- Quando: 7 de março de 2024
Rodrigo, Gonzalo, não se preocupem: acho que o Gabo vos perdoa. 🫶
Espero que quem me está a ler me perdoe também, mas tenho muito a dizer e queria mesmo começar com aquela frase, a mesma com que comecei a minha review deste livro no Goodreads. Esperei muito por Vemo-nos em Agosto, por isso agora quero dizer muito sobre ele também, mas com algum contexto.
Quando fiz 17 anos, recebi dois livros de Gabriel García Márquez: Crónica de Uma Morte Anunciada e Cem Anos de Solidão. Naquela altura, ainda estava a descobrir aquilo que gostava de ler, pelo que absorvia cada leitura (boa ou má) muito melhor. García Márquez talvez fosse o primeiro autor mais a sério que ia parar à minha pequena estante. Li o primeiro nessa altura e, desde aí, reservei-lhe o lugar de livro preferido, mas o segundo só li uns anos mais tarde. Havia de ler Ninguém Escreve ao Coronel no ano seguinte e, assim, começar esta relação de amor com a obra do escritor colombiano.
Há, claro, uma certa ingratidão em nos apaixonarmos pela obra de um autor no final da sua vida. Como qualquer pessoa que tem como autor preferido alguém que já morreu compreende, tudo é novo, mas nada é realmente novo, portanto temos de avançar pela obra desse autor com muita calma — porque quando acabar acabou mesmo. É assim que tenho seguido na obra dele. Acho que ninguém esperava um livro realmente novo em 2024.
É um privilégio podermos ler, dez anos após a sua morte, uma história inédita de um dos maiores escritores que o mundo nos deu. En Agosto nos Vemos foi uma das últimas histórias em que Gabo trabalhou, em 2004. Quando o terminou, pediu que o destruíssem — era uma porcaria, dizia ele. Gabo ainda o reviu algumas vezes e a versão publicada é a quinta versão da revisão do escritor. Parece muito, mas ele não trabalhou esta história como queria, porque a saúde também não o permitiu.
É assim que nos chega este livro, uma pequena novela, com uma protagonista feminina forte: Ana Magdalena Bach. Não, o apelido igual ao do compositor não é coincidência. Todos os anos, a 16 de agosto, Ana Magdalena Bach vai de ferry à ilha onde a mãe está sepultada com o objetivo de lhe deixar flores. Estas viagens anuais tornam-se um ritual que Ana Magdalena aproveita para ser alguém diferente. Apesar de ter um casamento bonito há 27 anos e de não querer abandonar o marido e os filhos, ela quer, sim, explorar a vida e, por isso, todos os anos arranja um novo amante.
Para ela, em contrapartida, o paradoxo mais estranho era verificar que ia perdendo o entusiasmo pela ilha devido à falta de um homem seguro entre os muito casuais que tinha experimentado nas suas noites escassas. A sua maior ansiedade, porém, não eram as dúvidas da fidelidade do marido, mas sim o pavor de que ele tivesse um palpite do que ela fazia na ilha com as suas noites contadas. Por isso mesmo fazia-lhe muito poucos comentários sobre as suas viagens anuais, para que não lhe passasse pela cabeça acompanhá-la, ou para não lhe suscitar alguma dúvida de homem, que são as menos fáceis mas as mais certeiras…
Por saber que ele não trabalhou esta história como queria, peguei no livro com a emoção de quem tem um livro novo do seu autor preferido, mas sem saber ao certo o que me esperava. Podia ter sido o pior livro de sempre que eu ficaria agradecida por o termos podido ler.
Acabei o livro agradecida por o termos podido ler, sim, mas também agradecida por terem decidido publicá-lo. É uma história curta, com uma personagem que me lembrou a Eliete e com um daqueles finais à García Márquez, que mais ninguém consegue fazer tão bem quanto ele. É um livro diferente, que se lê num sopro e que só pode deixar-nos maravilhados por percebermos que, já com a doença a fazer das suas, Gabo continuava a ter uma visão tão própria e tão bela do mundo — até do mundo desta mulher. Uma pessoa pode partir com expectativas controladas, mas é o Gabo. Há sempre magia na escrita do Gabo.
Neste livro há muita magia, mesmo que sem realismo mágico. Há mostras do poder de observação de Gabo e há a certeza de que esta é uma história sobre a vida, sobre viver a vida e sobre o desejo feminino, numa personagem tão complexa e por vezes contraditória como qualquer outra pessoa.
Talvez para alguns fique a questão sobre o que teria sido esta história se tivesse sido devidamente trabalhada, sem as repetições e deslizes, mas para mim fica uma certeza: só se pode tratar de genialidade — o que mais explica esta história ter sido criada como foi?
Título original: En Agosto nos Vemos
Título em português: Vemo-nos em Agosto
Autor: Gabriel García Márquez
Ano: 2024
Já o tenho na estante para ler 💜
Não conhecia! Obrigada pela partilha 🙂
Quando vi que tinha sido publicado corri à Bertrand mais próxima. Li-o devagarinho propositadamente porque sabia que quando o terminasse, acabava. Para sempre. Demorei quase uma semana. E, não fosse um dos meus autores favoritos, amei. Como não?
Gabo é genial. Sendo ou não uma “porcaria” ❤️