São cada vez menos as madrugadas, mas elas vão existindo. Aquelas madrugadas em que dás por ti e já é uma da manhã e tu continuas a fazer scroll no feed do Facebook e do Twitter, a ponderar se vale a pena ir dormir já quando não tens nada de entusiasmante programado para a manhã seguinte. Também mereço dormir, pensas. Tentas convencer-te de que não há problema se dormires mais de manhã porque podes sempre treinar ao fim da tarde ou antes de almoço. Fechas o Facebook porque já não suportas olhar para as mesmas coisas. Ficas-te pelo Twitter. Abres a lista de leitura do Blogger, mas não há nada de novo, principalmente porque tinhas verificado a mesma lista minutos antes.
Voltas a abrir o Facebook e olhas para a janela de chat. Aquela janela que, agora, mostra quem está online, porque voltaste a activá-la. Olhas para lá e, como é óbvio, há um nome que te chama à atenção. E ficas a olhar para aquele nome, com a bolinha verde à frente. Lembras-te da primeira vez que o viste? É claro que não. Mas lembras-te da última e da penúltima e da antepenúltima e da pré-antepenúltima. A pré-antepenúltima… aquela que achaste que seria a derradeira. Abres aquela janela de chat. Não tens algo propriamente interessante a partilhar, mas começas a escrever. E assim ficas. Escreves, escreves, escreves. Já passou meia hora. Ele já entrou e saiu do chat umas três vezes. E tu continuaste a escrever. Não, desculpa, continuaste a escrever-lhe.
Sei que te vi há pouco tempo, mas tenho saudades tuas. Sinto-me patética a dizer isto assim, porque nos meses em que estive longe quase dei por mim a acreditar que não voltaria a sentir saudades tuas. Nos meses em que estive longe quase acreditei que estava curada. Sim, curada. Os Ornatos diziam que o
amor é uma doença (quando nele julgamos ver a nossa cura)
e, embora isto não seja amor, sei que a frase se pode aplicar aqui. Não, isto não é amor. Nem eu nem tu sabemos nada de amor — claro que não sabemos —, mas tenho a certeza de que isto não é amor. Ou quero ter. Sei lá eu o que é amor.
Como estava a dizer: tenho saudades tuas. Não sei porquê, nem como. Perdi conta às vezes em que abri esta janela de chat para te dizer algo. Um olá, um o que quer que fosse. Não o fiz. Encontrei muitas desculpas para ficar zangada contigo. Achei que assim seria mais fácil (o quê? Não sei bem…). Mas nenhuma desculpa era boa o suficiente, nenhuma desculpa era real. Nos meses em que estive longe passei dias a desejar estar perto, a querer que fosse simples diminuir a distância. Nesses meses, adormeci a chorar mais vezes do que aquelas que algum dia irei admitir. Sentia-me cada vez mais longe e já não me recordava da tua voz. Em todos esses meses fui-me habituando à distância.
Admito que pensei que a distância não voltaria a diminuir. Admito que pensei que nunca mais te iria ver, nunca mais te iria ouvir, nunca mais iria saber o que era sentir todos os músculos presos por não saber como reagir na tua presença, nunca mais ia ter de me controlar para não sorrir instantaneamente assim que te visse, nunca mais ia sentir o teu perfume e nunca mais ia desejar não esquecer aquele cheiro, aquele sorriso, aquelas olheiras crónicas, aquela forma tão descontraída e tão séria de ver o mundo, de me ensinar a ver o mundo.
Lembro-me das vezes em que pensei no último abraço que me recusaste. Não imaginas quantas vezes, nesses meses de ausência, desejei ter insistido. Depois lembrei-me do último abraço que me deste. E passou-me. E então a distância diminuiu. E ouvi a tua voz e senti-me arrepiada até aos ossos. E quis chorar, mas achei que era ridículo chorar com o que tinha acabado de ouvir, principalmente porque seria difícil explicar a quem estava ao meu lado o porquê de estar a chorar. E depois voltei a ver-te. E, naquele momento, todos os meses de ausência deixaram de existir. Quantos foram? Para onde foram? E agora, qual viciado que volta a ser consumido pelo vício depois de meses de reabilitação, tenho saudades tuas. Queria ter motivos para falar contigo todos os dias. Ou talvez quisesse não ter motivos para sentir saudades.
Havia uma altura ingénua da minha vida em que achava que as palavras tinham força, impacto. Mas estas palavras não valem nada. You can’t write someone to love you. É por isso que raramente te consigo escrever. É por isso que não me ouves (ou não me lês a) dizer que tenho saudades. Fazia sentido escrever-te, escrever sobre ti. Mas não quero, não consigo. Se procurar, não encontro mais de quatro ou cinco textos para ti. You can’t write someone to love you. Quem me dera que pudesse. Mas, lá está, estas palavras não valem nada. As palavras aqui não têm significado algum. Isto que escrevi aqui não tem significado. Porque nem todas as palavras do mundo poderão algum dia conseguir explicar tudo aquilo que foste e talvez ainda sejas. Nenhuma palavra tem valor quando se trata de ti. Tu vales muito mais do que elas.
E então limpas as lágrimas que escorrem pelo teu rosto há vários minutos. Sublinhas o texto que escreveste. Sentes um reconforto estranho em vê-lo ali, novamente online, como se achasses que eras a única pessoa acordada a esta hora. E, quando te preparas para apagar tudo o que escreveste, lembras-te do quanto o admiras. Lembras-te de como ele sempre te surpreendeu, de como querias julgá-lo quando o faziam à tua volta, mas só conseguias pensar no que haveria nele além daquilo que todos diziam. Lembras-te de como sempre quiseste ter aquela aparente certeza de tudo, do futuro, dos planos. E quase consegues imaginar o que seria esse futuro. Fechas os olhos, inspiras fundo e, ao expirar, carregas no delete.
Quando voltarás a escrever(-lhe) assim? Provavelmente nunca. Limpas mais umas lágrimas teimosas e sorris, estupidamente, para aquela janela de
chat. Estás nisto há uma hora. Já não vais acordar cedo para treinar. Treinas antes de almoço ou ao final da tarde. Não é grave. O treino vai dar cabo de ti quer seja às nove da manhã, ao meio-dia ou às sete da tarde. Talvez estejas arrependida de ter escrito tanto. Sentes-te sempre assim — arrependida, estranha, desconfortável — quando escreves sobre ele. No fundo sabes que não devias fazê-lo. Ele nunca será como outros. Mas escreves tão pouco sobre ele. No fundo sabes porquê.
You can’t write someone to love you. Mas também ninguém disse que isto era sobre amor.
*e que esteve mesmo para nunca ver a luz do dia.
Esta é a minha quarta participação no #BEDA2017.
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Ainda bem que viu a luz do dia, porque isto está muito bonito de uma forma muito melancólica. Simplesmente, fiquei agarrada ao ecrã com vontade de ler mais e mais as palavras que nunca «te direi». Mesmo bonito.
É sempre um gosto ler-te, Sofia. E é sempre tão perto *
Jiji
Olá! Podes encontrar no meu blog (http://hannamargherita.blogspot.pt/) uma TAG em que te nomeei. Espero que gostes e sente-te livre para responder ou não.
Adorei o post. Escreves muito bem! Estava a ouvir a música perfect do Ed Sheeran e encaixava-se tão bem aqui!
Beijinho, Ana Rita*
Adorei o teu post! Sigo o teu blog, podes seguir o meu? 🙂
http://aflormaria.blogspot.pt
beijinhos
Que texto bonito! Tinha saudades de ler algo teu neste registo, confesso!
Beijinho*
http://nouw.com/juu
Simplesmente "Uau!". Como consegues? És tão boa nisto, Sofia! Não há mais nada a dizer, para além de que me surpreendo sempre com este tipo de textos que, corajosamente, permites que vejam a luz do dia! És incrível, miúda!
LYNE
oh sofia a forma como escreves, só consigo dizer PORRA. Deixaste-me arrepiada do início ao fim, deixaste-me com o coração acelerado à espera para saber se o que estava escrito seria enviado ou não, deixaste-me presa a este post.
"Havia uma altura ingénua da minha vida em que achava que as palavras tinham força, impacto. Mas estas palavras não valem nada. You can't write someone to love you." esta frase <3 obrigada por escreveres assim com o coração nos dedos.
um grande beijinho
Vânia
Lolly Taste
Das coisas mais bonitas e relatable que li. Se tens mais textos que ainda não viram a luz do dia mas planeias que vejam, espero ansiosamente por esses dias! Parabéns Sofia!
Odeio quando me pões a chorar e a pensar no meu passado. A escrita é uma arma poderosa que por vezes usamos como desabafo. Obrigada Sofia 😉