- Quando: 21 de fevereiro a 1 de março de 2024
- Gatilhos: violação; linguagem explícita.
Não acompanho muito a dupla Literacidades, mas no ano passado passei algumas horas a estudá-los para os incluir como exemplo na tese de mestrado. Quando vi que um dos elementos, o Álvaro, se ia aventurar na escrita literária fiquei curiosa, mas houve algo que me fez arriscar mais rapidamente: a capa magnífica do Juan Cavia, uma das capas mais bonitas do mercado português. Eu sei que não se deve julgar um livro pela capa, mas a verdade é que se não fosse esta capa tão bonita e as palavras que a Rita da Nova, o José Luís Peixoto e o Afonso Cruz lhe dedicaram talvez não tivesse arriscado logo no livro.
Filhos da Chuva traz-nos Domínio, um lugar onde só chove — todos os dias, a toda a hora — e onde os relógios pararam nas cinco da tarde. Se a terra é peculiar, os seus habitantes ainda mais. Temos Muda (que, como o autor lembra cerca de cento e vinte e sete vezes, é muda, logo não fala), que é quem distribui as compras e que é mãe de Amor, um rapaz cuja história lhe é contada incessantemente pelo padrasto desde sempre. Além de Domínio, temos a Ilha da Fortaleza, onde Mãe não deixa Filho emancipar-se e conhecer o resto do mundo que há para lá daquela ilha… até que ele decide partir.
Existe na paixão — esse momento patológico que algures na vida se vive, alguns mais até do que muitas vezes — um estado de consciência tão resvés a angústia, seja esse sentimento extremo correspondido ou não, que o ser que se sente atraído, mesmo que assim não entenda, o que deseja é livrar-se dessa prisão para voltar a poder apreciar a vida sem que haja esse sufoco que lhe comprime os dias.
Começo por referir uma frase do livro que diz que há «coisas em Domínio que não diferem assim tanto de outros lugares», algo que se nota muito ao longo de toda a narrativa. As personagens podem ter nomes peculiares, mas aquilo que lhes acontece e os ambientes em que se movem não deixam de ser réplicas da realidade. Não há invenção: é a realidade adaptada àqueles lugares ficcionais.
Quanto à história… bem, queria ter gostado mais. A primeira parte é muito lenta, com uma escrita que me pareceu, por vezes, demasiado trabalhada. Fazia-me sentir que quanto mais lia mais tinha por ler. Percebi que Amor e Filho se iam cruzar, mas até eles se cruzarem tivemos tanto contexto de tantos ambientes e de tantas personagens que se tornou difícil perceber se realmente chegaria o dia em que se cruzavam. Sei que algum contexto era necessário, porque há uma grande ligação entre as várias personagens e o momento que muda todo o encadeamento do livro, mas questiono-me se era preciso tanto contexto ou se podia ter sido um pouco menos.
Na segunda parte a escrita melhorou — muito —, a narrativa tornou-se muito mais dinâmica e a história pareceu ganhar uma vida diferente, uma nova luz talvez. Também se precipitam os acontecimentos, por isso o ritmo é claramente mais acelerado..
No entanto, com os toques de realismo mágico que por aqui habitam, acho que havia muitas partes que não seriam necessárias porque a magia desse género é mesmo deixar espaço às perguntas e à imaginação. Nem tudo tem de ser tão explicado nem escrito de forma tão trabalhada que quase soa forçado e na primeira parte foi essa a sensação com que fiquei — ao ponto de não achar que aquilo era uma escrita propriamente genuína ou apelativa.
Não conhecia. Obrigada pela partilha 🙂