- Quando: 1 a 3 de dezembro de 2023
- Gatilhos: violência; luto; relacionamentos abusivos; saúde mental
Como é que se segue em frente depois de ler uma história tão envolvente e marcante quanto aquela que Elena Ferrante nos conta na tetralogia napolitana? Avancei para História da Menina Perdida com uma mistura de sentimentos. Estava feliz por ir para mais uma parte da vida da Lila e da Lenù (ainda por cima este volume é o maior dos quatro), mas já estava triste por saber que a história terminaria aqui. Não estava pronta para me despedir delas. Ainda não estou.
Em História da Menina Perdida, Lenù deixa o marido para assumir a relação extraconjugal com Nino e regressa a Nápoles. Com o regresso, Lenù e Lila aproximam-se novamente. Lila é, agora, detentora de uma empresa, juntamente com Enzo. A relação das duas estreita-se quando engravidam ao mesmo tempo. Imma, filha de Lenù e Nino, e Tina, filha de Lila e Enzo, parecem uma espécie de nova versão das mães, embora percebamos logo que não é bem disso que se trata.
Mais do que voltar a Nápoles, Lenù acaba, mais tarde, por voltar a viver no bairro. Como aconteceu ao longo dos livros anteriores, a amizade com Lila não é sempre um ponto pacífico, mas há, neste livro, uma forma diferente de ambas se encararem uma à outra. Este livro traz, também, um ligar de vários pontos e as bonecas de Lila e Lenù, aquelas que elas perdem no primeiro livro na cave de Don Achile, atingem um significado ainda maior aqui.
De repente comecei a ver a cidade, e sobretudo o bairro, como uma parte importante da minha vida da qual não só não devia prescindir, mas que era essencial para o êxito do meu trabalho. Foi um salto brusco, passei da falta de confiança a uma feliz autoestima. Aquilo que sentira como um precipício, não só adquiriu nobreza literária como me pareceu uma escolha decisiva no campo cultural e no político.
Não sei dizer, entre este e o terceiro volume, qual é o meu livro preferido da tetralogia, mas há algo em História da Menina Perdida que me agarrou com ainda mais força. Ver a Lila e a Lenù a evoluir, a formarem-se enquanto mães e mulheres completamente diferente. Ter a Lenù a lidar com a escrita quando ela própria não sabe bem que lugar ocupa no mundo. Toda a envolvência italiana, desde referências ao terramoto em Nápoles de 1980 às tensões políticas e à violência constante, está tão bem relatada.
Este livro volta, então, ao ponto de partida e explica-nos, por fim, o motivo para Lila ter desaparecido e há uma construção de narrativa que nos fazer compreender os motivos dela. Além disso, sinto que o final acaba por nos dar uma certa clareza em relação a toda a história — aqueles parágrafos finais então explicam muita coisa em relação à amizade entre a Lila e a Lenù.
Há um momento neste livro em que a Lila diz que só nos romances feios se diz sempre a coisa certa. Não acho que estes sejam romances feios, mas também não se diz nem faz sempre a coisa certa. Todas as personagens têm vários lados, não há ninguém totalmente bom nem totalmente mau.
Numa apreciação geral, tenho a dizer que gostei muito desta saga. Sinto que entramos aos poucos, com um primeiro livro mais lento, e quando damos conta já não conseguimos parar de pensar nas duas amigas, como se fossem também nossas amigas. Quero muito voltar à ficção de Ferrante, mas, para já, ainda não estou pronta para abandonar Lila e Lenù — que é como quem diz: comecei a ver a adaptação da HBO. É que sair do bairro é difícil, muito difícil…
Título original: Storia della bambina perduta
Título em português: História da Menina Perdida
Autora: Elena Ferrante
Ano: 2014 (PT: 2016)