[O episódio desta semana tem apoio à produção da lavandaria self-service aqui do bairro. Só porque eu estou a escrever uma parte enquanto lavo e seco um edredão]
Depois de ter feito, no episódio passado, algo tão longo e pesado — e acredita: eu deixei coisas de fora — precisava de melhorar aqui o ambiente, porque isto ficou demasiado triste e não pode ser. Verão requer histórias mais animadas… não é como quando eu achei que o A Little Life, da Hanya Yanaghiara, era uma boa leitura de praia.
Tal como disse, aquela história estava destinada a correr mal. Mas nem todas as histórias têm de correr mal. Nem todas as histórias vão correr mal. E a verdade é que eu não podia passar esta série sem falar das histórias que não correram mal, das histórias bonitas e das pessoas que, estando ou não na minha vida agora, conseguiram deixar memórias boas e que definitivamente contribuíram para elevar expectativas. Eu disse que nem tudo foi mau e é verdade: nem tudo foi mau. Estas foram algumas das histórias bonitas.
Espera: tu gostas de Linkin Park e de Taylor Swift, mas às vezes ouves Anitta?
Uma das coisas mais fascinantes de conhecer pessoas é quando passamos tempo suficiente com elas para irmos descobrindo os detalhes únicos e, por vezes, out of character. Descobrir que dorme de meias durante todo o ano, que come nuggets com gelado, que sabe cantar tão bem que já quase se inscreveu num programa de televisão. Claro que estes detalhes normalmente vêm com o tempo. Saber fazer carbonara pela receita típica italiana se calhar não surge nas primeiras conversas — a não ser que a outra pessoa te esteja a tentar conquistar pelo estômago, o que é válido.
No entanto… às vezes as coisas são aceleradas. Uma história no Instagram ou uma visita rápida à tua casa podem deixar a descoberto algum detalhe. Foi assim que esta conversa começou. Estava já decidido, pelo menos para mim, que não ia passar daquilo, por isso já não havia sequer um esforço em tentar parecer mais fixe ou em deixar pormenores de lado… até porque isto não era um pormenor.
Houve um dia em que este descobriu que eu ouvia Linkin Park. Como era mais velho do que eu, ele já era praticamente adolescente quando o primeiro álbum saiu, em 2000. Eu não tenho memórias do Hybrid Theory na altura dele e ele tinha. Para ele foi uma surpresa eu ouvir Linkin Park, por isso ele tinha questões. Várias. Principalmente quando eu disse que são a minha banda favorita de sempre.
Eu sei que não é tão comum ir para uma aplicação de dates e fazer amigos, mas esta conversa deu ares de fazer amigos e foi bom. Não ficámos amigos, mas foi bom poder conversar sobre Linkin Park com alguém: qual é o teu álbum preferido, que músicas ouves mais, foste a algum concerto, como foi o concerto, etc. E daí passámos para que outros artistas ouves mais? E, curiosamente, não houve surpresa quando eu disse Taylor Swift. Do que já ouvi, acho que ela até faz música decente, disse ele.
A surpresa foi quando eu disse que às vezes tinha fases aleatórias e que ouvia várias músicas da Anitta. Aí, sim, houve surpresa. Como assim passas de Linkin Park e Taylor Swift para funk? Somos seres tão plurais que estes pormenores que parecem ser opostos são o que faz de nós quem somos e nos torna mais interessantes. Poder discuti-los sem julgamentos, sem pressões, é realmente algo maravilhoso. Valeu a pena.
O viu-me nua e ainda me despiu a alma
Quando eu saí de casa naquela manhã de domingo eu esperava voltar cedo… mas não de madrugada. Fomos passando as horas numa conversa meio desligada enquanto víamos coisas aleatórias na televisão. Perdemo-nos a ver ténis — claro que ele já tinha jogado ténis quando o máximo que eu faço de ténis é lançar a bola de ténis à Lady para ela ir buscar. Quando saímos ao fim da tarde para jantar eu não contava com nada do que aconteceu depois.
Há algo que me fascina nas pessoas: a mesma característica numa pessoa pode ser irritante e na outra cativante. Num dia pode ser irritante e no outro cativante. Eu já me queixei aqui de quem fala demasiado e não deixa espaço para os outros falarem. Mas também já disse que há quem fale de uma forma tão cativante que podemos passar horas a ouvir. Foi o que aconteceu com o Mitch.
Durante a tarde a conversa tinha sido escassa, desligada, mas quando nos sentámos a comer nuggets e batatas fritas às seis… só saímos de lá às nove. E não foi por sermos lentos a comer. Enquanto ele falava eu tentava decifrá-lo. Fiz perguntas, tive espaço para falar e depois fui levá-lo a casa. Se contava ficar a conversar no carro durante mais cinco horas? Não, não contava. Mas aconteceu. Foi todo um momento de terapia informal. Ele ia falando, eu tentava não falar demasiado. E depois ele disse algo que me apanhou desprevenida e a minha resposta foi só uma: desculpa, mas estás avaliar-me?
Ele estava. Foi aí que fui desafiada a voltar às caminhadas diárias. Foi depois disso que voltei às caminhadas regulares. Ele estava mesmo a elaborar uma espécie de perfil psicológico. Aquilo que eu posso dizer sobre o Mitch é que ele é absolutamente inteligente, com uma noção muito holística do desporto (e da vida) e, enquanto desportista e pela profissão que tem, sabe claramente fazer algum tipo de avaliação. Não que seja psicólogo, mas claramente interessa-se por psicologia.
Aquela era a segunda vez em que nos víamos e ele dizer aquilo que disse sobre mim foi um bocadinho assustador. Como é que ele me conseguia ver tão claramente? Eu nunca deixava que me vissem tão claramente. No dia seguinte, quando contei o sucedido, disse que ele me viu nua e ainda me despiu a alma. E, definitivamente, foi muito mais intenso despir-me a alma.
Franquito, a caixinha de surpresas
Falar do Franquito no Desengatados era algo que não estava nos meus planos. Quando ele me perguntou quando é que ia fazer parte eu até lhe disse que ele não ia estar presente. A minha forma atual de proteger a minha paz é não falar com pormenores das coisas que ainda estão a acontecer e ele ainda consegue fazer acontecer. No entanto, depois senti que, sem ele, isto ia ser uma história incompleta e tenho de confessar: ele é uma das minhas personagens preferidas do Desengatados.
O Franquito foi-se impondo e ficando de forma inesperada e acho que ter trazido uma tablete de Raffaello ajudou a que ele pudesse ficar. Há um dia em que ele chega cá a casa e traz chocolate com ele. Trazer chocolate já era ótimo, zero queixas, aprecio muito, mas quando eu percebi que ele tinha trazido uma tablete de Raffaello para partilhar comigo… pontos bónus foram atribuídos naquele momento. E ele nem sabia que eu adoro Raffaello.
Mas não penses que o Franquito se ficou por aqui. Este rapaz é uma caixinha de surpresas e ganha pontos sempre que é assim. Ganhou pontos por me trazer chocolate, sim, mas ganhou muitos mais quando eu estava a ter uma tarde aborrecidinha de estudo e ele me apareceu em casa de surpresa. E definitivamente ganhou pontos quando eu tinha algumas dores de costas e ele me fez uma massagem in-crí-vel!
Eu estive quase a rejeitar o Franquito, mas a verdade é que uma química fixe com a dose certa de mimo pode muito bem ser aquilo que uma pessoa precisa de encontrar.
Se formos bem a ver, as melhores histórias vêm dos lugares mais inesperados. Eu não esperava que uma das conversas mais interessantes que tive com pessoas do Tinder viesse por causa dos Linkin Park, mas agradeço. Não esperava ver alguém duas vezes e à segunda vez ele desconstruir o meu perfil de tal forma que hoje, quase um ano depois, posso dizer que ele percebeu claramente naquele dia aquilo que eu só percebi claramente depois de várias sessões de psicoterapia. E não esperava, definitivamente, que alguém que estive quase a rejeitar, que não achei que fosse ver mais do que uma vez, conseguisse ser tão surpreendente e engraçado.
Mas e as outras histórias?
Há um episódio de How I Met Your Mother (S03E03) em que o Barney e o Ted discutem a possibilidade de um threesome porque o Ted tem duas amigas interessadas nele e definitivamente querem divertir-se em conjunto. Na manhã seguinte toda a gente tenta perceber se o Ted conseguiu ou não concretizar o threesome, mas ele é vago: some stories you tell, some stories you don’t.
Eu gosto de contar histórias, mesmo quando fica no ar a dúvida sobre se é tudo real ou não, principalmente quando fica no ar a dúvida sobre que partes interessantes da história ficaram por contar. Depois deste, restam três episódios de Desengatados e posso já adiantar-te que esta segunda dúvida ficará para sempre no ar: que partes ficaram por contar? As melhores partes das histórias nem sempre vieram para aqui.
Antes de sair com o Carlitos pela primeira vez, quando já andávamos a combinar o tal café, eu disse algo como: se correr mal pelo menos tenho uma história para contar. Nem sempre as histórias que se ganham compensam o tempo que se perde, mas é certo que vai haver muitas histórias. Algumas tu contas, outras não.
Se calhar não vais querer admitir que foste atrás de alguém depois de o rejeitares só porque mais vale um pássaro na mão… Se calhar não vais querer contar com quem te envolveste ou não (definitivamente não vais querer contar). Se calhar não vais querer falar dos momentos bons que tiveste com quem te partiu o coração porque te sentiste tão enganada que tudo parece mentira agora, mesmo que às vezes ainda te ocorra que houve aquela tarde de filmes, aquela chamada dele no meio do desespero… Se calhar podes admitir a existência do Franquito, mas nunca irás detalhar muito mais do que este episódio porque algumas histórias tu contas, outras não.
Mas afinal o que faz uma boa história? O final feliz ou o quanto te divertiste enquanto a história acontecia?
Não quero tomar partidos, mas… Franquitoooo ahahahah