3 lições de escrita de Modern Family (e não só)

Aquilo que lemos, ouvimos e vemos não só nos molda enquanto pessoas como também acaba por influenciar as nossas ideias, a nossa inspiração. Embora não seja algo totalmente óbvio, sinto que os livros que leio, os podcasts e a música que ouço e os filmes e as séries que vejo têm influência naquilo que escrevo.  Quando comecei a acompanhar Modern Family, em 2012 ou 2013, a série já tinha algumas temporadas disponíveis. Não sendo a série mais genial de sempre, tornou-se companhia semanal a partir daí. Tendo abandonado a ideia de tentar guionismo há muito tempo, acho que esta série também achou a moldar a minha escrita.

Depois de 11 temporadas, a série terminou no início de Abril e dei por mim a pensar em como Modern Family podia perfeitamente ser usada como exemplo em aulas de escrita. O fim começou a sentir há vários episódios, mas o episódio final, duplo, estava cheio de nostalgia. Depois, ao ver o documentário lançado com esses episódios, ainda mais nostálgica fiquei. Comecei a pensar nas séries que já vi que acredito que influenciaram a minha escrita. Foi assim que me lembrei destas lições de escrita de Modern Family… e não só.

Três lições de escrita de Modern Family

O ambiente familiar

Por ser uma série sobre família era difícil fugir ao tema, não é? O que Modern Family fez foi criar uma família dividida em três agregados. Não é uma família perfeita, porque essas não existem, e é aí que as pessoas se começam a identificar com ela. A família é um ponto importante na escrita porque define as personagens, mas também transmite um certo realismo e dá um suporte à personagem. A família não tem de ser tradicional, seja lá o que isso for. Em Modern Family a família é o ponto mais importante, mais do que as personagens propriamente ditas.

Cada um dos agregados tem as suas questões, os seus problemas e as suas características peculiares. Dentro de cada agregado há relações complexas e depois há ainda que lidar com as relações entre agregados. Tudo isto é uma mina de caracterização de personagens e de ambiente. O que Modern Family fez de extraordinário aqui foi criar uma família diferente daquilo que era visto em televisão até então e é algo que pode ser interessante em termos de escrita. A família de pai, mãe e filhos já não é a única a ter lugar na ficção. Temos pais homossexuais, temos uma família numerosa, temos alguém casado pela segunda vez com uma mulher muito mais nova.

Confesso que o ambiente familiar é das minhas partes preferidas na construção de histórias. Gosto de saber qual é a relação com a família e entre a família, quem se dá bem com quem e quem se dá mal com quem e os motivos. As relações familiares costumam ser complexas e é isso que torna tão interessante escrever sobre elas.

Personagens peculiares, complexas e com um papel determinante na história

As pessoas não são todas iguais logo as personagens não podem ser todas iguais. Aliás, já por aqui falámos, uma vez, sobre construção de personagens. Aquilo que nos liga a uma personagem é a sua personalidade, aqueles detalhes com os quais nos identificamos ou que nos lembram alguém. Quem vê Modern Family sabe que a Haley não é a personagem mais responsável e que se preocupa com a aparência, tal como sabem que o Phil adora magia e o Cameron se veste várias vezes de palhaço, o Fizbo. As personagens não escondem as suas características mais peculiares porque é isso que as torna diferentes e relacionáveis. Isto acontece muito em personagens de séries de comédia e é uma boa lição para criar personagens melhores.

Histórias directas ao assunto

Aquilo de que mais gosto em séries com episódios de 20 minutos é a capacidade de contar uma história num curto período de tempo. Em 20 minutos a história começa, atinge o clímax e termina. Não há tempo para encher chouriços. Aquilo que Modern Family conseguiu fazer muito bem foi criar estas histórias de duas formas diferentes: o mesmo tema dava para todos os membros da família ou cada agregado tinha direito a um tema que podia ou não ligar-se ao que estava a acontecer noutro agregado.

Claro que nem todas as histórias se resolviam completamente em 20 minutos e existem vários callbacks, em que acontece ou é mencionado algo que aconteceu há vários episódios. No entanto, a norma é em 20 minutos surgir um conflito, atingir-se o auge desse conflito e, por fim, resolver-se. Isto é um óptimo ensinamento para incentivar a histórias mais directas, sem engonhar.

Em jeito de conclusão

Obviamente, não é só com Modern Family que podemos ter aulas lições de escrita. A maioria das séries consegue ensinar-nos uma coisinha ou outra sobre escrita, sobre construção de personagens e sobre histórias com cabeça, tronco e membros. Quis usar o exemplo de Modern Family porque depois de tantos anos achei que merecia uma homenagem agora que terminou e não fazia sentido para mim falar do tema da série. Era muito melhor falar do legado, do que nos deixou.

Modern Family conseguiu criar uma história de família de uma forma única e diferente do que se via na televisão até então. Mentiria se dissesse que todas as temporadas são excepcionais, porque não são. Mas ao longo de onze anos, foi uma série que fez rir e fez quase chorar. Esta era a altura certa para terminar. Valeu a pena.

4 Replies to “3 lições de escrita de Modern Family (e não só)”

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