- Quando: 29 de agosto de 2023
É inegável que a cultura fica muitas vezes para trás, refém de orçamentos baixos e descredibilização. O que eu não esperava era que um livro sobre a importância da cultura numa sociedade focada na economia e no lucro conseguisse ser tão peculiar e com tanta graça. Não lia Afonso Cruz há algum tempo e, em ficção, não o lia há dez anos, por isso foi um regresso comedido que acabou por correr muito bem.
Vamos Comprar Um Poeta é uma novela distópica que traz uma sociedade materialista em todos os aspetos: as pessoas têm números e letras em vez de nomes e tudo é contabilizado, até os afetos. Como nesta sociedade não se têm animais de estimação mas sim artistas, a protagonista pede para comprar um poeta. Este poeta muda-se então para casa da menina e nada volta a ser igual.
Alguns abandonam a refeição a meio e levantam-se para deambular sem qualquer destino. Acontece muito ao pôr-do-sol ou ao luar ou com nevoeiro, é um comportamento típico. Não estranhem se os virem parados muito tempo como se estivessem a fazer contas. Não estão, são incapazes da soma mais elementar. Essas paragens são precisamente os momentos em que começam a fazer poemas nas suas cabeças. É um processo fascinante. Não se irão arrepender de comprar um poeta. E são muito mais asseados do que os artistas.
É um livro pequenino, com capítulos curtos e com uma escrita com muito humor. E se é um livro que entretém, diverte, a verdade é que em tão poucas páginas é também um livro que traz uma reflexão muito importante sobre a importância da cultura na sociedade. No final há um posfácio que fala precisamente sobre as medidas governamentais para a cultura e os valores que lhe são destinados em Orçamento de Estado e sobre alguns estudos que mostram a influência positiva da cultura para a economia.
Em Vamos Comprar Um Poeta a personagem é acusada de comprar algo inútil e de ela própria não ter utilidade porque, naquela sociedade, um poema não serve para nada. No entanto depois percebe-se o impacto real que os poemas daquele poeta tiveram na família da personagem — é o mesmo que a cultura tem na nossa sociedade. Foi uma leitura muito agradável e, acima de tudo, uma leitura que incentivou à reflexão.
Sou suspeita (reconheço e estou confortável sobre isso ahahah), mas este livro é mesmo fabuloso. Tenho de o reler, porque é cheio de camadas
Já ouvi muito falar sobre o autor, mas confesso que nunca li nada dele.