lembras-te de quando era fácil?

Já dei por mim a olhar para esta página em branco várias vezes. Quero preenchê-la, dizer-lhe que, mesmo quando não está tudo bem, tudo vai acabar, eventualmente, por ficar bem. Lá fora faz frio, muito frio. Temperaturas negativas. Está frio. Mas ela não vai embora. Continua em branco, continua a pedir-me que lhe dê vida, que lhe dê alguma importância. Lembras-te de quando era fácil?, pergunta-me, provoca-me. Finjo não me lembrar, finjo que ainda é fácil. Mas não é.

Costumava ser fácil, simples, tão natural como quando as mãos percorrem um corpo nu para o sentir, para o sentir ali. Costumava ser assim. Uma página nua e umas mãos a percorrem-na, a deixarem marcas, arranhões, promessas de um futuro feliz. Sempre que as mãos lhe tocavam a página arrepiava-se, um arrepio bom, de prazer, de não voltes a tirar as mãos de cima de mim. Ao arrepio seguia-se a hesitação de quem planeia um beijo mas não sabe se o deve fazer. E depois pára. Olha a outra pessoa nos olhos. Olha-a nos lábios. E beija-a. Sem mais hesitações.

Costumava ser assim. Agora há sempre aquela hesitação de quem sonha o beijo mas não o planeia. Ninguém se olha nos olhos, ninguém se olha nos lábios. Não há aquela avanço urgente mas cauteloso em direcção ao outro, não há aquele primeiro toque. Ninguém empurra ninguém contra uma parede e se aproxima. Depois ninguém respira para o pescoço de alguém e faz os lábios tocarem suavemente a pele. Afastam-se. Novamente a olharem-se nos olhos, depois nos lábios. Aproximam-se e deixam os lábios tocar-se. Primeiro com calma, depois numa urgência ridícula, de vida ou morte.

Já foi mais fácil. Pois já. Muito mais. Mas também já foi menos real, muito menos. E agora vêm os arrepios, do frio e daquela sensação de que finalmente sabes onde está o teu coração. Agarra-lo com força, bem apertadinho para não ter frio, e sussurras-lhe que vai voltar a ser fácil. Quando assim tiver de ser.

6 Replies to “lembras-te de quando era fácil?”

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