PASSAPORTE PARA O CÉU – PAULO MOURA

Book Review: "Passaporte para o Céu", de Paulo Moura [2006]
Às vezes acho que fechamos os olhos e fingimos que não há mundo além da nossa rua. Reparem que estou a escrever no plural: eu também finjo que não há mundo além da minha rua. Quando, algures em 2015, nos começaram a chegar notícias e reportagens de mortes no Mediterrâneo, de pessoas vindas de África, principalmente migrantes e refugiados, muitos reagiram com surpresa. Não faziam ideia de que isso acontecia, de que milhares e milhares de pessoas atravessavam o mar Mediterrâneo em barcos sem capacidade para tanta gente. Não deixa de ser curioso eu ter terminado, na semana passada, um livro que fala exactamente sobre a imigração na Europa. A questão é que isto foi escrito em 2005! 2005! Já passaram mais de dez anos!
O livro a que me refiro é o Passaporte para o Céu, do jornalista Paulo Moura. Lembram-se de vos ter falado do Longe do Mar? A Bárbara emprestou-me outros livros e este foi um deles. Li-o numa tarde, quase sem fazer pausas. Arrepiei-me de cada vez que lia um testemunho e pensava porra, passaram mais de onze anos e não parece haver uma solução? Depois, claro, fiquei realmente irritada comigo e com o mundo: como é que um problema destes se arrasta durante tanto tempo e, ainda assim, reagem com surpresa quando sabem que um barco com imigrantes naufragou? Pior: como é que ignoram algo só porque acontece há tanto tempo?
Bem, depois de me acalmar com a leitura, lá consegui ler o livro. É, mais uma vez, um livro jornalístico, em que os vários capítulos contam histórias reais das várias personagens, que às vezes se cruzam. As histórias, essas, passam-se entre a praça do Intendente, em Lisboa, e Tânger, Missnana, Marbella ou a Andaluzia. Acho que o livro me deu mais material para pensar do que material para escrever, sinceramente. Por isso, para terem um ideia melhor do tema do livro, vejam a sinopse:

Pas­sei dias com os imi­grantes sub-saarianos nas furtivas pen­sões de Tânger, dormi na aldeia de Rah Rah, na flo­resta de Miss­nana, vis­itei o bosque de Ben Yunes, na fron­teira de Ceuta.
Assisti à missa de domingo, numa clareira de Miss­nana, ouvi os que ficaram doentes ou feri­dos, os que foram assalta­dos ou depor­ta­dos dez vezes e voltaram a pé.
Entre­vis­tei os pas­tores evangéli­cos, os líders africanos e os mafiosos mar­ro­quinos.Segui até à estrada de Mar­bella, na Andaluzia, até à praça do Inten­dente, em Lis­boa, as nige­ri­anas con­de­nadas à pros­ti­tu­ição pelos seus con­tratos com a máfia. 
O dossier de notí­cias e estatís­ti­cas transformou-se, para mim, na história dos “cama­rades”. A história que não con­sigo acabar.  
Título OriginalPassaporte para o Céu
Autor: Paulo Moura
Editora: Publicações Dom Quixote
Ano: 2006
Nota ASW: 7/10

4 Replies to “PASSAPORTE PARA O CÉU – PAULO MOURA”

  1. Isto é um tema que me deixa particularmente sensibilizada. Tenho a certeza de que, se ler o livro, chorarei. É inevitável. As pessoas que têm poder neste mundo preocupam-se demasiado com aquilo que é delas, e acho muito bem, mas esquecerem-se de que estas pessoas não são só um número deixa-me irritada. Há pessoas a viver em campos de refugiados, em pleno inverno, com pouca roupa e numa tenda que deve ser tão fria como o ar que a envolve. É desumano. Tanta coisa que precisa de ser tratada para, de uma vez por todas, dar um lar a estas pessoas sem culpa alguma e os nossos governantes, muitas vezes, preocupados com mesquinhices.

    1. Eu, chorona profissional :p, não chorei, mas fiquei realmente irritada (caso não tenha sido totalmente explícito no texto ahahah). É um livro bom, principalmente para pensar.

  2. É um tema inquietante, que me choca muito. Não conheço o livro, mas gostava de lê-lo. Boa sugestão, Sofia 🙂

partilha a tua teoria...