A última vez que escrevi um destes pontos de situação gigantes sobre a vida tinha acabado de me mudar para a Maia. Entretanto já passaram quase três anos e tanto mudou. Acho que este último ano teve um impacto muito grande na pessoa em que me tenho tornado e naquilo que tenho procurado para o futuro, mas também nas questões que me têm atormentado.
Há um ano estava desempregada há alguns meses e, sem conseguir respostas positivas, estava mais do que desanimada: estava sem esperança, a falhar. Mais do que custar não conseguir trabalhar na minha área, custava ainda mais não conseguir trabalhos em lojas, em supermercados, como administrativa, como qualquer coisa. Nada nos prepara para nos sentirmos um absoluto pedaço de cocó por sentirmos que nem os trabalhos que achamos mais fáceis de conseguir conseguimos. Depois, numa altura em que já estava mais a desistir do que a tentar, fui a uma entrevista e fiquei. Em 48 horas passei de vou começar a preparar-me para ir lamber feridas para casa da minha mãe e desistir de tudo para vou ter de tomar conta do departamento de marketing desta instituição e é para começar já.
Profissionalmente, este ano foi muito desafiante e sinto que só nos últimos meses tenho conseguido impor-me. Nos primeiros meses fui atacada por todas as frentes, senti-me um peão em jogos que não percebia, levei com culpas de situações que não eram culpa minha, senti-me muitas vezes incapaz e, acima de tudo, assoberbada. Tive épocas tão cheias de trabalho que ia jantar fora com amigos e quase me sentia pronta a adormecer à mesa, nunca saía do trabalho a horas, nunca conseguia diminuir a lista de tarefas.
Passei a ter um estagiário na equipa e tem sido uma experiência agridoce. Por um lado, é ótimo ter alguém a quem mandar tarefas e conseguir equilibrar o trabalho dessa forma. Por outro lado, é péssimo ter de ser responsável por alguém que não responde da forma que seria esperado. Vejo notícias sobre a nova tendência do mundo laboral — o boredout — e tenho inveja dessa tendência porque quem me dera não estar sempre com mil tarefas pendentes e ter tempo para me sentir aborrecida.
Claro que também tem havido coisas boas tiradas deste trabalho: planos de divulgação que gostei particularmente de criar, campanhas que gostei de estruturar, coisas que aprendi. Soube há pouco tempo que vou ficar mais um ano e acho que vou conseguir mais algumas coisas giras neste tempo. Ainda assim, tenho cada vez mais pensado que a minha motivação para fazer melhor não se prende só com a causa em si, não é só vestir a camisola, é também para poder ter uma diversidade de trabalhos bem feitos que me possam abrir outras portas.
Mudar de trabalho motivou também uma mudança de casa. Deixei a Maia depois de dois anos e vim para o Porto. Finalmente no Porto, código-postal 4200. Sair da Maia era algo que eu queria há muito tempo e, a trabalhar no Porto, longe de transportes, tinha de fazer uma escolha inteligente em relação ao tempo e ao dinheiro que gastava em deslocações, algo que me ia tirar muita qualidade de vida. Além disso, só faço vida aqui, no Porto. Na Maia só tinha realmente apego à dentista. O resto está tudo por aqui, entre o Douro e a Circunvalação.
Pela primeira vez em muitos anos, passei a dividir casa com apenas uma pessoa, num prédio novo e com condições nas quais nunca tinha vivido. Claro que a renda também é a mais alta que já paguei, mas é este o mercado imobiliário e de arrendamento que temos… vemos algo abaixo de certos valores e desconfiamos, como se tivéssemos já assumido que estes valores é que são normais. Há uma forte possibilidade de, em breve, voltar a procurar casa e economicamente não estou preparada, mas psicologicamente acho que ainda estou menos.
Mudar de casa e passar ter outros espaços além de um quarto e duas prateleiras na cozinha fez com que passasse a ter plantas e começasse a sonhar com uma casa onde pudesse estar só eu, livros, plantas e um espacinho para apanhar sol. Infelizmente, acho que as garantias públicas e afins continuam a privilegiar apenas alguns e não dão para todos… eu conseguiria comprar uma despensa… com sorte.
Com estas mudanças de trabalho novo e casa nova, adotei novas rotinas matinais, que me têm motivado: leio sempre um bocadinho ao pequeno-almoço e arranjo a ouvir um podcast. Há muita coisa que tenho tido dificuldade em encaixar na rotina da forma que gostaria, mas ter estes hábitos diários logo de manhã deixa-me mais motivada e sinto que aproveito melhor os meus dias.
É muito curioso ver pequenas coisas tornarem-se tão comuns na nossa vida que a desorientação vem quando elas não fazem parte. Um bocadinho como deixar de precisar GPS na maior parte da cidade. No fim de abril tive férias ao mesmo tempo que a minha mãe e, por isso, ela e a Lady vieram passar uns dias aqui. Ter espaço para elas e poder mostrar-lhes os meus lugares habituais foi mesmo bom. Acho que a Lady é o tipo de cadela que se habituaria facilmente a viver numa cidade assim e adoraria.
Fora a vidinha habitual, os passeios de carro que vamos fazendo à noite têm sido as minhas coisas preferidas de fazer com ele. Primeiro porque acho fascinante como ele sabe sempre para onde virar, conhece as ruas, os atalhos… sinto que estou a conhecer melhor a cidade porque ele me dá as direções e também porque a estou a conhecer aos olhos dele. No topo das melhores coisas da vida estarão sempre os nossos passeios.
Além de tudo isto está, claro, a escrita. Tem, até, sido tema constante no que escrevo (um pouco meta) e nas conversas com as minhas amigas. Acho que esta questão começou durante o tempo em que estive desempregada e foi só ficando por cá, com contornos diferentes. Tenho tido dificuldade em encaixar a escrita na rotina, é certo, mas também em voltar ao que sempre foi a minha essência. Sinceramente, não sei se não é por isso que estou a escrever este update gigante depois de anos sem o fazer. Tentar fazer um ponto de situação para tentar recuperar a partir daí.
No ano passado escrevi um livro. Depois de o terminar, entre opiniões de leitores beta, comecei a rever e percebi que não estava bom. Não passava aquilo que eu queria. Decidi deixá-lo ficar a maturar mais uns tempos e, sem ter ainda certezas em relação ao que queria fazer-lhe, fui deixando ficar. Comecei recentemente a reescrever. É um processo lento, porque é completamente diferente escrever um livro ao mesmo tempo que temos um trabalho a tempo inteiro de 40 horas semanais, ainda por cima numa área criativa. Há um certo esgotamento criativo que nos impede de ir mais depressa. Para já, quero só transformá-lo naquilo que sei que ele pode ser. Depois logo se vê.
Este ano, à semelhança do que fiz mais ou menos no ano passado e totalmente em 2023, vou aproveitar algum tempo do verão para férias de blog e newsletter, entre 15 de julho e 15 de agosto. Não terei férias nessa altura, mas quero aproveitar esse mês para pôr ideias em ordem e reestruturar um bocadinho aquilo que quero fazer. Ainda não sei se vou preparar antecipadamente newsletters para esse mês ou se paro mesmo tudo, mas preciso de criar uma estratégia de conteúdo para mim própria e, para isso, acho que vou ficar melhor se me der férias. Regressarei na semana em que começa a Feira do Livro do Porto.
Este último ano tem sido um ano de grande crescimento pessoal e até profissional. Tenho uma vida cada vez mais cheia de atividades e de coisas que quero ver e conhecer. As consultas na psicóloga estão cada vez mais espaçadas e não sei se não ficarão ainda mais agora. Por um lado tenho receio de espaçar ainda mais, por outro sei que a ansiedade é algo com o qual tenho aprendido a lidar melhor e também sei como me tenho sentido em relação a outras questões que motivaram muitas sessões de terapia. Acima de tudo, tenho descoberto as pessoas com quem me sinto melhor e que vão sempre pedindo para fazer coisas. Tenho percebido quem é que parece dar-me vida quando passamos tempo juntos. E a coisa mais assustadora é perceber que temos tanto com que nos preocupar neste nosso pedaço de terra à beira-mar plantado. Tememos a extrema-direita e outra guerra mundial, tememos que o governo não nos ajude realmente porque ainda estamos no escalão dos jovens, mas não estamos no escalão dos ricos, tememos o futuro, mas sabemos que esse futuro se faz por aquilo que estamos a viver agora. E tentamos viver o melhor possível com aquilo que temos. A vida tem mesmo sido bué cenas. É deixá-la ser.
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