No ano passado, mais ou menos nesta altura, os acontecimentos da minha vida fizeram-me questionar algo sobre o qual nunca tinha realmente pensado: como é que os adultos curam o coração partido? Foi o meu primeiro coração partido de adulta com responsabilidades e não fazia ideia de como é que o ia viver quando não havia a possibilidade de faltar e ficar na cama a chorar e comer chocolates. Como é que os adultos curam o coração partido quando têm de ir trabalhar como se nada fosse? Na adolescência havia muitas lágrimas e textos dramáticos, no início dos 20 ficávamos na cama a chorar e pedíamos os apontamentos no dia a seguir, mas em adulto eu não sabia como fazer isto. Levantar-me, arranjar-me e ir trabalhar como se não me estivesse a sentir na merda? Difícil para caraças e, infelizmente, andei a fazê-lo durante meses, mesmo depois de o coração já não estar partido. Portanto percebi que é difícil, mas possível.
A verdade é que ganhamos obrigações e tarefas e percebemos que temos de engolir as lágrimas e esperar. Passamos o dia num estado de entorpecimento porque precisamos de ir trabalhar, há algo que depende de nós. Depois disso já podemos sentir tudo, mas primeiro temos de ir ser adultos. Mas e quando não somos só nós a depender de nós? Confesso que, estranhamente, nunca tinha pensado nisso. Como é que um adulto com filhos lida com o coração partido? Não tens tempo nem espaço para desabar porque há mais alguém a precisar de ti.
It occurs to me, once again, what a luxury it is to be single and able to fall apart. Not to mention the luxury of being able to buy yourself a week’s break.
Fiquei a pensar nisto no verão
Em julho li Nora Goes Off Script (PT: Nora Foge ao Guião), da Annabel Monaghan, uma comédia romântica, daquelas levezinhas e boas para o verão, e não esperava muito, é certo, mas certamente não esperava ficar a pensar nisto do coração partido dos adultos. Não contava falar sobre o livro numa publicação só dele, porque não o achei assim tão bom, mas realmente fiquei a pensar neste assunto.
No livro, a Nora é guionista e mãe solteira. O marido deixou-a e ela escreveu o argumento de um filme baseado nisso. As filmagens são em casa dela e, claro, o ator que faz de marido dela é uma estrela e é lindo. Quando as filmagens acabam ele pede para ficar por lá mais uns dias.
Há uma parte no livro em que a Nora diz: what a luxury it is to be single and able to fall apart. É algo em que, como disse, já tinha pensado, mas nunca tinha pensado no outro grau de adulta: o ter filhos e estar tudo a desmoronar e não poder simplesmente ficar na cama.
Pausa na dor porque não podemos pausar o mundo
Lembro-me de ir trabalhar naquela terça-feira sem saber exatamente como o estava a fazer. Tudo era feito mecanicamente, tudo era feito sem pensar demasiado no que estava a acontecer, apenas com o único objetivo de manter a mente ocupada e tentar não parar mais de um segundo porque, caso contrário, sabia que ia chorar. Tinha de meter sentimentos em pausa e só quando me metia no carro, de regresso a casa, podia finalmente voltar a sentir alguma coisa.
Mas eu podia chegar a casa e enfiar-me na cama e fingir que nada mais importava no mundo enquanto chorava horrores e odiava tudo aquilo que estava a acontecer. Mas e com filhos? Não imagino — nem quero testemunhar como será.
Dizia, nessa altura, que se eu tivesse uma empresa ia criar uma licença de coração partido. Uma semana de folga, com direito a um cabaz com vinho, chocolates e lenços. Dar espaço às pessoas para sentirem a dor que estão a sentir e poderem lidar com ela da melhor forma que conseguissem. Fica a ideia. Podem pegar nela, eu não me importo. Até agradeço.
Título original: Nora Goes Off Script
Título em português: Nora Foge Ao Guião
Autora: Annabel Monaghan
Ano: 2022 (PT: 2023)