Houve um momento em 2024 em que pensei realmente que o melhor era desaparecer da internet, desistir da vida que queria ter, apagar o blog, apagar as redes sociais, arrumar tudo e ir embora. Chorei muito nesse dia, mas fiz o plano: quando viesse de Munique enchia o carro e fazia o resto das mudanças durante o mês de agosto. Não dava mais. Não conseguia mais lidar com o peso no peito, com a dificuldade de ver futuro. Estava exausta de entrevistas de emprego que não davam em nada — não tinha experiência para cargos sénior em marketing, já não era considerada para cargos júnior; o currículo era incrível, mas nunca era a escolha; nas lojas não me queriam sem experiência; fiz três versões de currículo. Seria possível ter lutado tanto por isto e estar tudo a escapar-me? Vi o fim de tudo: vi-me desaparecer dos feeds dos amigos, vi-me a guardar tudo do blog e a apagá-lo, vi-me a despedir-me dos meus amigos sabendo que dificilmente eles me iriam voltar a ver, vi-me a despedir-me dele e chorei no chão do quarto até simplesmente parecer que não tinha mais lágrimas, vi-me a fazer malas e levar tudo para casa da minha mãe, vi-me a decidir desistir do marketing, da escrita, da carreira pela qual lutei, dos estudos pelos quais lutei, da vida pelo qual lutava. Não disse a ninguém que, naquela tarde de terça-feira em julho, meti várias coisas no carro porque estava a começar a planear uma despedida. Saí da Maia com o meu blazer preferido, o azul, parei na Liga Portuguesa Contra o Cancro para uma entrevista e pensei: bem, pelo menos tentei até ao último dia. A entrevista correu mal. Emocionei-me num momento, achei que não tinha mostrado nada do meu valor — pelo menos não o suficiente para ser considerada — e no fim fui para casa da minha mãe a pensar que só não tinha perdido tempo porque a LPCC ficava em caminho. De qualquer forma, não fazia diferença, não havia mais nada a fazer, não dava mais. A culpa era minha, do governo, das guerras, da inflação, sei lá mais de quem.
E depois o telemóvel tocou ao fim do dia de quarta-feira, estávamos a preparar-nos para ir à rua com a Lady. Tinha o telemóvel com som porque ainda o deixava assim para o caso de me ligarem com novidades de alguma candidatura, mas já nem sabia qual era o meu toque de chamada (era o …Ready for it?). Atendi e tive de me sentar. Desatei a chorar e a minha mãe não percebia o que estava a acontecer, a Lady começou a ficar stressada porque não percebia o que estava a acontecer e eu não sabia o que dizer porque não percebia o que estava a acontecer. Tinha sido escolhida para assumir o cargo no departamento de marketing. Desliguei e não consegui falar durante uns minutos, só chorava e fazia festas à Lady. De repente seis meses e meio de 2024 tinham passado e se calhar ainda havia esperança, se calhar ainda podia lutar pela vida que queria ter, se calhar ainda havia um por cento de sorte para mim. Não sabia se ia ser capaz, se tinha qualidade ou estaleca para assumir este cargo, se ia conseguir realmente provar o meu valor, mas naquele momento soube que estava a receber uma oportunidade de não perder tudo e agarrei-me à Lady como se fosse toda a minha vida porque ia poder agarrar tudo e lutar um bocadinho mais.
Tenho um presságio em relação a cada ano: o primeiro dia do ano dá pistas em relação ao que posso esperar do resto do ano. Acho que comecei a alimentar esta superstição depois de 2016. Foi a minha primeira passagem de ano diferente, fui mandada parar pela GNR quando regressava a casa e nas primeiras horas do dia houve uma discussão tão grande em casa que eu juro que senti que aquele ano ia ser uma merda. E foi mesmo. Será que em vez de superstição foi manifestação? Não sei, mas aconteceu. Ora, a minha sensação do primeiro dia de 2024 foi que este ano ia ser emocionalmente tenso. E foi mesmo. Quando fui ver aquele primeiro pôr-do-sol a Leça, meio sol meio nublado, o lado que queria convencer-me de que ia correr tudo bem estava a ser abafado pelo lado que sentia que o ano ia ser muito complicado, mas era ano novo. Poderia esperar algo positivo para ele?
Senti-me a levar muita porrada este ano. Quis manter-me confiante, animada. Tentei tornar-me regular nos vídeos das redes sociais, desisti. Os dias de início de ano em que me senti mais capaz de acreditar foram os dias em que estava com uma grande dose de medicação em cima depois de tirar um siso — dormia tanto que não havia como passar muito tempo a pensar em coisas. Claro que não era tudo mau, eu sei que não era. Fui ver Voz de Cama ao vivo, fui sozinha ao cinema ver Poor Things, tive um dia de neve, houve um livro novo do García Márquez, vi o solo do Luís Franco-Bastos ao vivo, fiz quase 150 friendship bracelers. Fiz dois cursos online quando já achava que não valia de muito investir em formação, fui convidada do Agora é Que Me Livro, tivemos álbum novo da Taylor, a Rita publicou o segundo romance, o FC Porto ganhou um novo presidente. Escrevi um livro (embora o tenha deixado a marinar desde maio). Vi o Van Zee e o Slow J na Queima, vi a Rita apresentar o livro dela, vi o espetáculo da Joana Marques, vi o São João do lado de Gaia — e quase chorei com balões. Fui à The Eras Tour duas vezes e ainda nem acredito que tive esse privilégio. Conheci Munique. Vi os GNR com a minha mãe, voltei várias vezes à Feira do Livro do Porto, participei na Caminhada do Dragão, vi Tragédia a la Carte e o solo da Bumba na Fofinha, mudei de casa para o Porto, fiz amigos novos, tivemos um novo álbum dos Linkin Park, vi o David Fonseca e Os Azeitonas ao vivo.
Este foi o ano em que agradeci constantemente o facto de a Andreia alinhar sempre que a convidava para algo porque me fazia sair de casa e do meu buraco negro, em que me senti a falhar constantemente e em que realmente senti que não conseguia mais, em que agradeci constantemente ter a mãe que tenho porque ela se esforçou por mim até ao fim, o ano em que mais tive dificuldade em explicar e mostrar o quanto estava magoada, em que agradeci tantas vezes o colo do A. porque era o único que conseguia calar o barulho de fundo, em que senti que realmente era uma fraude e o melhor era parar com tudo porque não havia nada na minha vida que pudesse dar o mínimo de alento, inspiração ou simplesmente felicidade a alguém, em que me senti profundamente feliz e agradecida quando ouvi os primeiros it’s been a long time coming…, em que achei que tinha errado em tudo e não havia volta a dar, o ano em que aceitei que se me davam uma oportunidade eu tinha de mostrar que a merecia e me atirei de cabeça mesmo achando que se calhar não estava à altura, foi o ano em que achei que um mês me ia matar de nervos e em que jurei que nunca mais deixaria que outubro ou qualquer outro mês louco de trabalho me deixasse assim, o ano em que fiz 30 anos e me senti tranquila com isso, em que escrevi um livro, mostrei-o a pessoas e depois decidi que ia reescrever tudo não sei bem quando, o ano em que achei que ia afundar e de repente fui resgatada e disseram-me para boiar.
2024 foi um ano fodido. You had to be there. Fui obrigada a lutar muito e a aprender muito e não sei como, mas sobrevivi a este ano do demónio. E depois de tudo o que o ano e a minha mente me fizeram passar este ano acredita que é um privilégio estar lavada em lágrimas a escrever este texto. Significa que consegui, que segurei o meu lugar, que finalmente vi frutos depois de anos a regar sementes. 2024 foi fodido, mas também foi tremendamente importante e acho, sinceramente, que foi o ano em que mais me obriguei a encontrar os pontos de luz para não me perder na escuridão — step into the daylight and let it go.
Nos últimos anos tenho-me desafiado a escolher uma palavra para definir o meu ano. Normalmente é tarefa relativamente fácil, mas este ano precisei de dar muitas voltas à cabeça para concluir que tinha mesmo de determinar 2024 como o ano do medo — por todas as vezes em que o tive e por todas as vezes em que percebi que não precisava de o ter.
Take the moment and taste it
You’ve got no reason to be afraid
Ainda bem que não foi o ano em que desististe do blog…
Espero que tenhas um ano de 2025 recheado de coisas boas.
Estou mesmo orgulhosa de todas as batalhas que conquistaste!
Um dia vai-me correr mal, porque vais estar a falar de outra Andreia e eu vou só assumir que sou eu, maaaaas… há zero a agradecer. Em 2025 cá estarei para continuar a alinhar em todos os planos 💙