«todos nós escrevemos com a vida»

Acho que os meus olhos brilham quando o assunto de uma conversa é escrita. Mesmo se o assunto for escrita para blogsacho que é algo tão especial que não sei se alguma vez os meus olhos deixarão de brilhar quando se falar deles. Sei que no dia em que a escrita não me deixar nem um pouquinho feliz será o dia em que desisto de vez. Mas…

Há umas semanas escrevi, no aniversário do blog, que não sabia se no ano seguinte ainda aqui escreveria. Tenho pensado muito sobre isso e sobre a escrita que consigo ter na minha vida. O que significa ter um blog agora, como é que se coloca um blog na nossa rotina do dia-a-dia corporativo, como é que se mantém um blog focado em escrita, que vem das vivências, quando a vida é um saquinho de caos (para não dizer outra coisa) o que faz sentido escrever num blog hoje, quando tudo é facilmente mal interpretado e vira tão facilmente polémica? Talvez a minha crise de identidade digital esteja a fazer-me questionar a escrita no digital.

«Todos nós escrevemos com a vida»

Estava a assistir à transmissão online da sessão do dia 27 de agosto do São Como Um Cristal, As Palavras, na Feira do Livro do Porto — sessão essa em que a Dulce Maria Cardoso conversava com a Maria João Costa. Assim que a Dulce disse esta frase eu percebi que ela estava a responder parcialmente a uma série de perguntas que eu ainda não tinha feito em voz alta e que era impossível ela saber que eu tinha.

Tenho pensado muito sobre escrita, sobre a vida, sobre a vida na escrita, a escrita na vida. Portanto acho que está na hora de explicar um bocadinho daquilo que, na vida, tem tido impacto na escrita. Sinto que o último ano teve grandes responsabilidades na forma como agora vejo a escrita e a vida. Aconteceram várias coisas.

Primeiro, defendi a tese de mestrado e senti-me um pouco órfã. Todo aquele trabalho, todas as horas passadas a ler, escrever, reescrever, estudar… quando terminaram senti um solidão maior do que quando a licenciatura terminou. Se todo o processo da tese foi solitário o final ainda mais. Na licenciatura era tudo incerto, mas algo havia de acontecer. No mestrado senti que não sabia mesmo para onde seguir porque a tese era a única certeza que tinha e tudo o resto eram decisões para assim que acabar o mestrado. Só que o mestrado tinha terminado e eu não sabia que decisões tomar.

A seguir começaram os meses e meses a fio a tentar encontrar trabalho na minha área. Vieram centenas de currículos, dezenas de entrevistas. É exaustivo passar meses nisto. Torna-se desgastante, principalmente quando há entrevistas em que os entrevistadores são maus ou quando os processos de recrutamento se arrastam tanto que, a certo ponto, já nem sabemos se ainda estamos a ser considerados ou se estão só a distrair-nos do facto de que só há um lugar e não é para nós. Estes meses mexeram muito comigo, principalmente quando comecei a sentir que estava em contrarrelógio. A qualquer momento podia ter de baixar os braços e admitir derrota. Tentei de tudo: marketing, comunicação, lojas, receção, chás de camomila.

É aqui que surgem outras questões, bem juntinhas, qual bolinha de neve que vira avalanche. Investi em conteúdo no blog, escrevi muito, até vi resultados, mas tentei fazer o mesmo nas redes sociais e, sem saber a estratégia a seguir ou por que motivo tinha de seguir uma estratégia, senti-me perdida e comecei a ficar saturada. Não queria só falar de livros, mas o que mostrar da minha vida? Ninguém sabia o que estava a acontecer na minha vida, por que raio o ia mostrar nas redes sociais? Nunca iria mostrar as coisas péssimas que estavam a acontecer, portanto não tinha o que partilhar. Comecei a desmotivar e a perder vontade de criar conteúdo digital — depois de tantos anos senti mesmo que desta vez não havia volta a dar.

Escrevi o livro que queria escrever. Parei várias vezes, voltei atrás, decidi que ficava assim. Enviei-o a algumas pessoas. Comecei a rever. Parei. Decidi que ia deixá-lo assim. Não está como eu queria, mas já não sei o que quero — sei que não é aquilo e isso já é qualquer coisa. Não está bom o suficiente e não sei como lhe dar essa suficiência.

Comecei a fantasiar com a hipótese de fechar tudo: fechava o blog, fechava as redes, fechava a newsletter. Parece radical, mas eu estava tão exausta que sentia mesmo que a única forma de admitir derrota era simplesmente desaparecer e não pensar mais em publicações, em dizer olá nas histórias do Instagram, em manter seguidores para ter público, em tentar publicar livros, em escrever por amor, em pensar em amor.

Quando a vida nos dói o que é que escrevemos?

Escrevemos parágrafos e parágrafos. Deixamos que as lágrimas molhem as páginas dos nossos cadernos. Aceitamos que não podemos controlar nenhum daqueles acontecimentos portanto vamos só parar e deixar que a vida se encarregue de nos ir orientando.

Quando as coisas começaram a compor-se foi mais fácil recuperar o sentido de orientação. Ainda assim, às vezes questiono o que estou a fazer e pergunto-me como manter tudo isto a rolar. Quero mesmo manter tudo a rolar?

Cada vez mais vejo a escrita como extensão da vida, totalmente dependente dela. Tudo na vida vai influenciar o que escrevemos, como escrevemos, quando escrevemos. Não, não vai dar para escrever todos os dias, não vai dar para publicar todos os dias, não vai dar para acordar mais cedo ou deitar mais tarde para escrever. Nuns dias é melhor, noutros é pior. Haverá alturas em que tudo parece fluir e alturas em que tudo parece ruir. Já não consigo exigir mais da escrita, mas sei que ela me continua a exigir honestidade. E honestamente às vezes não sei como a fazer resultar em todas as suas formas. Esqueço-me constantemente de que escrevemos com a vida e a vida nem sempre é passível de ser escrita quando queremos.

Mas há uma coisa curiosa: mesmo que ache que a escrita me está a abandonar ou que estou a abandonar a escrita, voltamos sempre uma à outra. E voltaremos. Se não for aqui é noutro lugar.

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