paz.

«ele não enche a sala, é isso que adoro nele.» assim que o disse percebi que tinha cometido um erro. disse algo que exigia explicações e eu não queria explicar-me. explicar-me implicava pensar que ia ser compreendida e eu sabia que não o seria — nem queria. estava cansada de ter de me explicar aos outros e definitivamente não iria explicar-nos aos outros. nós éramos só nossos, não tínhamos de ser explicados a mais ninguém. «é a paz que ele me transmite», acabei por dizer. sabia que assim evitaria quaisquer questões ou afirmações. paz era algo compreensível pelos outros.

tinha de ser apenas paz, sem acrescentos, ou levantaria mais questões. mas considerá-lo paz era suficiente e não fugia da verdade. tu eras paz. a paz de quem não enche a sala numa presença impositiva. sei que se fala muito das pessoas que entram numa sala e conseguem enchê-la, moldá-la, mas deviam falar mais das pessoas que entram numa sala e a tornam mais acolhedora para quem se sente assoberbado. as pessoas que entram numa sala e até podem quase passar despercebidas, sossegadas no seu canto, mas se precisarmos de conforto e segurança vamos encontrá-las e elas vão ser um ponto de abrigo, um foco de calma, em vez de serem um foco de atenção.

talvez seja porque gosto de estar sozinha e há pessoas que mesmo caladas sugam energia ao espaço onde estão, mas eu via-te como o meu pedaço de paz, a pessoa que ajuda a respirar em vez de consumir todo o oxigénio. noutros tempos, sentia-me sempre inquieta, insegura, como se a qualquer momento eu pudesse pisar uma mina e rebentar tudo. não havia paz, apenas omissões e a inquietude de quem não se sente capaz de respirar bem. se falasse sentia que não era ouvida, se ficasse em silêncio sentia que fazia demasiado barulho. aqui eu sentia que havia um encaixe bonito entre tudo. os nossos silêncios faziam coro em plena sintonia, as nossas palavras rimavam sem esforço e tudo o resto coexistia num mar de tranquilidade que apenas estava reservado aos navegadores mais experientes ou aos menos questionadores dos lugares para onde as correntes nos levavam.

eu gosto de estar sozinha, gosto do silêncio, gosto de não ter mais nada além de música a encher os lugares onde estou. tenho tantos dias em que só quero que me deixem ser e me deixem estar, em que não me apetece aniquilar silêncios com palavras vazias, em que fico frustrada com o barulho da convivência. e tu desligas todos os barulhos de fundo. contigo posso ser, posso estar.

percebo agora que devia ter sabido, de início, que serias paz. o teu nome sempre apontou para isso. mas não deixa de me fascinar que sejas paz. não deixas de me fascinar. mas explicar isto implica explicar muito mais e quanto mais explicamos menos nos tornamos compreensíveis. então digo só que és a minha paz. mesmo que haja guerras interiores, és a minha paz. as fronteiras entre nós misturam-se e eu limito-me a respirar fundo e aproveitar a minha paz.

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