que havia sentimentos envolvidos, mas estava melhor do que eu ter passado semanas a sentir-me usada.
Ainda hoje me surpreende a forma como alguém deixa simplesmente de falar com outra pessoa de um dia para o outro sem dar uma explicação, sem mostrar qualquer tipo de sentimento. Ainda hoje debato isto na terapia. Sei que isto diz mais sobre ele do que sobre mim, mas o problema do ghosting é que diz mais sobre quem o faz, mas quem o recebe é que fica com as questões por responder, as dúvidas por tirar.
Eu não sei lidar com ghosting. Não sei mesmo. Também não tenho de saber e, por isso mesmo, como não sou profissional, não vou fingir que tenho dicas para te dar. Não tenho. Neste momento, ajuda-me muito o facto de fazer terapia, porque sei que ajudará caso, no futuro, tenha de lidar com ghosting à moda do Carlitos novamente. No entanto, espero que nunca volte a acontecer.
Para mim, é de uma cobardia imensa conhecer alguém, criar uma relação com essa pessoa, estabelecer um acordo e, de um dia para o outro, desaparecer sem uma última conversa. Somos todos crescidinhos, devíamos conseguir conversar sobre as coisas. Devíamos conseguir explicar os nossos motivos sem irmos pelo caminho fácil. Isto lembra-me um livro da Dolly Alderton, o Ghosts. É ficção, mas parece não ser. A personagem principal cria uma relação com outra pessoa e essa pessoa desaparece. Dá ghost. Que cobardia.
Ah, espera, eu usei aqui um termo… polémico: relação. Se calhar devia ter cuidado a usar estas palavras complicadas. Nunca se sabe quando estamos a lidar com alguém com fobia… acho que vou dar ghosting a este episódio…
Podes encontrar o artigo do P3 aqui.
O livro da Dolly Alderton existe com título em português: Estás aí?
Juro que não consigo entender este conceito; não consigo conceber como é que pessoas adultas chegam a este ponto. Quer dizer, consigo perceber pelo desconforto da conversa, pelo desconforto de a abrires e teres de voltar a partilhar que não te estar a sentir bem com aquele diálogo, fora isso fico sempre parva.
Dei por mim boquiaberta a ouvir estas peripécias! Por favor, escreve um livro com estas pérolas ahah
Eu acho que não está ao alcance da nossa compreensão… 😬