- Onde: M.Ou.Co, Porto
- Quando: 15 de setembro de 2023
Tenho perfeitamente marcado na minha memória o dia em que decidi que ia ler o Every Brilliant Thing, do Duncan Macmillan. Era dia 1 de janeiro de 2021 e eu estava a ouvir o episódio 37 Ponto Final, Parágrafo. O convidado? Ivo Canelas, um dos meus atores preferidos.
O Ivo estava a fazer há algum tempo uma peça chamada Todas as Coisas Maravilhosas, mas eu nunca tinha estado atenta ao ponto de me informar sobre o que era a peça. No entanto naquele dia de ano novo ouvi o Ivo e no dia seguinte estava a encomendar o livro e a torcer para que um dia pudesse ver a peça, que parecia, de facto, maravilhosa.
Every Brilliant Thing é narrado por uma personagem que começa por contar o dia em que, com 7 anos, o pai o foi buscar à escola porque a mãe estava no hospital. Tinha feito algo estúpido, dissera o pai. A criança percebe que a mãe não vê motivos para viver e, por isso, começa a fazer uma lista de todas as coisas brilhantes que fazem a vida valer a pena, uma lista de todas as coisas maravilhosas.
O livro só chegou um mês depois e, no dia em que chegou, peguei no livro à noite, no sofá, e comecei a folheá-lo. Não lia texto dramático há uns anos, mas um livro pequenino prometia. Eu só tencionava folheá-lo, mas quando dei por mim tinha terminado o texto. Foi uma leitura marcante. Primeiro, porque a saúde mental é um tema que me é demasiado próximo. Depois, porque todo o arco narrativo nos leva numa viagem semelhante à de alguém com depressão: o bom e o mau, as subidas e as descidas, os sorrisos e as lágrimas. Escusado será dizer que o adotei como um dos livros da minha vida. Reli-o este ano. Relê-lo-ei muito mais.
Depois de ler o texto, tive ainda mais vontade de poder assistir ao espetáculo do Ivo. Precisava de ver aquelas palavras em ação. Quando ele veio ao Hard Club eu ainda não vivia no Porto e quando voltou a abrir datas em Lisboa parecia que o Porto nunca seria contemplado. Até que foi. Quando anunciaram datas para setembro fui logo perguntar à Andreia se queria ir e comprámos logo bilhetes, ansiosas por setembro.
Todas as Coisas Maravilhosas não é uma peça comum. É um quase-monólogo que acontece em salas mais pequenas e onde as cadeiras são dispostas em círculo, para que ao centro possa ser feita a peça. Não é bem um monólogo porque é uma peça interativa, em que o público é constantemente interpelado e em que o Ivo anda por toda a sala de tal forma que nos sentimos ainda mais envolvidos naquilo que ele nos está a dizer.
É muito difícil falar do espetáculo e fazer-lhe total justiça. Era preciso estar lá. Um resumo do que acontece não explica nem 0,1% daquilo que nos faz sentir. A respiração do Ivo, o ritmo da voz, as várias frases marcantes ditas olhos nos olhos. Sinceramente, nem ler o texto original faz justiça à interpretação do Ivo.
Dei por mim várias vezes de lágrimas a dificultar-me a visão, mas também ri muitas vezes. Enquanto assistia estive quase sempre a mexer nos nós dos dedos porque muitas coisas no texto me são demasiado próximas, mas senti que são demasiado próximas a muitos de nós. Nesta peça a saúde mental não é gatilho, é mote. Quase como uma sessão conjunta de terapia não-convencional.
Há uma altura em que a personagem diz que os livros servem para não nos sentirmos sozinhos. Todas as Coisas Maravilhosas serve precisamente para o mesmo: para não nos sentirmos sozinhos. É lugar seguro. Lugar em que se fala abertamente sobre depressão e amor, sobre coisas maravilhosas e coisas assombrosas. Se eu fizesse uma lista de coisas maravilhosas, este espetáculo faria parte dela.
Uma versão mais especial desta publicação saiu ontem na newsletter, onde fiz também parte da minha lista de coisas maravilhosas que fazem a vida valer a pena.
Continuo a não acreditar que este momento incrível aconteceu! Que coisa maravilhosa *-*