Adalberto, o lobisomem, sofria de uma condição rara. Não, não era o facto de ser lobisomem. Isso é bem mais comum do que podem julgar. Treze por cento da população mundial é lobisomem, de acordo com os últimos lobicensos. Não, a condição rara de Adalberto era outra: em vez de ser humano e se transformar em lobo nas noites de lua cheia, Adalberto era lobo e transformava-se em homem nas noites de lua cheia. Era péssimo. Quando a lua começava a estar em quarto crescente Adalberto começava a sentir vários instintos humanos. Mas como podia um lobo ir comprar pizza ou jogar à bola? Os humanos certamente iriam fugir.
A condição de Adalberto chateava-o principalmente porque a sua personalidade de lobo era muito mais afável e simpática. Sempre que se transformava em lobo parecia que se queimava um fusível cerebral e Adalberto esquecia como ser simpático. Não sabia como ser humano e interagir com humanos.
Adalberto não sabia muito da sua história de vida, mas também não tinha como saber. Desde que se lembrava que era assim. Para quê perder tempo a pensar nisso? Tinha coisas mais importantes em que pensar: estava a chegar outra lua cheia. Esta lua cheia tinha uma particularidade especial, visto que coincidia com uma sexta-feira, treze.
Adalberto nunca vivera uma lua cheia em sexta-feira, mas os outros lobisomens que conhecia já tinham partilhado que poderia sentir uma energia diferente. Foi preparando a chegada da mítica sexta-feira, sem saber realmente o que preparar, ou como se preparar. Todos os lobisomens tinham experiências diferentes a partilhar, por isso não tinha uma base que o ajudasse a preparar-se.
Quando acordou naquela sexta-feira, dia treze, Adalberto sentia-se realmente estranho, diferente. Sentiu-se assim durante todo o dia, pelo que optou por passar grande parte do tempo a dormir. Foi por estar a dormir que não sentiu o processo de transformação acontecer. Quando acordou, ao pôr-do-sol, percebeu de imediato que algo estava errado. Não se tinha transformado em homem. Não se tinha mantido lobo. Não, desta vez estava completamente diferente.
Levantou-se e olhou para o corpo que tinha. Tudo nele estava diferente. Tudo nele lhe era estranho. Pela primeira vez, Adalberto não se tinha transformado em homem. Nesta sexta-feira, treze, Adalberto seria mulher.
Adalberto sabia pouco sobre mulheres e ainda menos sobre ser uma. Como era um lobisomem novo, não conhecia sequer muitas mulheres, lobas ou lobimulheres. Teria de se orientar sozinho. As roupas que tinha não eram femininas e, do que se lembrava de ver noutras mulheres, sabia que não eram, certamente, muito comuns para mulheres, mas teriam de servir para aquela noite.
A camisa que tinha ficava-lhe tão grande no corpo de mulher que decidiu que iria usá-la como vestido, com um casaco qualquer por cima. Não era homem assim tanto tempo por ano, pelo que o guarda-roupa era limitado. O grande problema estava no calçado: tudo o que tinha ficava agora muito grande. Calçou todos os pares de meias e conseguiu segurar umas sapatilhas, com alguma dificuldade, e saiu para a noite.
Enquanto caminhava à procura de outros seres continuou a sentir-se estranho. Ser mulher era estranho. Finalmente chegou à Associação de Protecção dos Lobisomens. Quando entrou reconheceu vários lobisomens, mas em troca recebeu apenas olhares surpreendidos e curiosos. Ninguém o reconhecia, claro. Nunca tinha sido mulher.
Ser mulher na comunidade de lobisomens não era surpresa. Um terço da comunidade era lobo, outro terço era loba e o resto não se identificava particularmente com nenhum dos dois, embora tivessem obviamente instintos mais ligados a um dos géneros.
Adalberto aproximou-se do seu grupo de amigos. Todos estavam surpreendidos ao ver uma figura feminina aproximar-se.
— Sou eu, o Adalberto. — explicou. Tudo naquela frase soava estranho dito por aquela pessoa.
— Berto! Transformaste-te em mulher? Como é que foi? Como é que te sentes? Deixa ver como és por baixo da roupa! — pediram todos.
— Estou com uma grande vontade de vos pregar uns estalos valentes a cada um e não sei porquê. — afirmou Adalberto. Os outros riram.
— Explica lá o que aconteceu e deixa-te de coisas.
— Não sei o que aconteceu. Acordei a sentir-me estranho, passei o dia a dormir e quando acordei estava assim.
— Não é tão raro quanto pode parecer. — interrompeu o lobisomem que trabalhava ali na Associação. — A sexta-feira, treze, é poderosa e com a lua cheia ganha ainda mais poderes. Normalmente, dá a cada lobisomem ou lobimulher aquilo de que ele mais precisa. No teu caso, Berto, é óbvio o porquê de te teres transformado em mulher.
— Claro! Precisas de uma lobita! — brincaram os amigos.
— Não, nada disso. — corrigiu o lobisomem da Associação. — O Berto precisa de compreender o que é ser mulher e aprender a respeitá-las. É óbvio que quando ele se transforma em homem tem atitudes terríveis com as mulheres e isto é a forma de a lua lhe mostrar que precisa de corrigir as atitudes idiotas que tem.
O grupo calou-se. Adalberto nem conseguiu ripostar. Tinha atitudes terríveis com as mulheres quando estava transformado em homem? Agora que era obrigado a pensar nisso, claro que tinha. Achava-as mais fracas. Estava constantemente a fechar portas na cara delas quando podia segurá-las apenas uns segundos. Numa noite tentava falar com o máximo de mulheres que podia para ter um poder de escolha maior. Era uma besta com as mulheres. Claro que a lua o ia castigar. Só havia uma dúvida que o assombrava.
— Eles também são idiotas com as mulheres e não se transformaram em mulher…
O lobisomem da Associação sorriu.
— A lua não ajuda os casos perdidos.
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