Sempre me fascinaram as histórias das pessoas que tinham mudado drasticamente de área profissional. A vontade e a coragem de, com anos investidos numa profissão, decidir fazer algo totalmente diferente merecia o fascínio. Sempre achei que não devia ser um caminho fácil, mas ultimamente tenho a certeza de que foi um caminho ainda mais difícil do que eu projetei.
Deixa-me falar-te do meu percurso: fiz o secundário em Economia, licenciei-me em Jornalismo, escrevi para jornais da faculdade durante o curso, trabalhei um mês e pouco numa rádio local, fiz uma pós-graduação em Marketing Digital, trabalhei em marketing, trabalhei como rececionista, fiz um mestrado em Estudos Literários, voltei a trabalhar em marketing, fui fazendo cursos de marketing.
Como vês, o meu percurso não tem nenhuma mudança drástica. Podes dizer que do Jornalismo ao Marketing não é só um passo, mas também não é algo drástico — até é bastante comum. Podes dizer que Estudos Literários não é bem relacionado com nenhum dos anteriores, mas também não é, não foi nem pretendeu ser uma mudança, apenas um complemento a outra parte da minha vida.
Ora, se Jornalismo e Marketing não vivem assim tão longe, como é que tantos anos depois, com tanto trabalho depois, ainda há quem trate estas duas áreas como se eu tivesse feito uma mudança drástica e tivesse estudado Matemática para depois querer ser professora de Português?
Não tínhamos já ultrapassado isto?
Há não muito tempo fui rejeitada num processo de recrutamento para o qual achei que tinha sido feita: queriam alguém com formação em Marketing, Comunicação, Jornalismo ou similares (eu!); com gosto pela escrita criativa (eu!); que soubesse usar português correto (eu!); com um bom portefólio de conteúdo escrito (o meu portefólio é bastante decente e diverso).
Candidato-me com confiança. Pedem o portefólio. Marcam entrevista. Estou confiante porque tenho todas as características que pedem, com o extra de ter experiência em marketing de conteúdo e copy e, choquem-se, de ter várias provas de capacidade de escrita. Sei que, se for rejeitada, não será por não corresponder ao perfil.
O que não sei é que vou perceber que vou ser rejeitada com uma única frase dita no final da entrevista: não sei se a tua experiência em jornalismo é adequada, acho que te vai prejudicar.
Voltemos ali acima: a minha experiência em Jornalismo é ter escrito para núcleos académicos e ter estado um mês e meio numa rádio. Isto foi até 2016. Como assim três anos de Jornalismo, onde por acaso aprendi a escrever melhor, vão prejudicar-me? Peço desculpa? Não estava ali escrito que queriam alguém com formação nesta área?
Nunca fiquei tão confusa na vida. Só não bate o melhor final de entrevista de sempre porque esse estará reservado durante muito tempo para a entrevista em que me desligaram a chamada de vídeo na cara, do nada.
Não estar sozinha é tão tranquilizante
Na altura das eleições legislativas vi muitos testemunhos inflamados de pessoas da minha geração. A cada nova revolta, eu sentia-me mais tranquila. Sempre que alguém mencionava os preços loucos das rendas, os salários baixos ou a dificuldade de progressão na carreira e no resto da vida, havia algo em mim que apaziguava.
Não te deixes enganar. Eu estou tão ou mais chateada do que estas pessoas. Mas muitas vezes senti-me sozinha nestes percursos. Parecia que só eu é que achava injusto receber o salário mínimo e ter patrões a conduzir Teslas e a fazer férias que custavam seis ou sete meses do meu ordenado, que só eu é que achava um abuso as rendas que pediam, que só eu é que sentia que não podia viver muito da vida que queria porque não tinha essa hipótese. Claro que sabia que não era a única, mas ver estes relatos é saber, de facto, que não estou sozinha.
Não estou sozinha: há mais quem ache revoltante a qualidade dos salários; há mais quem não perceba como é suposto suportar estas rendas — ainda mais com estes salários; há mais quem sinta que há uma parte da vida que está indefinidamente adiada porque não nos são dadas condições; há mais quem não perceba o que caraças se passa nas empresas, nos processos de recrutamento que ou são humanamente impossíveis de preencher ou são tão perfeitos que dá merda; há mais quem por vezes se pergunte como caraças se sai da rodinha do rato do: com demasiada experiência — sem experiência suficiente; com demasiadas competências — sem competências suficientes; com demasiada vontade de desistir — sem condições para desistir.
Às vezes não estar sozinha já é uma grande ajuda: ajuda muito a não perder a esperança.
Revejo-me tanto nesta questão do não estar sozinha ter um efeito tranquilizante. Quanto ao marketing e jornalismo e a essa frase que te disseram na entrevista, fez-me revirar muito (MUITO) os olhos. A minha licenciatura tinha as duas vertentes e, apesar de nunca ter trabalhado em jornalismo além do obrigatório no jornal académico, sei que ter essa área me ajuda imenso no meu trabalho