Sabes quando algo surge na tua vida e te sentes automaticamente inspirado a dizer algo? Bem, foi o que me aconteceu esta semana enquanto ouvia um dos episódios mais recentes do Congresso Botânico, o podcast da minha amiga Lyne. Quando a Lyne começou a falar do pior que há em nós e de como há pessoas que trazem o pior que há em nós ao de cima eu senti logo que tinha de escrever sobre isto.
Há uns anos dei por mim a pensar sobre o quanto algumas das minhas amizades tinham sido absurdamente tóxicas. Se pensar em mim e nessas pessoas isoladamente não nos considero pessoas tóxicas, mas, tal como eu como chocolate na boa e a minha cadela não pode comer, há pessoas que isoladamente são perfeitamente decentes e quando se juntam com outras pessoas muito específicas criam um certo nível de toxicidade. No fundo, é preciso reconhecer que todos podemos ser um elemento tóxico na vida de outra pessoa.
Há pessoas que parecem conseguir trazer à tona o pior que há em nós. As nossas inseguranças, as nossas falhas, os nossos medos. Há pessoas que nos tornam mais necessitados, ansiosos, medrosos, possessivos. Mas não é só um problema de pessoas: também é um problema de lugares. Há lugares, ambientes, que nos tornam garantidamente piores, que parecem feitos exclusivamente para mostrar o nosso lado lunar e resgatar das trevas tudo aquilo que de pior temos para mostrar.
Sei que tive isso em muitas pessoas do meu passado; sei que tenho isso em várias relações do meu presente e do meu passado recente. Nem sempre nos apercebemos disto — ou nos queremos aperceber —, mas também nem sempre sabemos como sair destas situações em que sabemos que, em vez de nos iluminar, há algo a levar-nos para os lugares mais sombrios. Mas e o que fazer?
Não é fácil cortar ligações tóxicas da nossa vida — podem ser os nossos melhores amigos (como já me aconteceu), podem ser membros da nossa família (como também já me aconteceu), podem ser relações amorosas ou laborais (como me está a acontecer). Não se corta relações com algo ou alguém assim tão facilmente. No entanto é importante estabelecer limites, perceber os comportamentos dos outros que nos tornam piores e os nossos comportamentos que podem estar a ter o mesmo efeito nos outros. E depois tentar estabelecer um plano de ação a partir daí. Se é fácil? Se fosse não estaria aqui a escrever sobre isso.
É horrível perceber que alguém de quem gostamos nos torna piores pessoas. É horrível perceber que precisamos de nos livrar de algo de que se calhar precisamos (como um trabalho) ou de alguém que não está disposto a trabalhar uma relação para que não seja mais radioativa do que Chernobyl. É horrível perceber que a única maneira de tratar o problema é, muitas vezes, sair da situação.
Quando penso no lado mais tóxico de cada um de nós não penso sempre nas pessoas que o trazem ao de cima. Por vezes, dou por mim a pensar no quanto conseguimos ser maus e tóxicos connosco próprios. Como seguimos padrões de comportamento que já conhecemos e sabemos que nos vão fazer mal. Como deixamos arrastar situações. Como muitas vezes somos nós os nossos piores inimigos e não parecemos saber apoiar-nos incondicionalmente.
Quando penso no pior que há em mim penso em como me cobro quando mais ninguém o faz, penso em como continuo a permitir que as palavras dos outros tenham influência naquilo que penso de mim mesmo que não haja qualquer evidência de que são palavras reais, penso em como me preocupo tanto com tudo o que há na minha vida que deixo de me preocupar comigo, penso em como há uma ou outra pessoa no mundo que me conseguiram tornar a pessoa mais insegura, desconfiada e triste do mundo.
Quando penso no pior que há mim tenho a certeza de que consigo, sozinha, trazer muito do que há de mau em mim à tona, mas também tenho a certeza de que o pior só saiu sempre por dar permissão aos outros para me tratarem como querem. O nosso lado menos bom vai existir sempre, mas se calhar já estava na altura de não deixarmos que haja elementos na nossa vida que só querem alimentar-se desse lado.
Este texto foi originalmente escrito para a newsletter.