Sento-me à secretária decidida a escrever. O sol está a pôr-se. Escolho a playlist e olho para esta página. Por onde começo?
Falo sobre as notícias do dia? Do candidato da AD que diz que se devia voltar a fazer um referendo sobre o abordo? Do Montenegro levar com um balão de tinta num protesto climático? Das incongruências dos movimentos climáticos? Falo dos rateres que assustam os outros? Afasto estas ideias. Se calhar devia revoltar-me novamente contra editoras que pedem dinheiro aos autores? Falar sobre esta editora que afinal tem uma equipa de voluntários e não paga aos seus profissionais? Refletir sobre o impacto que estes casos vão ter no mercado editorial? Devia dizer algo sobre a partilha sucessiva de casos de assédio que vi hoje no Threads e que mais parecia numa competição ridícula sobre quem tinha sido mais assedidado? Não, não vamos envolver-nos nestas discussões. Também não vamos analisar a crise desportiva do meu clube.
Falo sobre como fiz um currículo onde não incluo o mestrado porque acho que o mestrado me está a prejudicar? Falo sobre como sinto que estou a desistir do marketing? Sobre como estou cansada destes processos que parecem infinitos? Ou sobre como me apetece mandar pessoas à merda sempre que me dizem que os meus valores de freelancer são muito elevados? Pois, não posso. Falei do descontentamento geral com o mercado laboral na newsletter e perdi seguidores. Falo sobre como decidi assumir que não vou publicar o último livro que escrevi para poder continuar o meu percurso de escrita literária sem dores? Falo sobre o livro que estou a escrever?
Sei que não falarei sobre as questões pessoais sobre as quais se calhar mais teria a dizer. Vou buscar outro chá. Verde com limão, mel e ginseng, o meu preferido. Respondo a outra mensagem dele. Passo os olhos num grupo do Discord. Respondo a outra mensagem. Nenhum dos meus temas passa no meu exame de auto-censura. Deixo as rimas do Dillaz encher o quarto. Abro o caderno e decido que ficamos por aqui. Quanto mais podia dizer menos me apetece falar.
Há fases assim. Espero que tudo melhore e possas dizer tudo o que te apetecer 🙂