Em inglês, costuma dizer-se: hurt people hurt people. Em português isto traduz-se como pessoas magoadas magoam pessoas. Ela nunca tinha pensado muito nisto até se referir a toda aquela situação usando a seguinte frase: lá porque ele está partido não precisava de me querer partir também. Será que broken people break people? Pessoas partidas partem pessoas? Nem sabia se isto fazia sentido, mas no Natal esta ideia chegou sem embrulho ou fatias douradas. Um presente envenenado que só ele lhe poderia oferecer.
A culpa era dela, claro. O que acontece quando alguém que acredita no amor e gostava de ter amor na vida vai para o Tinder e dá match com um gajo mais velho, moreno e com uma certa aura de mistério? Acontece isso mesmo em que estás a pensar: ela acaba numa situationship. Desculpa os termos em inglês, mas, por vezes, era mais fácil ela se referir a todo aquele ano em inglês. It was a fucking mess. Parecia ter mais impacto noutra língua… talvez porque ela própria sentia que tinham passado aqueles meses a falar línguas diferentes. Eram línguas homófonas e homógrafas, porque eles entendiam o que diziam um ao outro, mas os significados eram completamente diferentes para ambos. De nada lhe servia o interesse em palavras: nunca conseguiria perceber como tal fenómeno acontecera. Mas estávamos no Tinder, não era?
Quando ela foi para o Tinder não tinha grande coisa em mente. Talvez conhecer pessoas, mas nem sabia se queria mesmo conhecer pessoas, porque conhecer pessoas não é assim tão divertido e entusiasmante quanto pode parecer. E então veio aquele match. Se lhe perguntares, ela vai admitir, a rir, que só meteu gosto naquele perfil porque uma das fotografias lhe lembrou o Drake (embora, sinceramente, nada a ver) e ela gosta de ouvir a música dele. Felizmente, de tudo o que ele estragou o gosto pelo Drake não foi um dos alvos.
Valeu-lhe um match. Ela soube meses depois que não houve qualquer critério na escolha dele. Ele deixava um gosto em todos os santos perfis que lhe apareciam à frente. Não havia um critério de beleza, de qualidade fotográfica, de descrição. Tudo o que aparecia recebia gosto. Era atirar o barro à parede e torcer para pegar. Pegou.
A primeira semana de conversa desenrolou-se tão lentamente que ela demorava dois dias a responder a mensagens e quase confundia o nome dele. Depois deixaram o Tinder e começaram a conversar no Instagram. E aí ela percebeu que ele era insistente. Convidou-a para um café. Ela hesitou. Perguntou aos amigos se podia partilhar localização, não fosse ele algum tipo de sociopata. Esteve quase para desmarcar. Escolheu roupa. Arrependeu-se da roupa — estava um vento desgraçado. Mas lá apanhou o autocarro. E depois o metro. Deixou a estação e decidiu esperar na rua. Ainda posso ir embora, pensava. Mas veio uma mensagem dele: cheguei. Era demasiado tarde para fugir.
Foi um café tranquilo, sem avanços, só conversa de circunstância. Livros, mestrado, a guerra que tinha começado no dia anterior. Ele era informado, mas ela não sabia dizer se era inteligente. Notava-se ali uma certa química. Física? Qualquer coisa científica que tanto pode correr muito bem como se tornar uma pandemia. Despediram-se. Quando ele se aproximou houve algo nela que sentiu que ele a ia beijar. Ela queria o beijo. Mas não queria o beijo. Afastou-se. Não era um beijo. Não desses. Será que ele notou?, perguntou-se. Esperava que não. Alguns minutos mais tarde, cada um na sua ponta da Rua de Santa Catarina, ele mandou uma mensagem: achavas que te ia beijar? Obviamente, ela mentiu: não. A resposta dele veio pronta. Só um bom jogador saberia responder devidamente àquele passe: então podia ter beijado. Naquele momento ela soube que ia sair dali algo. Uma parte dizia-lhe que ia entrar na sua era All Too Well, mas ela ignorou e focou-se na parte que lhe dizia que era a era reputation. Lamento a quem não fale Taylor-Swiftês, mas, em português-chato, isto significa que ela sabia que estava prestes a brincar com o fogo e havia algo que lhe dizia que se ia queimar, mas ela preferia pensar que pelo menos havia eletricidade.
Vou poupar-te aos detalhes de como em dois dias ele conheceu a cama dela e, depois de o deixar, ela chorou no banho porque tinha a certeza de que algo não estava certo ali, mas o que podia haver de errado quando tinha começado um ritual quase sagrado que duraria meses: meses de mensagens diárias de bom dia. De fotos, vídeos e áudios ao longo do dia de trabalho. De partilhas sobre a vida. Sobre a família. Sobre animes que ela nunca verá. Nestes meses, ela vai-se habituando. Habitua-se aos bons dias. Habitua-se a ser chamada bebé. Meu bem. Amor. Foda-se, ele chama-a amor. Ela vai tentando entrar no pequeno mundo fechado em que ele parece viver. Partilham cama, comida e olhares em lugares públicos. Prometem que contarão sempre um ao outro a verdade e que não haverá ghosts quando um deles quiser abandonar o barco. É a única promessa que fazem naquela situação. Não é mais do que óbvio que ela vai apanhar sentimentos? Não é mais do que óbvio que quando ela lhe diz que já não o vê como apenas amigo ele sabe perfeitamente que ela se está a apaixonar à grande? Ele não é assim tão burro para não saber isso. Então ele vira o jogo contra ela.
Ele desafia-a e ela vai respondendo. Talvez devesse ignorar os jogos de poder, mas ela acha que tem uma parte dele. Plot twist: não tem. Está tudo tão bem, tudo tão tranquilo. Ele acalma as crises de ansiedade. Juro que se os vissem diriam que há sentimentos de ambos os lados. Se ele tenta marcar golo, ela defende. Se ele a obriga a atacar, ela ataca. Mas um dia ela percebe que não quer mais aquele jogo. Podem jogar, mas um jogo mais tranquilo, em que só haja dois jogadores ou, pelo menos, em que ela não sinta que se não houver outros jogadores então ela vai perder de forma grandiosa. Ele puxa mais um jogo e ela diz que não. Diz-lhe que ele pode escolher outros jogadores para aquilo. E aí tudo começa a tornar-se caótico, confuso, estranho. Se os vissem diriam que há sentimentos de ambos os lados… e ele está a fugir-lhes. Ela puxa-o de volta, ele volta momentaneamente. E depois… silêncio. As mensagens de bom dia deixam de surgir. Ela pergunta o que se passa. Ele dá as desculpas. É o calor, é o trabalho, é o não sei o quê. Há algo errado a acontecer e ela não percebe o quê. Só percebe que ele está a escapar sem justificação, sem aviso, sem noção.
É aí que ela percebe que tudo o que achou que tinha construído ali não passou de uma ilusão, de uma farsa criada por ele. Mas e a química? Mas e a física? Mas e… Ele vai desaparecendo. Dias sem palavras, mas com lágrimas. As noites dela começam a encher-se de pesadelos e voltas na cama. Adormece a chorar, acorda para chorar. As noites dele ninguém sabe. Provavelmente devem ter sido boas. Ele não parece ter a capacidade de sentir remorsos.
Ela percebe que está a acabar, mas não lhe quer dar o gozo de o deixar acabar sem realmente dizer essas palavras. Então passa semanas a insistir, a esticar a corda para tentar perceber até onde vai chegar. É uma corda com qualidade, porque não rebenta. Nunca. Nada. Nem uma palavra. Que filha-da-putice. O verão vai a meio e ela simplesmente desiste de tentar que ele diga as palavras. Ele nunca as vai dizer. Ela informa que vai desistir. Ele diz que de momento não quer estar com ninguém. Encontram-se e ele age como se nada tivesse acontecido, terminando com um depois mando mensagem. Que raio de jogo é este? Ninguém a avisou de que ele podia simplesmente estar a enlouquecer. Ou estaria a tentar enlouquecê-la? Ele não manda mensagem, mas ela manda. Ele diz que quer estar com ela, mas não quer, mas quer, mas não quer. Que confusão. Ela insiste que ele se decida. Ele dá-lhe algumas respostas, mas ela sabe que falta algo. Não há mais forma de lidar com aquela confusão. Ela pega numa das jogadas dele e decide sair com outras pessoas durante uns dias. Parece resultar para o lado dele porque ele decide-se. Volta a chamá-la bebé, mas ela deixou de conseguir chamá-lo algo que não o nome dele e até o nome dele não parece uma boa coisa para o chamar.
Quando os lábios dele voltam a tocar nos dela é tudo diferente. Tudo ali é diferente. E depois vem aquela tarde de início de outono. Estão na mesma cama, mas parecem estar em pólos opostos do globo. Vão no mesmo carro, sentam-se na mesma mesa da esplanada, estão lado a lado no cinema, mas há ali uma série de coisas por dizer, uma série de segredos que ele guarda e ela desconhece, uma série de sentimentos não confessados. Ele nunca chamou as coisas pelos nomes. Ela deixa-o no metro. A magia já não está ali. No parque de estacionamento, ele confessa que, no verão, numa daquelas semanas de silêncio em que ainda deviam uma promessa um ao outro, ele esteve com A Ex. Esteve… bem, reatou com A Ex, dormiu com A Ex, discutiu com A Ex, acabou com A Ex. Tudo para aí em doze horas, ou o caraças. Então foi isso que fizeste no verão, pensa ela. E aí há algo que cai sobre ela de uma forma meio estranha. O sentimento de traição. Ele beija-a antes de sair do carro. E ela tem a certeza, nesse momento, de que aquele foi o último beijo. Não sabe quando nem como, mas tem a certeza de que vão acabar em breve. Acabar mesmo.
Quando nos dias seguintes ele fica em silêncio ela tem a sensação de déjà vu. Algo está muito errado. Passa uma semana. Nada. Passam duas. E tudo cai. É sábado. Um nome aparece nas mensagens do Telegram. O que é que este quer?, pergunta-se. Vai respondendo por cortesia. É o Namorado de uma Rapariga que esteve com ele. Aparentemente estão numa relação aberta e o Namorado-da-Rapariga quer sair com ela. Não, obrigada. No meio daquela conversa, não sabe bem como, o Namorado-da-Rapariga revela que estão naquilo há uns meses… desde junho. Ela lembra-se muito bem de junho. E depois o Namorado-da-Rapariga diz algo: pois, ele e a Rapariga estiveram juntos em junho. Da boca dela saem três palavras em voz alta: Filho da puta. Em mensagem saem quatro: Em junho deste ano? Ela lembra-se muito bem de junho deste ano. Eles ainda tinham promessas um ao outro. Não, não é só isso. A Rapariga tinha tentado ser amiga dela nessa altura. Que merda vem a ser esta? E então ele explica. Foram duas ou três vezes. Ela sente uma tontura e uma tormenta de lágrimas. Será que se perdeu na tradução? Ela tem a certeza de que aquilo é verdade e não precisa de confirmar com ele. E é assim, com meia dúzia de mensagens, que tudo descamba. E tudo faz sentido. O silêncio. Os segredos que ela pressentia que existiam. Aquela vez em que ele disse: não me deixes as costas marcadas.
Ela confronta-o em relação a todas as informações que obtém naquela conversa. Sobre junho, sobre quantas vezes em junho, sobre se tentou mesmo atirar-se àquela Rapariga quando ainda tinha namorada, sobre por que raio não lhe contou quando tinham prometido que iam ser sempre honestos sobre isso. Ele vai respondendo. Desta vez é ela que fica em silêncio. Dois dias. Sabe o que tem de fazer, mas ainda não sabe como. É um pedaço de papel amarrotado. Na segunda-feira não aguenta mais. Pega no telemóvel e envia-lhe uma mensagem. Diz-lhe que quer acabar. Que quer e merece mais do que aquilo. Estou farta de ser um brinquedo nas tuas mãos.
Podia dizer-te que isto foi o fim, mas não. Tudo está bem quando acaba bem, mas ainda não acabou.
Quando algo assim acaba é difícil. Primeiro porque parece que não podes sentir-te em luto. Depois porque uma pessoa como ela quer sempre tentar o melhor, quer sempre tentar salvar algo. A amizade. Vai havendo silêncio, espaço. A pessoa da vida dele faz anos e ela dá-lhe os parabéns. Ela faz anos e ele dá-lhe os parabéns. Quase um mês depois de acabar, ela pergunta se podem tentar ser amigos. Mais uma vez ele mostra que apesar de ter dois metros não chega aos calcanhares dela. De momento não tenho tempo. Ela nem responde. Ela é que não tem tempo para lhe explicar que a única pessoa na vida dele que ainda se preocupava com ele era ela e que ele simplesmente a perdeu. De vez. Sim, ela pode tentar muitas vezes, pode não desistir facilmente, mas quando desiste… é de vez.
Novembro vai passando assim, entre lágrimas. Dezembro passa melhor. Chega o Natal. Ela, que já mal pensava nele, passa a semana a lembrar-se dele. Que vontade de desligar a mente. Continua calada. Mas é dia de Consoada e há uma mensagem dele no Instagram. Bom Natal. Ela retribui. Ele tenta fazer conversa. Tudo ali lhe soa a desculpa. Será que ele se sente sozinho? Ela deixou mesmo de confiar nele. Decide cortar o mal pela raiz e dizer-lhe que está a sair com uma pessoa — de certa forma é verdade, embora o sair deles não signifique nada. Ela só quer que ele perceba que não está disponível para jogar com ele, que está bem assim. Ainda bem, diz ele. No dia seguinte ela percebe que ele a exclui do Instagram. Apagaste-me do Instagram?, pergunta, incrédula com a atitude infantil. É mesmo assim que as pessoas lidam com as coisas agora? A resposta é um simples sim. Ela pergunta porquê. E aí leva a maior chapada da vida: Porque sim. Já não temos aquela confiança, tu “acabaste” comigo, tipo não percebi isso. Não somos amigos, é melhor assim, tu choraste, gostaste de mim. A sério, eu não queria isso. Dizias sempre não te preocupes. “Acabas comigo”, não sei o quê, passado dois meses dizes que choraste e agora estás com um gajo.
E aí tudo o que ela guardou durante meses sai. É dia 25 de dezembro, parece um bom dia para isto: não temos confiança porque tu a quebraste no verão quando me deixaste semanas sem resposta e afinal estiveste com a rapariga e com a tua ex e o caraças. Coisas que podias dizer-me e não disseste. E quando eu estava a começar a ganhar confiança em ti outra vez voltaste a deixar-me sem resposta. E sim “acabei” porque eu não queria gostar de ti. Achas que queria gostar de um gajo que não está disponível? Não sou assim tão masoquista.
Mas ela não fica por ali.
E claro que chorei. Tu para mim eras meu amigo. Acabar contigo eu sabia que ia acabar por implicar que não fossemos amigos uns tempos. E tu próprio depois disseste que não tinhas tempo para sermos amigos. E eu deixei-te em paz. Desculpa se dizer-te que estou a sair com alguém ou que chorei depois de acabar te faz sentir mal. Não era o objetivo. Só queria que soubesses que se houvesse outras intenções do teu lado eu não queria porque estou a conhecer outra pessoa. Se para ti é melhor assim tudo bem. Eu respeito. Eu não vou insistir em sermos amigos quando sei que não queres isso. Já fiz as pazes com isso há algum tempo.
Envia. Ele vê. Tu tens um caminho e eu tenho outro. Ela apaga a conversa toda. Ele não podia tê-la deixado estar? Tinha mesmo de vir de armas na mão, só para atacar? Que tipo de pessoa te faz sentir mal por teres sentimentos? Lá porque ele está partido não precisava de me querer partir também, diz aos amigos. Que tipo de pessoa te mente, brinca contigo e no final age como se o problema fosses tu? Que tipo de pessoa deseja tanto partir outra em bocadinhos? Oh, sim, será que pessoas partidas partem pessoas? Talvez seja isso. Ele é uma pessoa despedaçada. Despedaçado por uma vida de família numerosa que perde o patriarca demasiado cedo. Despedaçado por ter passado a adolescência sem saber o que queria ser, a tentar encontrar-se nos outros. Despedaçado por ter passado anos numa relação tóxica — ambos tóxicos, ela sabe-o agora. Despedaçado porque da toxicidade nasceu algo bonito. Despedaçado porque nunca poderá realmente seguir em frente por causa disso. Despedaçado porque cresceu tão depressa que, no alto dos seus dois metros, nunca aprendeu a sentir. Despedaçado porque continua a tentar encontrar-se nos outros, fingindo que não quer ser amado. Despedaçado porque só alguém tão despedaçado conseguiria despedaçar outra pessoa assim. Só alguém muito despedaçado saberia quantos pedaços são necessários para destruir alguém.
É dia de Natal e esta foi a prenda que ele escolheu dar-lhe: finalmente revelar-se completamente. Já não é um mistério. Já não é nada. Nunca foi. Era uma ilusão. Uma personagem criada por alguém com um sentido de humor sádico. Pessoas partidas partem pessoas.
Só uma pessoa partida chega e te chama amor, mas depois diz que não queria que gostasses dela. Só uma pessoa partida chega e te faz acreditar que gosta de ti. Só uma pessoa partida chega e te mente quando tu pediste que nunca te mentisse sobre isso. Só uma pessoa partida poderia ter-te encontrado naquele 25 de fevereiro, numa manhã de sol e vento gelado, com as flores da Rua da Trindade a darem sinais de primavera, e podia ter-te escolhido para um jogo sem regras, sem sentido, sem qualquer amor-próprio. Pessoas partidas partem pessoas. Ela não consegue parar de pensar nisso.
Ela, que deixou que ele definisse o mapa. Ela, que o deixou desabafar sobre a vida. Ela, que se habituou aos beijos com sabor a tabaco e menta. Ela, que todas as manhãs recebia uma mensagem dele. Ela, que o deixou chamar-lhe amor. Ela, que quis amá-lo com todo o coração. Ela, que, como toda a gente sabe, podia perfeitamente ter escolhido não se apaixonar por ele.
Sabes o que é curioso? O tempo passa. Veio a primavera, o verão, o outono e o inverno. É 25 de fevereiro outra vez e as flores da Rua da Trindade parecem as mesmas de há um ano. Sensação estranha esta a que ela tem. Ela sou eu, claro. Quer dizer, era eu. Era eu quando acreditava nele. Eu quando estava disposta a mudar para o outro lado do mundo. Eu quando adormecia encostada a ele por me sentir segura. Eu com mais cinco quilos. Eu com menos medos. Eu com tanta vontade de amar e ser amada. Eu, que quase fui despedaçada por ele. Eu, que caminhei nesta rua há um ano a questionar-me se ia acabar como um pedaço de papel amarrotado ou se ia ser algo bom. Eu, que escondi coisas, mas nunca escondi o que sentia. Eu, que já fui uma pessoa tão despedaçada e, mesmo assim, não reconheci alguém muito mais despedaçado do que eu alguma vez estivera.
E ele? Que importa? Lá na rotina dele de certeza que já reatou-dormiu-discutiu-acabou com A Ex mais alguma vez. De certeza que já tentou arranjar outro amor com quem brincar aos namorados sem serem namorados. De certeza que odeia o universo sempre que ouve Taylor Swift e bem sei que no trabalho dele passam Taylor Swift. De certeza que não se lembra de que dia é hoje. Mas eu lembro. Porque eu é que fui culpada de tudo e os culpados nunca esquecem os pormenores dos crimes que cometeram. Culpada de quê? De acreditar? De tentar? De não ter medo? De sentir? Que importa? Para ele, eu serei sempre a culpada. Se para ele é mais fácil assim que assim seja. Deixei de me importar com o que ele quer, sente ou precisa há muito. Talvez quando ele me tentou partir ainda mais.
Às vezes ainda me lembro de como o achava bonito, de como gostava de o ouvir falar sobre tudo, de como ele fazia festinhas na minha perna enquanto víamos filmes, de como eu acreditava que ele me via como eu o via. Às vezes ainda me pergunto como é que o pude ver assim, como é que deixei que a mão dele me guiasse na minha casa, como é que permiti que uma pessoa provisória conhecesse as minhas pessoas permanentes, como é que vi uma pessoa inteira em alguém completamente partido.
25 de fevereiro outra vez e as flores da Rua da Trindade parecem as mesmas de há um ano. Sensação estranha esta. Pessoas partidas partem pessoas e eu prefiro estar sozinha, inteira e em busca de paz do que sozinha, partida e em busca de alguém para partir também. Sensação estranha esta, a de saber que nada na minha vida seria como é hoje se eu não tivesse vindo aqui há um ano… nada de bom nem de mau. Sensação estranha esta, a de ter a certeza de que as flores me tentaram avisar de que devia correr para onde o vento soprava. Pessoas partidas partem pessoas, mas eu fechei as feridas com flores. Os meus pedaços estão juntinhos no meu peito. Talvez o vento levasse os pedaços dele.
Senti cada palavra, como se esta experiência estivesse a ser vivida por mim. É, também isso, que acho extraordinário na escrita e na generosidade de quem escreve e abre o seu coração em cada frase, porque estreita laços que não são nossos. Esta história não é minha e, ainda assim, é impossível não a sentir próxima, relacional.
Se este capítulo fizesse parte de um livro, teria várias passagens marcadas com post-its.
Só espero que o vento continue a soprar, que as tuas feridas permaneçam feitas de flores, porque não tarda nada é primavera e tu mereces florescer!
A isto se chama crescer, acredita. Nestes ultimos 23 anos dos meus quase 46 tenho aprendido muito com isto. E tenho alcançado a minha paz distanciando de pessoas partidas que nao valem a pena…