long live the eras tour

Há dois anos, quando a Taylor anunciou uma nova tour, não esperava nada do que aconteceu a seguir e, claramente, não esperava que, com o fim da tour, sentisse vontade de escrever sobre ela. Foram dois anos de concertos e eu só fui realmente a dois, mas sinto que estive em todos. Com o fim da The Eras Tour sinto que fico numa espécie de orfandade coletiva. Acho que é essa orfandade coletiva que me faz sentar e falar sobre isto.

Sinto que tivemos sorte: vivemos numa era digital, com redes sociais, diretos e acesso à internet super facilitado. Tem o lado mau de só vermos telemóveis no ar durante o concerto, mas de repente, fosse em que ponto do globo fosse, era só preciso entrar no Youtube ou no TikTok e tínhamos acesso em direto ao espetáculo. Comentávamos outfits, dissecávamos discursos e víamos em direto as música surpresa. Não precisávamos de esperar que alguém do chegasse a casa para partilhar vídeos. Se quiséssemos podíamos assistir à totalidade do espetáculo.

Assisti a praticamente todos os da tour europeia. Quando não podia ou não me apetecia ver completo, esperava pela hora das músicas surpresa. Criei, como outras centenas de pessoas, uma playlist para a setlist e outra para as músicas surpresa. Online nunca se viu nada assim. Milhares de pessoas a assistir a um direto de um concerto? Parece alucinado. Milhares de pessoas a assistir a um direto de um concerto constantemente, durante dois anos? É muito louco.

Enquanto fã, a The Eras Tour foi uma experiência completamente diferente de qualquer outra tour. Em primeiro lugar, veio depois da pandemia, de concertos cancelados. Em segundo lugar, veio numa fase em que a Taylor estava já num ponto muito alto da carreira. Para quem a queria ver há muitos anos, ficou claro desde início que não seria tarefa fácil conseguir bilhetes. E não foi. A The Eras Tour começou ao mesmo tempo para todos: no momento em que a Taylor anuncia a tour e saem datas para os Estados Unidos, o resto do mundo ficou em pausa a ver preços e a ver (e temer) o caos da Ticketmaster.

Ninguém sabia o que esperar da setlist, porque era o quarto álbum da Taylor que saía desde a última tour. E, não querendo fazer a coisa por menos, os americanos começaram a pensar em outfits e decidiram que iam dar levar a sério o make the friendship bracelets e o resto do mundo não quis só assistir: podíamos ainda não ter datas, mas começámos todos a pensar em outfits e a ver tutoriais de pulseiras ao mesmo tempo.

No dia do primeiro concerto nos Estados Unidos surpreendemo-nos em conjunto com Miss Americana e Cruel Summer a abrir, com duas músicas surpresa, com três horas de concerto, com Karma a fechar. E os visuais do palco. E os outfits. O que haveria de easter eggs ali? A Taylor percebeu que estávamos todos a pensar no mesmo e anunciou duas regravações durante a tour americana. Quando as datas da Europa foram anunciadas, faltava quase um ano para os concertos. E esperámos. Intensificámos o planeamento de outfits, começámos a comprar missangas e tornámos o nó de cirurgião popular entre não cirurgiões.

A própria energia do dia de concerto era diferente. Se tínhamos feito pulseiras queríamos trocá-las por isso não tínhamos outra hipótese que não fosse falar com outras pessoas. E nunca foi tão fácil falar com outras pessoas. A conversa nunca se resumia a queres trocar pulseiras? e acabávamos a comentar músicas preferidas, elogiar outfits ou até a ajudar outros fãs em momentos de aperto.

Nunca esquecerei o sentimento de conseguir bilhetes, a sensação de ver aquele palco pela primeira vez, dançar no front stage com desconhecidos, cantar as músicas que nos tornaram amigos com o Jotinha, ouvir uma das músicas surpresa de sonho de todos, trocar pulseiras, viajar para outro país, chorar a Marjorie com a Inn, ver uma colina com milhares de pessoas prontas a ouvir um concerto.

Podemos esperar estudos sobre a The Eras Tour para os próximos anos: da economia aos estudos culturais, da psicologia ao marketing, da sociologia à gestão de comunidades, há tanta coisa que merece ser explorada sobre esta tour. Será que a Taylor em algum momento achou que isto tomaria as proporções que tomou? Alguém conseguiria prever?

Um dos trabalhos que mais gostei de fazer na licenciatura, há uma vida, foi de Contemporaneidade e Produção Cultural. No ensaio escolhi falar sobre música e produção cultural, tendo em conta a teoria de um autor (o Richard Peterson, que escreveu um livro que adorei, Music Scenes). Não me lembro exatamente de tudo o que li e muito menos do que escrevi, mas sei que algures se falava da relação entre músico e público. Era algo que já na altura me intrigava e, no caso da Taylor, é algo muito complexo, mas sei que, se fosse hoje, o meu ensaio seria sobre a The Eras Tour. Quase tenho vontade de pedir para refazer a tese de mestrado e entregar uma sobre isto. Em marketing falamos muito sobre criar relações de confiança com os seguidores e com os clientes, sobre saber comunicar, manter um produto relevante… não há maior lição de marketing do que ver a comunicação da The Eras Tour e a forma como os fãs da Taylor criaram uma relação com ela, com a equipa dela e entre si. Não sei se alguém alguma vez conseguirá explicar o que vivemos. Mas podem tentar.

Quando penso na The Eras Tour claro que acho fascinante dez milhões de pessoas a assistir em dois anos, dois mil milhões de dólares de lucro, três horas de concerto, centenas de horas de ensaios, milhares de dólares em donativos e em prémios salariais. Mas aquilo em que penso realmente é nas memórias que fizemos nesta experiência coletiva que vai para além de tudo aquilo que já se viu, penso na partilha bonita que gerou e penso, acima de tudo, que vivemos, juntos, alguns dos momentos mais bonitos das nossas vidas. Só resta dizer obrigada e até já.

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