ra·cis·mo
(raça + -ismo)
substantivo masculino
1. Teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros, baseada num conceito de raça, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria.
2. Atitude hostil ou discriminatória em relação a um grupo de pessoas com características diferentes, nomeadamente etnia, religião, cultura, etc.
via Priberam
Estou desde manhã a pensar no meu peluche do Pikachu. Eu sei, eu sei: que pensamento aleatório. Acontece que, de manhã, estava a ver algumas notícias, olhei para o peluche e lembrei-me de como ele veio parar à minha vida.
Quando eu era pequena, sei lá, com 4 ou 5 anos, tinha um amigo crescido. Foi esse amigo crescido que me ofereceu o Pikachu. Esse meu amigo passava muito tempo em nossa casa, era amigo da família e ainda me lembro de como fiquei feliz com o Pikachu (tanto que tenciono mantê-lo até ao fim da vida). Lembro agora de ouvir dizer, na altura, que: ele até é boa pessoa… apesar de ser preto.
Há umas semanas, um acéfalo, deputado da Assembleia da República, disse que uma outra deputada devia ser devolvida ao seu país de origem. A deputada é portuguesa, natural da Guiné-Bissau, e negra.
Ontem, em Guimarães, uns adeptos decidiram imitar macacos e ofender um jogador da equipa adversária. Mas não foi como todos os outros casos semelhantes que acontecem no desporto: o jogador não se deixou humilhar e respondeu muito bem.
Dizem que não há racismo em Portugal. Foda-se, imaginem se houvesse.
Síndrome Estupidez
Vivemos dias interessantes enquanto sociedade. Nunca houve tanta tecnologia, tanto conhecimento científico, tanta facilidade de acesso a informação, de comunicação e de ligação a outras partes do mundo. E ainda assim parece que estamos a perder a noção de civilização. Aquilo que aconteceu ontem em Guimarães, não sendo um caso isolado, é tudo aquilo que uma civilização não devia ter. E no entanto parecemos caminhar para um ponto em que, dada a facilidade de comunicação e proliferação de ideias, estes comportamentos e pensamentos se propagam como uma praga.
As atitudes de um grupo de adeptos do Vitória Sport Club perante o Marega foram nojentas. Infelizmente para eles, o Marega tem uma força mental incrível, capaz de, com atitude certa, fazer aquilo que poucos conseguiriam fazer. Não vou discutir aqui se os jogadores deviam ter todos abandonado o relvado, mas acho que se deve perceber por que raio os árbitros não cumpriram o protocolo e devem ser tomadas medidas para que o façam a partir daqui. Ainda não se sabem as consequências daqueles actos, pelo que não há muito a dizer sobre isso. Mas há algo que não me sai da cabeça, porque me tem andado a fazer espécie há algum tempo e desta vez não consigo ficar só a remoer no assunto.
A inércia
Sou uma pessoa de palavras e acredito no poder das mesmas. No entanto também acho que há casos em que as acções é que contam… ou as inacções. É muito fácil ficar calado, inerte, perante situações de discriminação (seja qual for). Podemos justificar essa inércia com 1001 motivos. Mas já pensaste em todas as vezes em que ficaste quieto perante racismo, xenofobia, homofobia ou mesmo machismo? Em que é que a tua atitude contribuiu para mudar mentalidades? Para te defenderes ou para defenderes os outros? Como é que compactuar com a discriminação, ficando calado, te deixa numa posição melhor porque não te metes em polémicas?
Estou farta de ficar calada. Estou farta de ver os outros calados. Por acaso foi um jogador do meu clube a ser vítima de racismo, mas isto não é sobre o Porto, não é sobre futebol: isto é sobre um acto criminoso. A discriminação racial é crime. Está no código penal.
Basta de fingirmos que não é nada connosco ou que não faz diferença pronunciarmo-nos.
Obrigada, Marega!
Por fim, resta-me agradecer ao Marega. Não há piretes suficientes nem foda-ses que cheguem para dirigir aos energúmenos racistas, mas a tua atitude foi um bom princípio. Acima de tudo, mostraste ser tão superior a eles que só consigo mesmo agradecer-te por saberes reagir perante um grupo de cabrõezinhos e por dares o exemplo. A luta contra a discriminação vai ser longa, bem vemos por aí, mas pelo menos ainda há muita gente disposta a lutar. Sem medos, sem merdas.
O Marega teve a coragem [e este nem devia ser o termo] de não permitir que lhe roubassem qualquer pedaço de dignidade. Porque nenhuma profissão é maior do que isso. Além disso, já que as entidades competentes não souberam colocar o protocolo em prática, ele não se deixou pisar.
Em conversa com colegas, algumas disseram-me que ele não devia ter abandonado o jogo, porque a melhor resposta seria ignorar. Mas cada vez mais tenho a certeza que, por muito que o silêncio faça mossa, há momentos em que não nos podemos calar. Porque isso ajuda a perpetuar este tipo de situações. Consciente ou inconscientemente, estamos a legitimá-las e a dar carta branca para que faltem consequências. E este tipo de reações têm que ser punidas.
É surreal perceber que estas atitudes ainda têm forma nos dias de hoje. Para uma sociedade tão evoluída, acabamos por deixar muito a desejar
Acho que a questão é realmente essa: se há momentos em que não nos podemos calar, este é um desses momentos. Pode não ter um efeito muito notável posteriormente, mas naquele momento fez toda a diferença e acredito que para o Marega e para todos os que já foram vítimas de racismo aquele momento foi importante.