Há uns dias, numa sessão de perguntas e respostas no Instagram (@asofiaworld), alguém me perguntou qual era o meu emprego de sonho. A minha resposta pronta foi a de sempre: ser escritora a tempo inteiro. No entanto, depois pensei um bocadinho sobre o assunto e acabei num rant sobre empregos de sonhos. Se me segues no Instagram já deves saber que, de vez em quando, tenho grandes monólogos nas histórias. Este foi mais um desses. Confesso que gosto de os fazer porque são assuntos em que no momento tenho algo a dizer e assim consigo fazê-lo rapidamente e porque muitas vezes acabo com ideias de temas sobre os quais gostava de escrever. Como é o caso dos trabalhos de sonho.
O que queres ser quando fores grande?
Sinto que a ideia de trabalho de sonho nos é meio impingida desde sempre, desde que nos começam a perguntar, em crianças, o que queremos ser quando formos grandes. A partir daí é sempre a piorar. Toda a gente tem opiniões e conselhos sobre quais devem ser os nossos trabalhos de sonho.
Parece ficar decidido que temos de estudar algo numa universidade, não importa se gostamos ou não, se queremos ou não. Temos de pensar na nossa carreira: o trabalho que vamos ter precisa de ser pensado dentro da óptica da carreira segura. Mas isso ainda existe?
O trabalho de sonho surge como algo que nunca vamos poder ter. Como algo que podemos querer, mas ao qual muito dificilmente vamos chegar. Ou seja, é assim que a escrita a tempo inteiro surge para mim como trabalho de sonho. No entanto, se me perguntares qual é o meu trabalho de sonho neste momento a resposta não é algo ao qual não vou chegar, não é algo abstracto: o meu trabalho de sonho é aquele que estou a tentar ter.
Trabalhos de Sonho vs. Ambição Profissional
Depois há a ambição profissional. O conceito de ambição refere-se a desejar fazer ou conquistar alguma coisa. Profissionalmente, confunde-se muitas vezes com querer grandes trabalhos, grandes cargos, salários que estão muito acima da média. No entanto, a certo ponto, só queremos mesmo um trabalho estável, que nos dê dinheiro e não nos chateie a cabeça. Será que isso não é ambicioso também? Para mim, um trabalho que não chateie a cabeça é um trabalho de sonho.
Claro que a ideia de ter uma carreira segura e constante numa qualquer área parece muito interessante, mas nem toda a gente tem os mesmos propósitos e objectivos. Enquanto uns perseguem uma carreira, os outros, que muitas vezes têm aquilo que pode ser considerado pelos outros como um trabalho inferior, simplesmente têm um trabalho e conseguem uma qualidade de vida melhor do que aquela dos que perseguidores de carreira têm. Não significa que não sejam pessoas ambiciosas, simplesmente têm ambições diferentes.
Eu não sei se tenho um emprego de sonho... ou se quero ter um emprego de sonho
Não é preciso ter um emprego de sonho, nem sequer é preciso querer ter um emprego de sonho. Como disse, o emprego de sonho para mim, neste momento, é o que estou a tentar conseguir. Não sei se tenho um emprego de sonho mais específico do que isto e, sinceramente, não sei sequer se quero ter um emprego de sonho específico.
Em vez de ter uma função de sonho, aquilo que tenho é um conjunto de pontos que, para mim, são importantes profissionalmente, que me motivam e que fazem com que um emprego se torne um sonho. Um salário justo é importante, claro, mas vai além disso: o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o desafio de aprender alguma coisa e aperfeiçoar essas aprendizagens de forma a, a certo ponto, ser tão natural que o passo seguinte é ir aprender outra coisa.
Trabalhos de Sonho e Recrutamentos
Esta mentalidade do não tenho uma função profissional de sonho tem sido interessante em fases de procura de trabalho. Por um lado, eu estudei duas coisas diferentes — jornalismo e marketing digital — logo tenho algumas opções variadas quando se trata de me candidatar a algo. Por outro lado, as minhas experiências profissionais dividem-se também entre o marketing — tanto na Bertrand como em freelancer trabalhei em várias vertentes de marketing — e algo nada a ver, mas que me deu outro tipo de competências: o ano que trabalhei numa clínica veterinária.
Por aquilo que sei fazer, que me interessa fazer e que gostava de fazer, eu não chego a um trabalho de sonho. Em vez disso, chego a projectos que me parecem ser o sonho ideal para tentar concretizar. Se calhar, se tivesse um trabalho de sonho fazia tudo na vida em função disso e tinha essa motivação, mas também frustração. Não tendo essa versão idealizada, parece que surgem mais opções, mais liberdade de escolha.
Tenho a sensação de que sempre que me vejo em épocas de procura de trabalho dou sempre por mim a pensar muito mais sobre trabalho e não sei o que poderás pensar sobre isto, mas queria partilhar algumas ideias sobre este tema.
Sinto que também é uma questão muito cultural. Infelizmente, o nosso país vive uma cultura de viver para trabalhar, e quando isso é cultivado, é inevitável que se deseje estar a trabalhar num lugar ‘de sonho’. Cria-se uma pressão em torno de um trabalho que nos realize porque é parte integral das nossas vidas.
Por outro lado, a nossa geração cresceu muito na hustle culture, onde não existe cansaço quando se faz o que se gosta e a ambição tem de ser chegar à cadeira de CEO. A combinação destes dois fatores parece-me super prejudicial.
Não sei se em outras culturas, em que se trabalha para viver, exista esta mentalidade do trabalho de sonho porque o sonho não é só trabalho e o trabalho não é a vida (é uma parte dela, saudável, se possível). Eu diria que estou naquilo que considerar-se-ia o meu trabalho de sonho e, ainda assim, desejo férias, tenho tarefas que não gosto, tenho dias chatos e pouco produtivos e quero que a minha vida seja mais do que o que acontece naquele horário de trabalho. Isso também liberta a pressão do trabalho – que eu adoro! – ser tudo na minha vida, ser perfeito.
Cansa-me que as pessoas estejam tão monotemáticas e depositem fichas numa só coisa (o sonho no trabalho, o amor num parceiro, a ambição na conta bancária, a realização num teste de gravidez…). Caramba, há tanta coisa, a nossa vida é tão rendilhada por tantas pessoas, experiências e escolhas… Desde quando é que nos tornámos um nicho? Que seca!