treze coisas que levo para os trinta

Os trinta sempre me pareceram uma idade muito adulta. Como se aos trinta passássemos de adultos-júnior para adultos-sénior. De certa forma parecia que bastava chegar aos trinta e muito (ou tudo) da vida estaria resolvido. Parecia-me sempre, em adolescente, que as pessoas de trinta tinham tudo resolvido, sabiam o que queriam, sabiam quem eram, amavam o que faziam, faziam o que amavam. Também me parecia que começavam a deixar de ter tanta coisa que queriam fazer — porque ou já tinham feito muito ou já não havia muito que almejassem. Depois comecei eu própria a aproximar-me dos trinta e a perceber que, na verdade, ao perto as coisas não eram bem assim, que talvez não fosse tudo resolvido. Fiz trinta anos na sexta-feira.

Ao longo dos vinte escrevi todos os anos algo que tinha aprendido nesse ano (20 coisas que aprendi aos 20, 21 aos 21, …, 25 aos 25, …, 28 aos 28), mas inconscientemente decidi que não ia fazer um de 29 coisas que aprendi aos 29. Entrei numa nova década, talvez esteja na altura de coisas novas ou, pelo menos, de tentar meditar de outra forma. Sim, aprendi muita coisa aos 29, reaprendi outras tantas também. Esperava que me caísse a ficha e tivesse algum tipo de crise como tive aos 25, mas cheguei aos trinta sem a crise, sem gastar muito tempo a pensar neste marco temporal.

Ontem parei durante um bocadinho para cumprir algo que tenho tomado como tradição: escrever uma carta a mim mesma, daquelas que o futureme.org entrega na data que estipulamos. Tenho-o feito de aniversário em aniversário e, este ano, calhou receber duas, uma delas escrita em maio de 2020. Terminei a carta a falar de objetivos. Sei que tentei pensar no ano novo em que entrei e não tenho qualquer ideia do que esperar nem sei ao certo o que quero alcançar. Claro que tenho dois concertos na agenda e houve objetivos de 2024 que ainda não foram cumpridos, mas parece que os trinta entraram quase como uma folha em branco, disponíveis para o que quer se seja. No entanto acho que não é totalmente uma folha em branco porque houve tanta coisa que os 20 me ensinaram que moldará certamente a forma de encarar os (e de agir aos) trinta. Estas são treze coisas que levo para os trinta.

  1. Compromisso e seriedade na escrita. Honestamente, acho que dizer que se escreve é algo completamente diferente aos quinze, aos vinte, aos vinte e cinco e aos trinta. Aos quinze é bonito, é romântico, é um incentivo de criação artística. Aos vinte é a promessa de futuro, é a idade para ser uma jovem promessa, é o sonho que pode tornar-se realidade. Aos vinte e cinco é o hábito, o compromisso, mas se não estás a fazer nada sério ou relevante então começas a ficar para trás. Aos trinta acho que só se pode esperar compromisso e seriedade, principalmente quando ainda não voltei a ser escritora e ainda não me tornei cronista (algo que nem deve acontecer, mas que desejo sempre que leio livros de crónicas). A escrita é tanto e nem sei que formatos ou que lugares ocupará no futuro, mas recuso abandoná-la, mesmo que se dê o caso de um dia passar a ser algo que não é partilhado.

  2. Uma relação saudável com a comida. Foi algo que demorou o seu tempo, mas sinto que realmente consegui melhorar muito a minha relação com a comida e com o meu corpo. Se cuidar do meu corpo sei que ele vai cuidar de mim e agora os meus dias começam sempre com pequeno-almoço ou, pelo menos, com algo no estômago. Já não fico a pensar se as pessoas vão julgar o que como ou a quantidade do que como. Porra, este ano quase fui comer uma francesinha diferente todos os meses. Na verdade, acho mesmo que devia estabelecer isso como hábito e ir mesmo todos os meses comer uma francesinha diferente. E sem perder as comidas de conforto. Ainda não consegui descobrir como fazer uma sopa que me dê o mesmo conforto da sopa da minha mãe (ou da sopa do Continente), mas hei de lá chegar, quem sabe nesta nova década. Mas trago comigo o conforto da canja de ovo, da massa com feijão, da lasanha de atum com cogumelos, do bacalhau com natas e da muito pouco saudável tosta de queijo e doce de morango.

  3. A ideia reformulada de que os pontos ligam-se todos. Ou não. Os pontos ligam-se todos era algo que eu dizia muito no início dos 20, quanto estava no curso de jornalismo e sentia que ter esperado um ano para entrar na ESCS e estar a aprender tudo era algo que estava a contribuir para algo maior. No final, os pontos ligar-se-iam todos. Ao longo dos vinte houve muitas vezes em que achei que estava muito errada por ter pensado isto, que nem tudo se liga, nem tudo faz sentido, nem tudo vai ajudar a forma a imagem bonitinha com todos os pontos ligados. No entanto esses pontos podem não estar a formar uma imagem: podem estar simplesmente a ser momentos de passagem, podem não formar qualquer imagem, podem ser só mais precalços, aprendizagens ou momentos de repouso. No final hão de ligar-se todos. Ou não. Ainda não cheguei ao final.

  4. O work in progress de aprender a lidar com a minha mente. Os vinte fizeram-me entrar em confronto com a ansiedade. Aprender a lidar com a minha mente é algo que é contínuo e onde parece haver muitas vezes a sensação de retrocesso. No entanto estou a aprender. Reconheço alguns gatilhos, obrigo-me a algum recolhimento quando acho necessário, digo abertamente quando me sinto mais ansiosa e acho que isso pode influenciar a forma como me comporto, até já cheguei ao ponto de pedir tempo para pensar antes de falar de algo. Vou ter de lidar com a minha mente para sempre, por isso é bom saber que, pelo menos, estou a aprender a fazê-lo.

  5. O sentimento de estar em casa. Na adolescência não sabia o que significava estar em casa, sentir-se em casa. Em Lisboa comecei a aprender isso, mas estava de passagem. Ter passado a ter dois lugares a que chamo casa foi algo que sinto que foi meio conquistado meio aprendido. A minha mãe comprou uma casa e fez dela isso mesmo. O Porto foi a cidade que escolhi como casa e pela qual lutei. Acreditas que caminho pelas ruas do Porto, onde agora vivo, e ainda não acredito que tenho a sorte de o ter como casa?

  6. A aprendizagem de You know, in your soul, when it’s time to go. Mesmo que sejam amizades de anos, o trabalho que te sustenta, a pessoa em que confiaste cegamente. Talvez perceber que é altura de ir embora seja uma das coisas mais dolorosas da vida, talvez ver uma amizade acabar seja uma das coisas mais tristes da vida, mas a sensação de tudo no nosso corpo nos dizer que é hora de ir embora não desaparece assim. Eu sei porque eu tentei ignorá-la várias vezes: quando a minha amizade mais importante estava a acabar e achava que era impossível porque íamos certamente ser amigos para sempre por isso ia só tentar mais uma vez, quando soube que tinha de me despedir daquele trabalho ou ia ter um esgotamento nervoso, mas ainda estive mais de um mês a trabalhar antes de entregar a carta de despedimento, quando já sabia que tinha de ir embora daquela merda de relação, mas ainda assim aceitei um último dia juntos, só para perceber que me queria mesmo ir embora e que se calhar estava a conhecer alguém melhor noutro lado. Não há como negar: o nosso corpo dá-nos os sinais todos, grita-nos que é para ir embora. Só resta ouvir.

  7. A organização que insisto em não perder. Até posso procrastinar, mas sou uma pessoa organizada e não sei lidar com a desorganização dos outros. Espero aprender, porque acho que deve ser uma das coisas mais importantes de trabalhar em marketing: lidar com a desorganização dos outros, com as alterações de última hora (na última meia hora da semana), com a falta de noção de trabalho de equipa, com os prazos loucos, com a ideia pré-feita de que uma imagem e copy se fazem em cinco minutos. Aprendi a ser organizada no meu trabalho, a cumprir os prazos a que me proponho e tudo isso, mas realmente nem um ano em atendimento ao público me fez aprender a lidar com pessoas. Tornou-me mais humilde e mais consciente, mas não chegou para me ensinar a lidar com a desorganização dos outros.

  8. A playlist bem variada. Não só a música, mas principalmente a música tem sido um bom fator de ligação aos outros. Desde a adolescência que sempre me disse desejosa de ouvir música todos os dias, a toda a hora. Sedenta de conhecer tudo, de ouvir boa música, de ir a concertos, de me envolver tanto com aquela arte. Quando lia a BLITZ queria ser tão culta quanto eles. E a verdade é que houve muitos anos, principalmente nos vinte, em que senti que fui tanto à descoberta que nem eu própria sabia bem o que queria encontrar. Neste último ano e tal foi o funk brasileiro que invadiu a minha vida, mas não invadiu sozinho: trouxe o rap português e o pop português feminino. E, no meio de tudo isto, ensinou-me de que a vida enriquece muito mais quando a deixamos encher-se de música, mesmo quando é música que a BLITZ nunca aprovaria… ou principalmente quando é música que a BLITZ nunca aprovaria?

  9. A Taylor. E já que falamos em música: trago-a comigo desde os 13 ou 14 anos e espero levá-la durante muito tempo, enquanto ela nos quiser dar música. No ano em que finalmente pude ver a Taylor ao vivo duas vezes, pensei também muito sobre como ainda tenho coisas em comum com ela, mesmo que ela seja agora uma bilionária que namora com um jogador de futebol americano: ainda estamos a aprender. As relações correm mal, as amizades acabam, a vida social e política é complexa, as pessoas com quem nos damos nem sempre defendem tudo o que defendemos. Mas estamos a aprender ainda. E eu sinto que continuo a aprender muito com ela, com a música dela e até com a forma como ela controla a sua própria narrativa.

  10. A permissão para parar para respirar. Muitas vezes me senti culpada por parar para respirar, mas também senti muitas vezes que não podia mesmo parar para respirar quando podia e devia fazê-lo. E eles sempre disseram que devemos dar-nos uma oportunidade para respirar. Não é assim tão difícil.

  11. A lista de livros que supostamente iria limpar em 2024 e não limpei. E a lista de ebooks que nem me atrevo a contar. E os que ainda não comprei e digo que quero ler. Muitos livros, sempre muitos livros. Talvez mais consciência a comprá-los, mas comprando-os na mesma, lendo-os sempre.

  12. As cicatrizes que ficam. A vida dá tanta porrada que é bem possível que metade de nós seja traumas e cicatrizes. Esses traumas e cicatrizes vão acompanhar-nos sempre, fazem parte de nós, da nossa história. Infelizmente há alturas em que parece que só recebemos porrada, que mal estamos a começar a levantar já estamos a cair novamente. Felizmente algo que fui aprendendo nos últimos anos é que se soubermos tratar as feridas as cicatrizes vão diminuindo. E se soubermos deixar os nossos amigos acolher-nos as dores parecem mais subtis.

  13. Os saltos que damos sem paraquedas. No dia em que o conheci decidi que ele era provisório e pronto. Foi uma mistura de atração inexplicável, timidez e algo a que vou chamar química porque se for ciência parece mais sério. Tinha passado anos a proteger-me de desilusões amorosas para depois ir cair na farsa de alguém péssimo, por isso claro que não ia deixar que esta pessoa entrasse na minha vida. Não, obrigada. Não o ia voltar a ver e pronto. Estava tudo seguro, podia saltar de onde quisesse porque estava segura. (…) Corta para: passaram mais de dois anos e eu dei um salto sem paraquedas e deixei que ele entrasse na minha vida. Sinceramente, às vezes tenho muito medo — ainda por cima tenho algumas vertigens —, porque sei que a queda pode ser grande, mas ele continua a dar-me a mão, mesmo quando já curei as feridas. Talvez um dia o medo vença ou o vento mude de direção, mas há algo que já não se perde. Chamem-lhe o que quiserem.

 

Cada vez mais tenho noção de que estamos a fazer o melhor que conseguimos — e não conseguimos milagres. Temos de continuar a ser gentis connosco mesmas. Havemos de ficar bem. Havemos de descobrir o que é melhor para nós à medida que vamos crescendo. Continuamos a aprender. Vamos sempre continuar a aprender. Aparentemente, é assim que se chega aos trinta.

2 Replies to “treze coisas que levo para os trinta”

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