Agora que nos aproximamos do final — e com tantos falhanços pelo meio — há perguntas às quais é preciso responder: afinal, a expedição foi um sucesso ou um falhanço? Vale ou não vale a pena ir para uma aplicação de encontros? O que faz uma boa história?
Imagina o seguinte cenário: passaram mais de dez meses desde que entraste no Tinder pela última vez. Apagaste a conta, apagaste a aplicação, viveste a tua vida com quem já tinhas conhecido, tiveste todos os dramas da tua vida normal, sem tempo para mais, e agora pegas no telemóvel, abres a Google Store ou a Play Store e procuras aplicações de encontros. Instalas o Tinder. Começas a preparar o teu perfil. Escolhes três fotos de que gostas; dizes que os teus cinco interesses são criação de conteúdos, escrever, podcasts, caminhar e literatura; não sabes o que colocar no estou à procura de…; ignoras a parte da altura porque 1,67m não é assim tão interessante para destacar; dizes que és escorpião, que estás a tirar mestrado, que gostas de cães, que bebes socialmente e não fumas, que és ativa nas redes sociais e que acordas cedo; ignoras tudo o resto. Nem sequer pensas numa descrição para o sobre mim. Assim que acabas de preparar o perfil olhas para o primeiro perfil que aparece no separador de descoberta e decides meter o teu perfil privado. Será que vale a pena estar aqui? Não, não é essa a questão: será que vale a pena estar aqui sem saber o que se quer encontrar aqui?
Isto é um processo…
Há umas semanas reclamei algo com o Franquito, completamente chateada com ele e farta das situações em que me meto. Achava que tinha toda a razão no que lhe estava a dizer porque era o que sentia. E depois veio a resposta dele. Tão curta e direta que eu desatei a chorar — porque eu choro com tudo, calma. Eu não tinha toda a razão no que lhe estava a dizer porque eu já lhe tinha feito aquilo que agora dizia que ele me estava a fazer e eu não tinha consciência disso até ele o dizer e eu ficar a sentir-me a pior pessoa à face da Terra… ou, vá, a pior pessoa da rua.
Como faço psicoterapia, acabei a debater isto numa sessão. A psicoterapia tem um papel fundamental na minha vida e, neste caso, ainda mais. Algo que a psicoterapia permite é trabalhar a pessoa que somos e as pequenas coisas (e as grandes também) que, por vezes, fazem com que tudo isto funcione com mais dificuldade. Este trabalho dá uma consciência diferente de quem somos e de quem queremos ser e também do que temos e do que queremos ter.
Eu, que tenho uma bateria social de curta duração, admito facilmente que é desconfortável, mas conhecer pessoas é enriquecedor. Conhecer pessoas, talvez fazer amigos, talvez odiar a humanidade… é bom, foi bom e fez-me bem. Lidar com pessoas tão diferentes foi um desafio e foi bom. Conheci pessoas que vêm de meios completamente diferentes, com profissões completamente diferentes, com aspirações completamente diferentes. Conheci pessoas que podia ouvir falar durante dias e pessoas que só queria que se calassem. Conheci pessoas que me acordaram de algum tipo de entorpecimento. Conheci pessoas que adorava poder ter para sempre e outras que adorava que nunca mais me falassem.
Também conheci várias versões de mim. Algumas versões eram tão polidas para serem do agrado dos outros que me aborrecem de morte. Outras versões têm contribuído para melhorar a Sofia que sou. Não gostei de conhecer a versão de mim que se deixou levar por um manipulador, odiei conhecer a versão de mim que chorou convulsivamente no escuro, definitivamente preferia não ter conhecido a versão de mim que se sentiu esmagada. Mas gostei de conhecer a versão de mim que se deixa ir, adorei conhecer a versão de mim que não tem problemas em chamar à atenção os outros, definitivamente estou agradecida por ter conhecido a versão de mim que sabe o respeito que merece e vai embora quando sabe que é hora de ir.
O problema de ainda ser uma pessoa romântica
Não me lembro se contei isto por aqui, talvez num dos primeiros episódios, mas, quando comecei a falar com o Cristiano, disse-lhe algo que se aplica a mim: eu sou uma pessoa romântica, eu acredito no amor. Não significa que acredite em finais exclusivamente felizes, porque não é o caso, mas eu acredito no amor. De vez em quando ainda preciso de histórias com finais felizes — preciso de as ver, de as ler e de as escrever.
Eu não fui para o Tinder para me apaixonar e certamente não me queria ter apaixonado por quem apaixonei, mas estaria a mentir se dissesse que não houve momentos com uma ou duas pessoas em que parei a olhar para eles e torci para que pudesse vir dali algo mais. Num deles foi porque me senti um bocadinho a Taylor na Enchanted e estava fascinada por aquela pessoa. No outro foi porque queria poder desvendar todas as versões dele que não conhecia e meio que queria que ele pudesse ser todos os dias aquilo que estava a ser de vez em quando.
Com tudo isto, claro que uma pessoa pensa que tipo de investimento devia fazer nisto. Porque se investes muito para dar nada é uma chatice. Mas se investes um bocado em várias pessoas não valia mais estares a investir isso tudo numa só? É cansativo. Não tenho energia para investir em várias pessoas. Às vezes nem para investir em mim tenho energia, quanto mais…
Então o que sobra?
Vale ou não vale a pena? Valeu ou não valeu a pena?
A resposta curta é sim. A resposta média é há a possibilidade de valer a pena. A resposta longa é…
Pode valer a pena, sim. Há umas semanas escrevi a conclusão da minha tese de mestrado e disse algo como é preciso encontrar os leitores onde eles estão. Embora nada a ver, acho que é preciso encontrar as pessoas solteiras onde elas estão. Se não sais à noite, se não tens contextos de amigos em que haja possibilidade de conhecer pessoas, se o teu ambiente laboral não facilita isso… então por que raio não hás-de ir para o Tinder, o Bumble ou outra aplicação qualquer e tentar encontrar alguém? Claro que pode demorar até teres o match certo. Podes ter de juntar vários desengates antes de chegares ao engatado certo. Mas só saberás se tentares.
Deves, no entanto, ter alguns bons amigos com quem partilhar as tuas histórias e a tua localização em encontros. Deves ter consciência do teu valor. Deves ter mente aberta para lidar com todo o tipo de pessoas que podes conhecer.
Vou, então, chegar ao final do episódio anterior: afinal o que faz uma boa história: o final feliz ou o quanto te divertiste enquanto acontecia?
Já li várias centenas de livros na vida e já escrevi várias dezenas de histórias também. Nem sempre o final resulta. Nem sempre o final é feliz. Nos últimos anos ganhei um amorzinho especial por histórias de finais abertos ou de finais que não são o típico ficam juntos e felizes. Para mim, mais do que o final feliz, vale a história. É o mesmo no Desengatados.
Se valeu a pena? Às vezes sim, às vezes não. Mas foram mais as vezes em que sim. Foram mais as vezes em que foi divertido do que as vezes em que foi frustrante. Foram mais as vezes em que pensei que ia dar uma boa história do que as vezes em que odiei as personagens.
Mas, agora, enquanto olho para este perfil incompleto e penso se vale a pena concluí-lo e metê-lo público sei que há algo que me diz que não vale a pena se eu não souber o que quero. Ou se eu não conseguir assumir o que quero.
Se houve algo que aprendi com todas estas personagens de Desengatados é que não podemos fugir a quem somos. O Carlitos iria ser sempre um mentiroso. O Cristiano iria ser sempre alguém que gosta de um bom jogo. O Mitch iria ser sempre alguém a trabalhar pela melhor versão de si. O Ruizinho iria ser sempre alguém focado em si. E eu iria ser sempre alguém a tentar ter menos medo de não ser suficiente.
E eu ainda estou a tentar porque posso mudar isso. Mas eles… eles nem sempre vão poder mudar. Eu nunca poderia mudar o Carlitos por muito que ele me tenha contado a vida dele, por muito que eu soubesse a rotina dele, por muito que ele me falasse da filha, da ex, da vida adulta. Eu nunca poderia mudar o Cristiano porque ele ia sempre querer uma versão de mim que eu não quero diariamente. Eu nunca poderia mudar o Mitch porque não quero mudar o Mitch, mas nunca me poderia mudar para ser aquilo de que o Mitch precisa. Eu nunca poderia mudar o Ruizinho porque provavelmente ele não se ia calar enquanto eu tentasse. E nenhum deles poderia mudar-me. Mas todos eles me mudaram.
Se valeu a pena? Sim, valeu. O que faz uma boa história é o quanto me diverti enquanto acontecia. Porque o final… o final ainda não chegou.