sim, o público YA precisa de livros com que se identifiquem… mas e os outros?

 

Antes de começar o texto, deixem-me esclarecer já que, para mim (e para os estudiosos literários que conheço) literatura YA não é um género literário, mas sim a adaptação de vários géneros literários (romance, fantasia, etc.) ao público YA. Portanto, sempre que ao longo do texto me referir a literatura YA estou a referir-me a livros dos mais variados géneros literários que têm como foco o público jovem adulto.

 

Aqui há dias estava a assistir a um vídeo do Jack Edwards sobre o TikTok quando dei por mim a pensar numa questão sobre a qual nunca tinha pensado, pelo menos não detalhadamente. Nos últimos anos os livros para público YA (jovem adulto) têm-se multiplicado, havendo cada vez mais oferta dentro dos mais variados géneros literários para esta faixa etária. Isto é, claro uma boa notícia. Embora não haja um consenso exato sobre a que idades corresponde a faixa etária de jovens adultos (1), vou focar-me aqui em algo como 15-25 anos. Esta foi a fase em que eu não só comecei a ler mais, mas também a formar o meu gosto. Como eu, muitas pessoas começam a ler mais nesta altura. Mas leem o quê?

Sinto que, no meu tempo (bela forma de parecer velha), líamos o que havia para ler e, por isso, líamos livros com personagens muito mais velhas e sem qualquer representatividade da faixa etária em que nos encontrávamos. Podíamos até pegar num Diário de Sofia ou algo assim, mas havia pouca oferta com livros que espelhassem a realidade da nossa geração. Obviamente, haver mais oferta de livros para jovens adultos é uma coisa boa. Está a dar-se oportunidade a estas pessoas de lerem livros mais próximos daquilo que são as suas vidas e as vidas dos seus amigos. Acreditem, faz toda a diferença.

Enquanto estas faixas etárias têm, agora, a oportunidade de ler livros mais próximos de si, pensados realmente para as questões que importam naquelas idades, têm também a oportunidade de formar o seu gosto a partir daí — não vamos debater a qualidade dos livros YA porque não é essa questão, mas não podemos negar que este contacto com os livros desde cedo ajuda a formar o hábito e o gosto literário. Mas e depois?

Temos visto cada vez investimento editorial em livros YA, com chancelas específicas pensadas para estes públicos (a Penguin Random House Portugal, por exemplo, tem a Secret Society). E é um investimento que faz todo o sentido porque sabemos que os jovens têm comprado mais livros — a faixa etária entre os 15 e os 34 anos é a que mais tem comprado livros (2) — e porque este é um público que, com ajuda das redes sociais, tem vindo a interessar-se mais pelos livros. Quanto mais oferta tiverem mais irão comprar porque este é um público que está a querer ler muito do que surge nas redes, mas também tem preocupações com aquilo que lê porque quer ler algo que lhe seja próximo.

Só que fiquei a pensar nesta questão: então e depois do jovem adulto? Estes jovens adultos não vão querer estar sempre a ler sobre adolescentes ou sobre a chegada aos 20. Estes jovens adultos vão começar a envelhecer e, por isso, as suas realidades vão alterar-se. Onde estão os livros para eles? Não se devia estar também a investir naquilo que é chamado o público New Adult?

O público New Adult seria algo que vai até aos 34 anos, portanto cada vez mais afastado dos 15-20 anos. E é uma faixa etária que continua a ler e a querer ler dentro de realidades que se assemelhem à sua. Dei por mim a pensar que, se calhar, já se devia estar a investir neste público também. Porque os jovens até aos 25 anos que estão a ler hoje não vão ficar sempre abaixo dos 25 e, se tudo correr bem, vão continuar a ter o hábito da leitura e, por isso, vão precisar de livros mais dentro das narrativas que lhes interessam aos 30, aos 35 e, posteriormente, aos 40, 50, etc. Estamos a esquecer-nos deles? Perdão, estamos a esquecer-nos de nós?

Há muitos livros YA bons, que sinto que conseguem ser transversais, mas sempre que vou procurando livros com personagens mais próximas da minha idade ou com realidades mais próximas da minha sinto que estou numa travessia no deserto onde ocasionalmente encontro um oásis novo. Porque estes livros existem, não são miragens causadas por uma insolação, mas, seja por que motivo for, não parece haver tanto interesse em destacá-los junto dos seus públicos.

É certo que um livro publicado a pensar em leitores entre os 25 e os 34 anos provavelmente é só um livro comum dentro do género em que se insira, porque acaba por ter uma maior transversalidade do que um livro para YA, mas às vezes pergunto-me se será o debate eterno de livros YA não são literatura a sério que faz com que não se queira promover o resto da literatura a sério para que o mainstream não faça com que também estes livros se tornem populares e, por conseguinte, passem a figurar da lista de livros que não são a sério.

Gosto de ver o destaque dado à literatura YA porque vejo que está realmente a dar-se uma oportunidade de criar leitores e encontro muitos livros interessantes no meio das centenas que vão sendo publicadas por cá. Já escrevi para este público e sei que voltar a escrever para ele não é uma porta fechada, por isso gosto de ver estas possibilidades surgirem.

Mas não posso dizer que não fico um pouco desanimada quando passa a ideia de que a única coisa que interessa agora é alimentar este público. Porque não é. É preciso continuar a alimentar o público YA, mas não se pode descartar quem vem a seguir, não se pode agir como se não houvesse uma infinidade de públicos desejosos de literatura com que possa identificar-se. Temos de pensar neles também.

One Reply to “sim, o público YA precisa de livros com que se identifiquem… mas e os outros?”

  1. Nunca tinha pensado nisso desta forma, mas ao ler o teu texto não posso deixar de concordar contigo.

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