não sinto nada [liv strömquist]

Quase no final do século passado, os Delfins tentaram explicar aquilo que era necessário para saber amar e até parecia simples: é saber deixar alguém te amar. Os anos passam e não só aquele tu-tu-tu-ru-ru-ru-ru continua a vir-me à cabeça instantaneamente quando ouço uma frase que inclua saber amar como também me parece que já ninguém sabe muito bem o que acontecia na novela da TVI que aproveitou esta música como genérico. Mas afinal qual é a dificuldade de amar para haver quem não o saiba fazer, obrigando o Miguel Ângelo a cantar sobre o que é preciso para saber amar?

Quando Não Sinto Nada me apareceu como sugestão no Kobo Plus eu nunca tinha ouvido falar do livro, mas achei a capa engraçada e decidi ir ver de que se tratava. Estava com vontade de ler alguma novela gráfica, mas não queria ir às cegas e o facto de esta novela gráfica ser também um ensaio pareceu-me promissor e intrigante o suficiente para arriscar. Pelo que consegui perceber pela pesquisa inicial, a Liv Strömquist é conhecida por não se coibir de mostrar as suas opiniões sobre a sociedade e, num livro que promete abordar as relações humanas na atualidade e o impacto do mundo digital (e não só) nas relações afetivas, isso deixou-me curiosa. Queria perceber como conseguiria ela abordar algo assim numa novela gráfica. Afinal, não é bem essa a estrutura que esperamos ver num ensaio.

Seja a pensar na nossa experiência ou naquilo que nos passa de experiências alheias, acho que todos acabamos por pensar na forma como as relações funcionam hoje em dia, nas aplicações de encontros, naquilo que nos atrai ou afasta dos outros. É tão comum questionarmo-nos sobre o que se passa com as relações de hoje em dia, por que raio nos parecem tão fugazes. Será culpa nossa? Dos outros? Das redes sociais? Da sociedade? Mesmo que não seja um tema que nos preocupa em demasia, também é certo que nos cruzamos facilmente com piadas sobre como o Leonardo DiCaprio parece só namorar com mulheres de idade até aos 25 ano. Não menciono o DiCaprio por acaso: é com ele que a autora dá o ponto de partida para este livro.

O livro divide-se em dois capítulos: Não Sinto Nada, que dá título ao livro, e Outro Tu Num Instante. No primeiro capítulo a autora cria cinco subcapítulos — O desaparecimento do «outro», o avanço da escolha racional, a nova maneira de se ser um homem de sucesso, o desencantamento do mundo e a inaptidão para a morte. Os ensaios visuais (acho que será a forma certa de me referir a cada parte) juntam histórias, filosofia e comentário sociocultural, permitindo que a autora fale sobre como surgiu uma certa apatia emocional, sobre como as relações se tornam mais superficiais e sobre o impacto dos padrões estéticos. Os exemplos incluem celebridades como o Leonardo DiCaprio e a Beyoncé, mas depois são sustentados por teorias de especialistas em temas sociais. Já as ilustrações são um tanto caricaturadas e não escondem o sentido de humor da autora.

Apesar da curiosidade em perceber como é que um ensaio resultaria em formato gráfico, percebi que não funcionou tão bem para mim assim. Fiquei com a sensação de que teria gostado mais de ler texto corrido. Acho, ainda assim, que é interessante haver abordagens destas, ainda por cima com referências à cultura pop. Não funcionou muito bem comigo, mas o tema é interessante e certamente faz sentido perceber o que é que a sociologia e a psicologia têm a dizer sobre as relações modernas — e, de certa forma, sobre as relações das celebridades.

A verdade é que, por mais que tentemos desviar-nos do assunto, o ser humano é um ser social, que precisa de relações interpessoais, pelo que é impossível não pensar sobre elas, seja de que forma for. Afinal quem é que não quer compreender as relações que tem (ou não tem) com os outros? Não sei se o livro ajuda a compreendê-las, mas dá algumas perspetivas sobre o assunto. A sensação com que fico é a de que, talvez, o amor não esteja mais complicado — o ser humano é que começou a achar outras coisas mais importantes. Para uns pode ser o conforto, para outros são as modelos de vinte e cinco anos. No fundo, nunca duvidámos de que o DiCaprio precisava de ser estudado, certo?

Título original: Den rödaste rosen slår ut
Título em português: Não Sinto Nada
Autora: Liv Strömquist
Ano: 1989 (PT: 1990 – li a edição de 1997)
Lido entre 15 e 23 de dezembro de 2024

não sinto nada Liv Strömquist

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