Às vezes penso que escolhi mal a profissão, que devia ter escolhido algo analítico, sem ponta de necessidade de criatividade. Se calhar, penso, com um trabalho analítico, sobrar-me-ia espaço mental para a criatividade. Assim sinto que ela se esvai ou que vive ligada às máquinas. Tenho uma colega que diz muitas vezes que não nos dão, ao departamento de marketing, tempo para pensar, para sermos criativos e a verdade é que não dão. Também não dão liberdade para a criatividade. Mas o pior é que a sugam por completo e ao fim do dia resta muito pouco que dizer.
Honestamente, uma das melhores sensações do mundo é a de que querer regressar a algo o mais depressa possível: querer regressar a algo em que estamos a trabalhar o mais depressa possível. Isso acontecia-me muito com as histórias em que estava a trabalhar. As personagens passavam o dia comigo e eu chegava ao fim do dia a saber o que precisava de lhes dar. Mesmo que nos interrompessem elas continuavam ali. Agora à mínima interrupção elas vão embora e não regressam naquele dia, às vezes nem no seguinte. Dou por mim a pensar nelas com pena de não ter espaço mental para as receber. Será que levam a mal?
O cansaço é inimigo da poesia.
Sempre que acho que estou a ficar com a caixa de e-mails organizada entram mais e-mails. Acho que dei seguimento a uma tarefa e lá vem um pedido para alterações, e mais outro, e mais outro, e mais outro. Um pedido para algum tipo de material nunca vem completo. Falta sempre uma informação, um logótipo, um briefing que seja. Digo que os materiais precisam de duas semanas para serem feitos e querem-nos para outro. Pedem de manhã e ao início da tarde já estão a perguntar por eles. As imagens nunca estão bem à primeira, nem à segunda, nem à terceira. E eu só penso que é uma sorte eu ainda não ter desatado a usar foda-se em todas as frases.
Pergunto-me como fazem os outros. Como conseguem, onde conseguem, quando conseguem. Seria mais fácil se não gastasse o dobro da energia a tentar ser designer? Se não tivesse uma profissão criativa? Se trabalhasse de forma remota? Se não tivesse um trabalho de desgaste criativo rápido? O que sei é que os se não servem aqui. Fico na mesma. Não são os se que escrevem as histórias.
O tempo já não é o mesmo. Houve uma altura em que dava para encaixar toda a escrita que quisesse: durante as aulas, em viagens longas, de manhã cedo, ao fim da noite, naquela meia hora ao fim do dia de trabalho em que as tarefas estão cumpridas. Agora o tempo foge, é preciso selecionar bem a escrita que se quer usar, é preciso saber bem onde cabe, naqueles acessos loucos de inspiração, naqueles bocadinhos ao fim-de-semana em que nos fechamos em casa e nos conseguimos sentar depois de todas as tarefas domésticas.
É por sabermos que queremos regressar àquelas histórias, àquelas personagens, que fazemos por esticar o tempo e torcemos para não rebentarmos. E se mesmo no cansaço nos esforçamos para as manter connosco só podemos torcer para que um destes dias seja a poesia a ganhar.
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