- Quando: 17 a 19 de fevereiro de 2024
- Gatilhos: infertilidade; saúde mental; luto.
A amizade tem sido um tema que me tem interessado cada vez mais. Também por ser uma questão que surgiu em terapia e por ser algo que foi especialmente fundamental no ano passado, dou por mim constantemente a pensar nos amigos e no papel que eles têm na nossa vida. Não faço facilmente amigos e acho que até tenho uma espécie de postura de desconfiança. Muitas vezes fui péssima a manter contacto com amigos distantes e tenho tentado melhorar isso.
No ano passado, num ano que foi particularmente duro, dei por mim a sentir-me tão sozinha que não sabia se havia como dar a volta a isso e puxar amigos para aquela bolha — se é que era justo puxá-los para lá. E então comecei a pensar muito sobre amizades. O papel que têm na nossa vida, a forma injusta como as tomamos por garantidas e as maltratamos, a necessidade de afastamento em algumas fases em que precisamos de fazer as pazes com a evolução que ambos estamos a ter e que nos está a levar para lugares diferentes.
Também por isto, tenho procurado cada vez perspetivas sobre amizade. Em ficção encontrei refúgio na tetralogia da Elena Ferrante, mas quando vi Friendaholic achei que era uma boa maneira de sair da ficção para a não-ficção neste tema. Neste livro a Elizabeth Day, que é jornalista e romancista, traz-nos uma espécie de livro de memórias focado nas suas amizades. Enquanto vai falando de cada amizade que marcou a sua vida, a autora explica também o ponto da sua vida em que estava, algo que permite compreender o papel daquela amizade de uma forma um bocadinho diferente.
A Elizabeth Day é um bocadinho o meu oposto: faz amigos facilmente e tem até uma grande necessidade de fazer amigos, daí apelidar-se de friendaholic. Ao mesmo tempo parece-me que percebe também o nível diverso de superficialidade que cada amizade exige e há até aquela ideia de certas amizades fizeram todo o sentido em determinada altura, mas depois percebes que se calhar havia ali camadas que mostravam que nunca passaria dali.
Acho que isso se deve a que grande parte da discussão cultural em torno da amizade — especialmente sobre a amizade feminina — afirma que a amizade tem de ser priorizada acima de tudo e que, se não continuarmos a alimentar as nossas amizades exatamente da forma que sempre fizemos, independentemente do que se nos atravessar na vida, somos nós que falhamos. Nós é que somos a má amiga. Somos nós que decidimos escolher uma coisa ou uma pessoa em vez da nossa grande amiga.
Gostei do conteúdo e da escrita descontraída, mas a tradução desiludiu algumas vezes e traduzirem “reader” por “a leitora ou o leitor” acabou por transmitir mais ruído do que a sensação de inclusão. Gostei de a Elizabeth incluir também excertos de conversas que teve com os amigos, porque é algo que enriquece a perspetiva dela e dá também a perspetiva da pessoa sobre quem estamos a ler. Também achei um toque interessante no final do capítulo haver um texto curto de outra pessoa sobre amizade numa perspetiva que encaixa naquilo que a autora estava a partilhar.
Houve dois relatos da autora de que gostei um bocadinho mais: a questão de ter amigas que são mães (quando ela tem problemas de fertilidade) e a amizade dela que teve um problema de saúde muito grave, obrigando a uma operação delicada ao cérebro. Só tenho uma amiga que é mãe, mas pensei logo nela porque ainda há poucos dias a tinha obrigado a nunca mais me pedir desculpa por demorar a responder a mensagens. A maternidade não é uma questão para mim neste momento, embora saiba já que o meu útero tem um problemazito no qual pensarei quando (e se) chegar a altura, e não sei quando (ou se) terei mais amigos a serem pais, mas foi logo um tema que me tocou porque é algo em que penso algumas vezes.
Sinto que se fala muito sobre relações interpessoais no campo romântico e sexual — e eu adoro isso —, mas acho que às vezes precisávamos de falar mais sobre amizade. Os amigos são muitas vezes os cabos de aço que nos agarram ao mundo e, sem eles, nada seria igual. Uma vez, em plena situação de gaslighting, a outra pessoa disse-me que queria que eu fizesse mais amigas. Não era amigos, era amigas. Mas para mim nunca se tratou de quantidade: a altura em que senti que tinha mais amigos também foi a altura em que senti que tinha menos pessoas com quem contar.
E eu sei que às vezes não mando tantas mensagens quanto devia. Que quando estou mais ansiosa ou mais assoberbada com a vida desligo. Que nem sempre sou a pessoa mais fácil. Mas os amigos são mesmo aquilo que nos agarra quando tudo o resto treme. No fundo, o que os edifícios precisam para se precaver de terramotos é de amigos (pronto, não é, desculpem, se fossem meus amigos não me estavam a julgar agora). E se nos esforçamos tanto para aprender a trabalhar a relação connosco próprios e com os nossos pares sexuais e românticos, se calhar precisamos de aprender a trabalhar também estas relações.
No final, é isso que a amizade mais verdadeira faz. Oferece a promessa de compreensão, de transformação, de realinhamento planetário. Dá-nos essa qualidade mais essencial: dá-nos esperança.
Título original: Friendaholic: Confessions of a Friendship Addict
Título em português: Friendaholic: Viciada em Amizade
Autora: Elizabeth Day
Ano: 2023
À data desta publicação, o livro estava incluído no catálogo Kobo Plus.
Não conhecia, mas talvez lhe dê uma chance